terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Fracasso Olímpico

A cada edição dos jogos olímpicos se repetem as mesmas ladainhas pelos quatro cantos do Brasil: “o desempenho dos atletas foi um fracasso” e “faltam maiores investimentos por parte do governo no esporte”. A cada fracasso brasileiro em Olimpíadas se realimenta o mito de que o esporte deve ser levado mais a sério no país o que, no meu entender, é a repetição de uma mentira midiática. O primeiro erro de avaliação quando falamos de esportes é o fato de se considerar “heróis nacionais” os atletas que representam o país em competições internacionais. Associa-se a figura dos atletas com a de soldados em um equívoco sem precedentes. Os atletas, mesmo os mais brilhantes, jamais serão heróis, ou jamais o serão quando analisadas suas ações como atletas. Um atleta sim pode ser um herói, mas não o pode ser considerado um herói pelo simples fato de pular mais, correr mais, colocar mais bolas dentro de buracos ou arcos, pedalar mais rápido e etc. Isso não é ser herói, é ser apenas, um bom atleta. Esse erro de concepção existe há muitos anos. Ayrton Senna deveria ser um “herói nacional” pelo simples fato de que seu carro andava mais rápido que os carros dos demais; Kuerten também foi promovido ao posto de herói nacional porque conseguia jogar bolas no piso e que estas o tocassem duas vezes ou mais antes que o adversário pudesse reagir. Ayrton Senna e Kuerten alguma vez já salvaram vidas ou fizeram algo que gerasse benefício a um grande número de pessoas? Nem chegaram perto disso. Jamais foram heróis. Os atletas disputam e treinam para seu logro particular. A mídia os quer transformar em braços da nação, mas nada disso. Luc Ferri, pensador francês destaca as diferenças de concepções de relações com a Pátria no passado e atualmente na obra “Morrer por amor”. Na Idade Antiga ou na Idade Média a maioria da população estava disposta a morrer pela pátria. Hoje, morre-se por amor, morre-se por um ente querido, mas não se morre mais pela pátria, ou pelo menos no mundo ocidental dito “civilizado”. O mesmo acontece com os atletas. Eles não estão treinando e sacrificando suas juventudes pela pátria e sim pelo orgulho e pelo prazer particular. Comemora-se o êxito de um desportista pelo simples e estúpido fato de que esse esportista coincidentemente nasceu no mesmo país. Pessoas choram de emoção porque alguém que nasceu no seu país ganhou algo. Analisemos friamente, é isso que se comemora, que alguém, repito, que nasceu no mesmo país tenha ganhado algo. Estúpido. Por que nos devemos “emocionar” mais com a vitória de um compatriota do que com a vitória de um atleta uzbeque? Ou então com a vitória de um atleta queniano que com certeza passou por mais dificuldades e carências do que a maioria? Não tem sentido, o motivo e as respostas são estúpidos. Gilles Lipovetski, outro filósofo francês salientava que a conquista da Copa do Mundo pela França em 1998 significava nada para a maioria da população francesa. Ganhamos a Copa do Mundo, “e daí?” questionava o francês. Todo esse sentimento ultranacionalista invocado em épocas de grandes eventos acaba gerando um sentimento de cegueira coletiva. Poucos questionam a validade dessa esquizofrenia massiva. Vi gente chorando em pleno espaço público aqui na Colômbia porque uma rapariga pedalou mais rápido que as demais e ganhou uma competição de bicicross. Vi há oito anos pessoas humildes no Centro em Porto Alegre em depressão profunda ao ver imagens gravadas do fracasso de um pleibói brasileiro no hipismo em Atenas. Todo esse nacionalismo, em todos os lugares e em todas as épocas, apenas levou a humanidade em direção à desgraça, a guerras, ódios étnicos e etc. O nacionalismo em excesso leva à barbárie, vide os governos ditatoriais que existiram ao longo da história e que muitos, não por coincidência, levavam a palavra “nacionalista” em seus nomes. Agora analisando mais a parte prática do tema, não vejo sentido algum em ser uma potência olímpica. Sou um crítico corriqueiro da sociedade brasileira, mas não sinto qualquer constrangimento em ser um grande fracasso olímpico. A Noruega é o país de maior qualidade de vida do mundo e ganhou apenas duas medalhas de ouro, pior que o Brasil; a Austrália, segundo melhor país, sete medalhas de ouro, melhor que o Brasil, mas longe dos líderes; Holanda, o terceiro, apenas seis medalhas de ouro; a Nova Zelândia, também apenas seis ouros; o Canadá, apenas um assim como a Irlanda; Liechtenstein, nada, nem uma de bronze; a Suécia, apenas uma de ouro e a Alemanha, onze, bom, mas nada de espetacular. Se analisarmos os resultados das últimas edições dos jogos, vamos ver China e Estados Unidos brigando pela ponta o que é entendível considerando que vivemos uma espécie de Guerra Fria II, claro, bem mais moderada do que a primeira. Ah, falando em Guerra Fria, quem eram as duas potências olímpicas nesses tempos? Estados Unidos e União Soviética. Coincidência? O sucesso esportivo só serve nessas situações onde a política procura no esporte um modo de propaganda como acontecia, por exemplo, em Cuba, hoje já sem tanto sucesso. A Coreia do Norte vem investindo o que não tem em esporte também...por que será? Seguindo nesse tema, acho que temos problemas e emergências extremamente mais importantes para dedicar dinheiro público e preocupação de massa. O povo brasileiro é extremamente rigoroso com atletas olímpicos e ainda mais quando o tema é clube de futebol. Manifestações furiosas devido a fracassos em resultados de clubes são corriqueiras e o mesmo não acontece em relação a temas de corrupção política, por exemplo. O julgamento do “mensalão” e a CPI do Cachoeira deveriam causar mais indignação do que fracasso olímpico, mas esses não são espetaculares e vivemos na sociedade do espetáculo, há de se recordar. Por que devemos investir dinheiro público para desenvolver atletas de alto rendimento? O quê a população ganha com isso? Absolutamente nada. Acho extremamente correto a inversão em esporte como parte de formação humana e cultural, mas considero um grande desperdício o dinheiro público para apoiar esportistas que nada dão em troca para o Estado. Friamente comparando, é como eu pedir um empréstimo público para fazer uma cirurgia plástica. A matemática de um Estado deveria ser totalmente pragmática. Se eu destino um valor para tal área, o quê isso traz de benefício ao Estado? A Lei de Cultura é um exemplo de decisões equivocadas. Extremamente importante o papel do Estado ao proporcionar espaços e materiais culturais à população; no entanto, é constante o uso dessa verba para bancar obras de teatro de atores globais ou livros de celebridades egocêntricas como foi o caso de Chico Buarque, irmão da ministra de cultura que patrocinou o seu livro com dinheiro público. Enfim, está mais do que na hora de pararmos com essa choradeira periódica de a cada quatro anos e também saciar-nos com uma vida sem a necessidade de pseudo-ídolos. O prazer deve ser concebido com a genitália de cada um e não esperar que uma genitália compatriota logre atingir um orgasmo em terras alheias para que o cidadão ordinário tenha uma amostra do êxtase inatingível.