sexta-feira, 13 de abril de 2018

O Ódio A Lula


O amor e ódio são dois sentimentos que, na maioria dos casos, têm sua parcela irracional. É difícil entender, explicar ou justificar o cego amor materno; também é pouco provável que possamos compreender este sentimento que temos em relação a outras pessoas, sejam elas cônjuges, familiares ou amigos. Há pessoas que nos oferecem nenhum motivo plausível ou concreto para que os amemos e mesmo assim os amamos. O ódio se difere do amor por uma linha muito tênue. O ódio seria o gêmeo maldito, seria Caim, gerado no mesmo útero de Abel, mas inimigos extremos.

Minha tarefa nesse texto é uma missão bastante difícil, pois tenho a audácia de pelo menos tentar entender o ódio que sente grande parte da população brasileira contra Lula, recentemente preso e transformado em um cadáver político. Por que essa classe média branca do Sul, sudeste e centro-oeste detesta tanto a figura de Lula? Ou detestam a pessoa de Lula? Ou o político Lula? Ou as três coisas?

Todos os corruptos deveriam pagar pelos seus crimes e serem presos. Essa poderia ser uma das poucas ideias que é defendida pela maioria dos brasileiros, sejam eles cidadãos de classe média que protestam em partes nobres de grandes cidades brasileiras cantando o hino e fardando camisas da seleção cujo novo diretor esportivo é o filho de Zezé Perrela, aquele mesmo outrora pego num helicóptero com alguns quilos de cocaína, ou sejam eles os integrantes dessa nova classe média ou pobres, brancos, mestiços ou negros de grandes cidades brasileiras ou do interior do nordeste brasileiro que defendem seu Messias em forma de Lula. Sem jamais ter tido acesso a pesquisas sobre esta indagação, ouso dizer que é uma ideia de todos.

Quando se mencionava a possível prisão de Lula ou agora que Lula está atrás das grades, a primeira reação da esquerda era virar o canhão para os acusadores e clamar pela punição aos ladrões da direita, começando pelo sempre salvo por seus amigos influentes Temer, passando por Aécio Neves e toda sua turma do PSDB com raras exceções. Têm razão os esquerdistas no seu argumento? Em parte. Numa sociedade com a mínima intenção de ser democrática, qualquer político, de qualquer ideologia, deveria ser punido da mesma forma e isso não acontece no Brasil. Essa situação deveria impedir que se punam os ladrões de esquerda? Claro que não. Lula, caso comprovada sua culpa, deveria ser punido. A culpa de Lula foi comprovada? É questionável. Sendo leigo no tema sempre considerei as provas apresentadas contra o maior ícone da esquerda latino-americana como sendo frágeis, duvidosas. Acho eu que Lula não tem culpa no cartório? Negativo. No terreno do achismo vou pela ideia de que sim o apartamento foi um presente de agradecimento de uma empresa privada que usava Lula como sua melhor ferramenta de merchandising, atuando tanto dentro das quatro linhas do Brasil quanto em republiquetas de banana dominadas por tiranos pelo mundo afora.

Pois Lula foi condenado. Sendo boas ou ruins as provas, a justiça trabalhou com uma rapidez jamais vista, julgou o acusado em duas instâncias e o condenou, inclusive lhe aplicou um plus à sua pena para deixar de ser bobo. Estou criticando a rapidez da justiça? Jamais. Adoraria que esta fosse assim de ágil sempre, em todos os casos, especialmente contra corruptos que sempre escapam sorrateiramente aproveitando a falta de vigilância por parte da população. A justiça ser rápida uma vez na vida especificamente contra o símbolo da esquerda do país é questionável? Duvidoso? Sim, não há dúvidas. Ainda mais considerando o corto período entre esse último fato e o impeachment de Dilma.

Segundo a constituição de 1988, só poder-se-á (homenagem ao presidente bem relacionado) enjaular alguém após esgotadas todas as instâncias possíveis, e Lula ainda tinha bastante terreno para usufruir. Pois eis que os ministros, em um julgamento midiático vergonhoso, aliás, mais uma sessão vergonhosa de nossos poderes para que todos vejam ao vivo e a cores, decidiu que não, que Lula deveria ser preso já. Uma constituição é algo escrito que se cumpre e respeita. Não deveria ser aberta a interpretações. O que vi no julgamento foi um espetáculo preparado ao gosto do público fazendo jus à sociedade do espetáculo em que vivemos. Dessa vez não houve choro e homenagens a torturadores ou a maridos honestos presos por corrupção, admito que esperava mais de nossos togados, mas igualmente foi possível desfrutar. Édson Fachin parecia se desculpar pelo que estava fazendo; o famigerado Gilmar Mendes, mudou, mais uma vez, de opinião; Rosa Weber confirmou a norma que discorda e contrariou voto proferido alguns dias antes a favor dos habeas corpus em outro caso.

Um meme de um amigo no Facebook chamou a minha atenção. Após o julgamento do STF apareceu a seguinte imagem: Brasil 6x5 Cuba. Além de sempre me impressionar a importância que a direita fanática dá a uma ilhota parada no tempo e insignificante que já nem a esquerda dá muita bola, o que salta aos olhos é a coerência idelogicamente seletiva. Questionei a imagem e a explicação foi a seguinte. Se tivessem dado o habeas corpus a Lula, seria o fim do estado de direito, da democracia e estaria instaurada uma ditadura, seríamos uma outra Cuba. Leiamos outra vez. O estado não garantiu os direitos de um cidadão que estão na constituição enquanto figuras importantes do exército brasileiro ameaçavam com intervenção militar em caso de concessão de liberdade a Lula. Soma-se a isso a mídia associando de forma simplista e sorrateira a negação do habeas corpus com a instauração terminal da legalidade da corrupção no Brasil. Minha conclusão: Brasil 5x6 Cuba. Negar direitos garantidos pela constituição e ameaças provenientes dos porões do militarismo são acontecimentos não de democracias estáveis e sim de uma Romênia de Ceaucescu, uma União Soviética de Stalin ou, sim, uma Cuba de Fidel.

No entanto o momento mais enfadonho e triste de tudo isso, que, para mim, passou a clara ideia de que, ao invés do que pensam os "vencedores" dessa empreitada, mostra cristalinamente que cada vez estamos piores foi o voto de Barroso. O ministro recém citado amparou-se no preceito de que se a constituição não atender às expectativas da sociedade, deve ser mudada. Em seu argumento, assim como Rosa, deixou claro que a regra era outra, a regra, o que estava escrito, seria respeitar todas as instâncias a que qualquer réu tem direito, mas não, isso não é o que a população quer, então temos que mudar, pois esse não era o país que ele queria para seus filhos. Quem, que legislador deu esse poder de alterar a constituição a Barroso? Teria este jogado para a torcida? Teria este aceitado a obrigação de condenar para depois não ser acusado de ser traidor da pátria, defensor da corrupção? Teria este dito o que o povo queria escutar? É essa a posição que deve ter um ministro do STF? Marco Aurélio foi claro, sem a pompa e o vocabulário difícil que caracteriza alguns, disse que não se pode (ou poderia) punir antecipadamente um réu devido a que a justiça é lenta e que, consequentemente, não é capaz de prestar o serviço que a sociedade espera. Isto seria corrigir um erro com outro erro. Seria o juiz que compensa no futebol. Dá um pênalti que não foi, mas depois dá um também inexistente ao rival. Ao invés de um erro, são dois.

Quando do golpe que tirou Fernando Lugo do poder no Paraguai e questionada sobre sua possível queda, Dilma afirmou pomposamente: "O Brasil não é o Paraguai". Será? Somos tão diferentes?

A justa absolvição de Lula traria resultados negativos ao país? Sim. Daria vida ao "efeito Lula", ou seja, vários condenados em segunda instância entrariam com o mesmo recurso e sairiam vitoriosos. O que aconteceria depois? Apelariam todas as vezes permitidas pela constituição brasileira, a justiça não tem o hábito de ser rápida como foi ao julgar Lula, o tempo passaria, não haveria pessoas de camisa da seleção nas ruas pedindo o fim da impunidade e os crimes...prescreveriam. Seria este efeito negativo? Repito que sim. Um cidadão, seja ele tu, um de meus quatro leitores, eu ou o Lula deveríamos ser sacrificados, privados de nossos direitos constitucionais para "salvar a pátria"? É como a questão filosófica do trem desgovernado que vem em direção a uma família presa aos trilhos. Temos a chance de mover a palanca e fazê-lo ir por outros trilhos onde há apenas um homem preso aos trilhos? É ético fazer isso? É legal? Deveríamos deixar o trem passar por cima do Lula para evitar que outros criminosos sejam, talvez, condenados por seus crimes?

Comparemos a Maluf. A justiça tardou 60 anos para pegar um ladrão profissional que vinha saqueando os cofres públicos desde a época da ditadura. Maluf foi, então, preso. Aos 86 anos de idade. Ganhou prisão domiciliar por ser idoso e ter vários problemas de saúde. É justo? Segundo a constituição sim. A constituição deveria ser alterada? Talvez. Mas, enquanto isso não acontece, deveria ser cumprida. Fico feliz em ver Maluf em sua mansão? Não, mas é correto, é a lei que garante isso. Outra opinião minha muito criticada por pessoas próximas foi eu não estar de acordo com as algemas nas mãos e nos pés de Sérgio Cabral. Não era necessário. Ele não representava perigo naquele momento, foi show midiático, parte do script desse show hipócrita da luta contra a corrupção.

Mas Lula está preso. E o Temer? No meio da loucura midiática da prisão de Lula poucos deram bola a captura (por dois dias) de todos os seus amigões. O nome de Temer apareceu em listas de beneficiados de propinas de empresários do setor de portos, mas tudo passou. A corrupção no Brasil acabou, a esquerda acabou, a classe média de camisa do sonegador Neymar vai colocar na gaveta sua fantasia de indignado político que inclusive bloqueou estradas país afora para impedir o livre movimento de apoiadores de Lula no melhor estilo MST e estaremos em paz, como sempre estivemos, por 500 anos, deitados no berço esplêndido esperando uma eleição, sem questionar o questionável, sem se importar que a constituição vem sendo interpretada conforme o réu. Isso não importa. Os fins justificam os meios. Rasgando a constituição Lula vai para a cadeia? Então rasguemos.

Não fosse a pressão contra Lula tão seletiva, diria que foi o movimento popular mais fantástico desse país desde a redemocratização. Tirou-se do poder uma presidente e matou-se a principal ameaça aos bons costumes e ao galope brasileiro em rumo ao futuro brilhante. Mas, aqui retorno com a questão inicial? Por que só contra o Lula e contra o PT esse entusiasmo todo e essa mudança de atitude? Por que só Lula-Dilma e o PT foram capazes de fazer pessoas de bem saírem às ruas, invadirem os mais refinados lugares de nossas grandes cidades, com babás de uniforme em punho para pedir combate à corrupção e um melhor país. Por quê?

Lula-Dilma-PT fizeram governos em que o país cresceu economicamente quase até o final. Os verdes e amarelos não podem dizer que sofreram nas mãos do PT. Suas vidas seguiram iguais. "São comunistas!". Não, não são, jamais disseram ser. Se fossem, estaria eu nas ruas pedindo que desaparecessem, mas não eram. Nunca aumentou tanto o número de milionários nesse país, nunca os bancos lucraram tanto. Nunca os brasileiros gastaram tanto em Nova Iorque, Miami ou Paris O capitalismo fluiu sem ser importunado. Eike competia para ser o mais rico do mundo, Copa do Mundo, Olimpíadas, nada mais capitalista que o Brasil do PT, então...mais uma vez? Por que tanto ódio? Aqui algumas respostas que recebi quando fiz essa pergunta:

"Vendiam-se como sendo os únicos honestos". Os governos do PT não foram honestos. Houve corrupção como em todos os anteriores. Sarney foi acusado 700 vezes de corrupção envolvendo números muito maiores que os que correspondem ao valor de um apartamento de 250 metros quadrados tendenciosamente chamado de tríplex. Mas Sarney não é odiado; Maluf passou uma tarde preso, e está em casa comendo caviar. Calcula-se que desviou cerca de 120 milhões de dólares ao longo de sua pútrida vida pública que incluiu ser parte da ditadura militar. Mas não odeia-se o Maluf. Não há endereço mais pacífico que a casa dele nos Jardins. Não há bonecos infláveis. Os petistas sempre disseram ser os cavaleiros da honestidade? Sim. Mas os outros também. Temer diz isso todos os dias para aplausos orgásticos de seus 1% de apoiadores.

"Ele foi presidente e deve ser cobrado como tal". Ok, ocupou o cargo mais importante do país, mas será que isso o torna tão mais odiado que os demais? Sem contar que Sarney e Collor também foram presidentes e não gozam de tamanha ojeriza entre os verdes e amarelos e não têm memes do MBL.

Se formos racionais e admitirmos que Lula sim ganhou um apartamento e metamos no mesmo caso, embora sejam processos diferentes, o sítio de Atibaia, o valor do apartamento mais o sítio cabe em uma das malas que o Geddel tinha em seu apartamento na Bahia. Eram oito malas e sete caixas se não me falha a memória. Assim sendo, por que os cavaleiros dos bons costumes não odeiam Geddel-Temer com uma intensidade 15 vezes maior que detestam Lula e sua única mala?

A resposta está na melhor e mais correta frase de toda a vida pública de Lula:

"Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia". Lula é uma ideia. Detestável para muitos. Uma ideia que não coincide com a realidade de seus governos. Uma ideia que apaixona a seus defensores, mas que, repito, não é a realidade. Lula é o pai dos pobres para seus cegos defensores; para seus inimigos, Lula é um comunista comedor de criancinhas, mesmo quando, durante seu longo tempo no poder, de comunista só teve as cores de sua gravata engomada. Ama-se Lula pelo que ele não é, o homem mais honesto do Brasil, odeia-se Lula pelo que ele NAO representa. Odeia Lula, mais do que tudo, pois vendeu a ideia de que a esquerda jamais sairia do poder, gerou medo, a direita sentiu que jamais seria a mamadora principal das tetas nacionais.

Lula não é odiado. A ideia associada a ele sim. Lula paga o pato por ter optado, algum dia, de entrar num lugar onde jamais foi convidado, apesar de que a bagunça que fez, leia-se programas sociais, não chegou a causar derramamento de champanhe suficiente para estremecer os alicerces podres da política brasileira.