domingo, 29 de novembro de 2009

A mão que manipulava o catálogo


Essa semana vi algo deveras repugnante aqui. Dessa vez há nada ligado ao narcotráfico e sim é um fato que resume um pouco o nível de metrossexualidade dos “homens” daqui.

Estava eu em uma sala de espera, obviamente, esperando. Estava nessa sala já há uns 15 minutos o que é uma eternidade quando se está fazendo absolutamente nada. A única opção de leitura não era uma Caras de maio de 1867 com o Francisco Cuoco de sunga na beira da piscina de sua casa e sim um catálogo de vendas de roupas femininas. Para completar, o ambiente no qual eu esperava era um ambiente tipicamente colombiano: encerrado e sem ar condicionado.

Com um olhar perdido no curto horizonte, me deparo com algo extremamente brilhoso que ofuscou minha retina. Acreditem ou não, o brilho provinha de uma mão MASCULINA com unhas pintadas.

Não bastasse a mão de unhas perfeitamente pintadas, todas as suas unhas eram extremamente bem “feitas”! Digo isso para deixar bem claro que não se tratava de um emo ou de um roqueiro com unhas pretas. Não havia uma cutícula, uma pele extraviada fora do lugar, tudo era impecável, harmonioso. A mão desse homem de terno e gravata parecia a mão de uma matrona perfumada e de rosto empedernido. Via, na mão desse “homem”, a mão de alguma tia-avó já (felizmente) falecida.

Quem é leitor regular, sabe que essa repugnante característica de homens pintando unhas não é algo considerado bizarro aqui. Descrevi há algum tempo atrás a seguinte cena que irei contar novamente.

Na casa de uma amiga da Marcela, mulheres conversavam sobre uma determinada senhora que fazia as unhas delas. Disse a dona da casa:
“Quando ela (a manicure) vem aqui, ela faz as minhas unhas, a da minha irmã e do meu MARIDO”.

Sim, DO MEU MARIDO!

E ela disse isso sem constrangimento algum, nem fez uso da discrição já que estava em frente a um homem de verdade como eu. Simplesmente, com a maior naturalidade do mundo, como se esse marido tivesse tanto direito de ter suas unhas “feitas” quanto ela e sua irmã.

O fato era que eu não conseguia sacar meus olhos daquelas mãos que, para completar, para torná-las ainda mais femininas, manuseava com destreza um catálogo de roupas para mulheres.

A cada giro ou volteada que essas imaculadas mãos davam no catálogo de roupas femininas, novos raios de brilho espalhavam-se pelo recinto. Acho que nem piscava observando aquelas mãos.

Após alguns minutos, resolvi retirar-me derrotado do recinto. Onde o mundo iria acabar, perguntava-me.

Dias depois, um jovem homossexual de olhos pintados em seus contornos fitou-me na entrada de um condomínio residencial.

Mais perigoso que a mudança climática, é a mudança de comportamento nesse planeta doente.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Não Dá Mais



Já comentei sobre o terrível hábito colombiano de ir a “fincas” em seus tempos livres. Como Medelín fica muito longe do mar, a população opta por ir a casas de campo ao invés de deslocar-se até o longínquo litoral. O programa pode ser mais bem compreendido se considerarmos que quase ninguém mora em casas, a cidade tem pouco espaço e muita gente e sobra pouco espaço para casas, ou seja, todo mundo mora em apartamento e a ida a casa de campo é como desfrutar de algum tempo em uma casa e não socado em um apartamento minúsculo e quente.

Nas duas vezes que vim à Colômbia pude conferir esse hábito e agora, como cidadão local, sigo na mesma.

Nesse texto irei narrar duas experiências lamentáveis minhas de ida ao campo. Começo pelo menos terrível e concluo com a pior.

Há algumas semanas atrás, uma guria que trabalhava com a Marcela a convidou para ir a uma casa de campo com outras três ou quatro mulheres, no men allowed. O plano devia consistir em um encontro de mulheres vulgares bebendo cachaça e ouvindo música-lixo por um fim de semana inteiro, falando de homens e quão frustradas se encontram atualmente.

Antes de seguir a história, essa guria que fez o convite, Caren, é uma guria humilde, uns 30 anos, mãe solteira (o pai da criança morreu), estilo barraqueira, fala alta, em resumo, aquele tipo de mulher que briga com mulher, que sai no soco, inclusive, em algumas oportunidades, foi a vias de fato em seu antigo ambiente de trabalho. Suburbana.

Resulta que ela não mantém boas relações diplomáticas com seus pais. A mãe, desde que ela saiu de casa e foi morar com o namorado, foi embora de casa e foi morar com uma tia, onde gasta seu tempo cheirando cocaína com o sobrinho, que, antes da chegada da tia à casa, estava tentando reabilitar-se.

O pai, nunca sequer jamais tinha ouvido falar. Pois Caren resolveu reatar relações com o pai que mora em uma casa de campo no meio do nada e, sem nem esperar “conhecer” bem o seu “novo” pai, fez esse convite.

A Marcela disse que não iria a lugar algum sem mim, e, devido à devoção e o eterno agradecimento pela oportunidade de trabalho dela para com a Marcela, mudou os planos e sim, fomos os dois mais o namorado dela que primeiramente não iria.

Chegando lá pela noite, a imagem já esperada. Mulheres suburbanas embriagando-se e escutando música sertaneja. Contive a vontade de vomitar e me preparei para a janta, já que foi prometido um suposto “churrasco”. Comi dois bifes que mais pareciam uma sola de sapato e, para piorar o drama, não fazia muito tempo que havia retornado de Porto Alegre, ou seja, foi inevitável a comparação entre as carnes.

A Marcela e eu estávamos extremamente cansados e resolvemos nos recolher após a desagradável refeição. Caren muito amavelmente nos havia separado a melhor cama da casa, a cama do pai que supostamente não voltaria a casa para dormir, pois saiu demente, alcoolizado, após discutir com a filha. Evidentemente recusamos a amável oferta e a segunda opção era no chão, em cima de um par de edredons.

A noite era infernal, obviamente não conseguiria dormir devido ao desconforto e à música alta e detestável. Alternava o pensamento fixo no suicídio com a alternativa de matar a todos. Para completar, alguns faziam brincadeiras como entrar nos quartos e puxar os cobertores de quem estivesse (tentando) dormir. Que engraçado, ah, o humor colombiano... Um espetáculo de horror causado pela infernal característica da Marcela de não querer ferir ninguém, querer agradar a todos.

No meio da noite, chega à casa o pai. Se há de se buscar algo positivo nesse inferno, comemorei o fato de não ter aceitado o convite de dormir na cama do homem.

A chegada foi ruidosa e amedrontadora. Mais alcoolizado do que já estava antes de sair de casa, gritava impropérios, resmungava e discutia com o namorado da filha. Cambaleando, se atirou em um colchão que estava justamente no mesmo espaço em que eu e a Marcela estávamos. Vale à pena também destacar que o homem em questão tinha atritos com a filha porque, na visão dele, ela o abandonou quando ele foi para a...CADEIA.

Falava sozinho, gritava palavras de ordem e ameaçava de agressão o namorado da filha. Em um momento se levantou, pegou uma garrafa na cozinha e a atirou ao solo quebrando-a. Nem preciso dizer que a Marcela se encontrava apavorada nesse momento e arrependida pela merda que havia feito.

O homem voltou-se a deitar-se, mas não durou muito. Mais uma vez se levanta babando de raiva e vai em direção à cozinha com a intenção de matar o namorado da filha.

Nesse trajeto passa pelo nosso arremedo de cama e pisa na perna da Marcela. Digo que isso felizmente aconteceu, pois fez com que Jesus Cristo, perdão, fez com que a Marcela desistisse da empreitada e, às 2h, resolvesse ir embora.

Saímos corridos da casa em meio a pedidos de desculpas por parte de Caren e rumamos para Medelín.

Já em Medelín descobri o motivo dessa ida à cadeia do velho homem. Homicídio.
Meu Deus.

Duas semanas depois a Marcela apronta outra para mim.

À outra casa de campo!

Dessa vez iríamos à casa de um amigo do namorado de uma ex-colega de colégio. Essa guria em questão, para aqueles que me acompanham, é a sobrinha do presidente Uribe, cujo tio é um mega narcotraficante que vive no México que, segundo a sua própria IRMA, “é mais terrível que o Pablo Escobar”, palavras da I-R-M-A.

Enfim, para lá fomos. Uma bela casa, tudo parecia estar, dessa vez, dentro do aceitável, até a música não era sertaneja ou reggaeton, o que já deve ser comemorado como uma vitória nessas terras de gosto tão, vamos dizer assim, “peculiar”.

Estávamos os quatro sentados conversando em frente à piscina quando começo a desconfiar da profissão do namorado da amiga esse.

Sabem aquele papo típico de esquerdista defensor dos direitos de países pobres? Pois é. Se um europeu diz que todo colombiano é narco, sempre vai aparecer um e dizer que isso é preconceito, injustiça, racismo...

Eu não digo que todos são, mas MUITOS são, demais da conta.

O cara esse é e engenheiro agrônomo de plantação de cocaína nas cercanias de Bogotá.

Excelente.

Antes de seguir vale a pena destacar o fator “maria do pó” dessa ex-colega da Marcela, pois além de ser sobrinha de um narco, era casada com um cara cujo tio era traficante e agora de novo, com um engenheiro. O próximo quem será, um integrante da Camorra? Aliás, falando no tio narco, ele apareceu em Medelín e foi visitá-la na casa de sua mãe, irmã dele. Segundo ela, ele fez tantas plásticas no rosto que não o reconheceu, bem estilo do nosso colombiano adotado, o famoso Carlos Abadia.

E o papo era bom. Dizia o cara que eu me parecia muito com o sobrinho do Pablo Escobar, seu amigo e que está morto. Aliás, 90% das pessoas citadas pelo cara em suas conversas estavam mortos.

Depois começou a filosofar sobre uma possível “maldição” que atormentava os plantadores de heroína. Dizia ele que trabalhar com heroína condena o futuro, todos acabam em alguma tragédia.

Também filosofou sobre matar ou não matar determinada figura e por aí foi.
Nesse meio tempo eu apenas esperava homens entrando pela casa com metralhadoras em punho e acabando com a minha vida patética.

Meu Deus.

Outras duas semanas depois, outra “finca”. Às 22h passamos nada mais nada menos que pelo bairro mais violento de Medelín, ou seja, um dos mais violentos do mundo, mas, felizmente, depois desse aperto, nada passou.