Aqueles poucos que leem os meus textos sabem que, quase sempre, os começo choramingando a falta de tempo para escrever. Constantemente, quando tenho o desprazer de conhecer novas pessoas, menciono “escrever” como uma das coisas que desfruto fazer. E desfruto de poucas coisas. Sou, como um amigo esbravejou dia desses, uma pessoa extremamente simples.
Não tenho uma bola de cristal, mas tal ferramenta não era necessária para prever o óbvio. Eu tinha certeza que esse episódio grotesco digno de republiquetas haitianas iria acontecer em um patético Brasil. O dia chegou e esse dia é, sem dúvidas, o mais enfadonho e desmoralizante da história tupiniquim. É a versao social/política do 1-7 de 2014 com a diferença de que, dessa vez, os sete gols sofridos foram contra.
Desde que o Brasil passou de ser um país criticado por ser despolitizado a ter se transformado num país onde ideologia política passou a angariar números recordes de torcedores tornando políticos seres mais queridos que amigos e familiares, tenho evitado discussões sobre o tema. É mais indicado discutir religião. É o mais saudável a fazer. No único grupo de whatsapp que faço parte, política jamais foi mencionada. Não é uma regra, senão um acordo tácito, de bom senso.
Mas o país tocou o fundo do poço e o fundo cedeu. O país, que sempre chafurdou em excrementos, parece ter começado a consumi-lo como sua única fonte de alimento. Esse novo hábito alimentar me fez abrir espaco em minha agenda para opiniar. E começo dizendo que, caso tivesse votado, não teria votado em nenhum dos dois candidatos que chegaram ao segundo turno. E, caso tivesse votado no segundo turno, provavelmente teria votado no candidato que saiu derrotado e não por considerá-lo o menos horroroso, senão para dar mais tempo a esse governo tentar apresentar o seu projeto para essa bagunça tropical sem ter uma pandemia para atrapalhar e/ou ser usada como desculpa para seus fracassos.
Poucas coisas são originais no Brasil. Desde a decadência da supremacia francesa ditando regras artísticas e sociais mundo afora, os Estados Unidos assumiram essa posição de líder. Desde então, o Brasil passou a copiar todo o lado negativo da cultura americana. Não copiou-se a democracia estável, considerando que no Brasil esta segue em perigo; não copiou-se a meritocracia, o estado enxuto, a livre iniciativa, a liberdade. No Brasil, gozam de um sucesso mais estável os reality shows do que a democracia, melhor dos sistemas políticos, nascido na Grécia antiga, mas consolidado e modernizado em uma nação jovem criada por visionários europeus.
O nível dos reality shows brazucas provavelmente é o mesmo dos originais americanos. Não tenho estômago para vê-los e poder, então, compará-los. A música popular moderna é, provavelmente também, do mesmo baixíssimo nível do que se produz nos Estados Unidos atualmente. Agora, o Trump brasileiro é uma versão ignóbil do original. O surgimento de Trump foi a maior revelação do mundo político dos últimos cem anos. Criou-se o político espetáculo, espetacular. Trump teve êxito e fez um governo com excelentes resultados. Como não poderia deixar de ser, o Brasil copiou. Nasceu Bolsonaro, personagem ainda mais bizarra que Trump, mas com menos de 1% da capacidade. Este cercou-se de alguns profissionais competentes e alguns débeis-mentais e produziu um governo que, a meu ver, é difícil de analisar pelo fator inédito da pandemia.
Assim como Trump, Bolsonaro começou a farejar a sua derrota no segundo turno e não teve que pensar muito. Novamente COPIOU o que Trump já havia feito com certo êxito: jogou sementes de dúvida em relação ao sistema eleitoral nacional em uma terra fértil devido ao excesso de estupidez, limitação intelectual e fanatismo que permeia nesses tristes trópicos. Bolsonaro, assim como Trump, questionou o sistema que, pasmem, o elegeu. Para escapar dessa saia justa, ambos afirmavam/afirmam que “teriam ganhado com mais margem” caso as eleições não tivessem sido corrompidas.
Depois da derrota no segundo turno, o PL, partido de Bolsonaro, acusou novamente o sistema eleitoral assim como marido traído que culpa o sofá. Vale lembrar que o PL foi o partido que mais elegeu deputados através de votos oriundos das mesmas urnas.
Perdão pelo meu pragmatismo. Sou assim. Sou, como me acusou um torcedor de Bolsonaro há bom tempo, um “isentão”. Para mim, se as urnas foram realmente manipuladas, nenhum poderia ter sido corroborado presidente. Incluindo o Bolsonaro em seu primeiro mandato. No entanto, infelizmente a lógica e o pragmatismo à hora de analisar a política nacional é algo do passado. Que saudades sinto daquela época em que os brasileiros se autoacusavam de serem despolitizados e desinteressados por política, que só queriam saber de futebol e carnaval. Que pena que isso não seja mais a realidade. Hoje impera a demência, a esquizofrenia política, a visão ideológica transformada em fanatismo cego por clube de futebol. Nasci em uma época em que já ninguém optaria por se sacrificar por conceitos tão ambíguos e distantes como “pátria”, “ideal”, “causa”. Cresci sabendo que essa mentalidade tinha morrido lá pelos anos 60-70. Minha juventude foi a geração do início do hedonismo que chegou a ser xiita antes do fenômeno político-torcedor. Hoje quem sai às ruas de amarelo jura morrer pela pátria. Do outro lado, quem sai às ruas de vermelho, jura morrrer para defender direitos de minorias super representadas e/ou causas estapafúrdias. Faltam isentões para lançar ao alto a ideia de que todas as ditaduras são grotescas, sejam os exemplos brasileiros e argentinos como os cubanos e norte-coreanos. Deturparam-se inclusive as definições de termos poderosos como “ditadura” e “genocida”. A turma doente de verde e amarelo pede a volta da ditadura, mas ao mesmo tempo afirma que nunca houve ditadura no Brasil. Pedem a volta dos que não foram e ignoram que ditadura significa um estado onde uma pessoa, ou um pequeno grupo de indivíduos, têm o poder. Exemplos: Médici e Fidel Castro. Os vermelhos, defensores de um ideal que faz chorar de emoção na teoria, mas que também faz chorar quando vivido na realidade, chamam o presidente escolhido pela maioria em seu país de genocida, pois muitas pessoas morreram durante uma pandemia que matou em todos os rincões do mundo fazendo vistas grossas à definição de “genocida” que é a eliminação de um grupo específico de pessoas pertencentes a uma raca e/ou etnia ignorando que a pandemia matou negros, brancos e pardos, bolsominios e lulistas.
Esses dois pesos e duas medidas também se manifestam em ocorrências como os bloqueios de rodovias causados por doentes mentais indignados pela derrota de Bolsonaro. Os mesmos participantes e apoiadores desses atos criticavam, com razão, os bloqueios causados por integrantes do MST ou os protestos repletos de vandalismos brindados pela esquerda em 2013 e 2017. Embora gritem “Brasil acima de tudo”, pouco se importaram com a ameaça de falta de alimentos, combustíveis, medicamentos e vacinas causadas por seus ataques de insanidade.
Talvez a grande mudança social que pode explicar um pouco esse fenômeno é a existência da internet/redes sociais. Em épocas pré-internet, buscava-se informação em diferentes meios. Hoje busca-se apenas confirmação em vez de informação. Há material lá fora confirmando ou negando qualquer fato, ideia, tema ou teoria. O Bolsominion doente vê vídeos de manifestações verde e amarelas de 100 mil pessoas e, com essa “prova”, jura de pé junto que são maioria, que não podem ser derrotados em qualquer eleição. Ao mesmo tempo em que comporta-se como um torcedor de estádio, ignora a obviedade de que a Arena do Grêmio pode estar lotada neste domingo e isso não quer dizer que todos os gaúchos sejam gremistas; no domingo que vem o Beira-Rio estará, também, lotado. Há dois lados. Há dois lados que partem o Brasil praticamente pela metade e isso ficou evidente nas eleições com a vitória apertada de Bolsonaro e com o mesmo acontecendo agora com Lula.
No entanto reina a indústria das fake news. O Brasil é, hoje, uma vergonha mundial. Foi derrotado por 1-7 mais uma vez. O “Brasil” acima de tudo” de Bolsonaro e companhia segue sendo uma cortina de fumaça. A esquerda fanática celebrava mortes durante a pandemia enquanto que os lunáticos verde e amarelos agora torcerão ferozmente pelo fracasso de Lula em seu terceiro mandato e começaram bem, destruindo e depredando o patrimônio desse Brasil que eles dizem estar acima de tudo. O Brasil segue perdendo chances e mais chances de consolidar-se como uma grande potência democrática latino-americana. Faz com que os cidadãos de mais de 40 anos como eu sintam falta do básico, do feijão com arroz que era o Lula e seus apoiadores aceitando as suas derrotas nas urnas. Faz que pessoas como eu se surpreendam com bastante atraso da pacifidade em que a esquerda aceitou o impeachment de Dilma ou da forma em que Haddad e seus apoiadores também aceitaram a derrota justa para Bolsonaro há quatro anos. Hoje, sem o básico, pessoas sadias mentalmente sentem saudades de tempos que, pelo que parece, não voltarão tão cedo. Saudades de quando não se gozava dos eleitores (e não torcedores) que tinham votado em candidatos derrotados e que apenas se conformavam em torcer para que os vencedores os surpreendam positivamente. Ao mesmo tempo em que os eleitores do candidato vencedor poderiam criticar o seu candidato caso esse cometesse erros. O normal hoje é utópico. Resta deboche, gozações de estádio de futebol e memes por parte dos boçais vencedores para com os reticentes perdedores.
Ao que tudo indica, o Brasil seguirá copiando apenas o que os americanos enviam por seu sistema de esgoto enquanto o que realmente consome são produtos enlatados haitianos e, por que não, cubanos. O futuro do Brasil é sempre arruinar a chance de se tornar um país do futuro. O Brasil consome Hollywood, mas arrota Mianmar e defeca ostracismo, atraso, bizarrices, macaquices e confirma o que sempre afirmei: os brasileiros não têm os políticos que merecem, pois estes, para chegarem ao nível de seus comandados, devem piorar um pouco mais.
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