sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Israel e Seus Vizinhos

 Dogmas são verdades universais, algo que não se discute, que não é aberto a interpretações. Para que alguma ideia possa ser considerada um dogma e considerando a pluralidade e democracia que existe no mundo ocidental, este processo deveria ser bastante árduo e discutido. Diria que os dogmas deveriam ser apenas fatos científicos comprovados. A Terra é uma esfera. Gira sobre seu próprio eixo e ao redor do sol. Talvez há um exagero e um excesso de flexibilidade de minha parte, mas esta deveria ser a tônica de nossa sociedade hipermoderna. 

 
No entanto cada vez mais temos novos “dogmas” e uso as aspas, pois vivemos na era em que dogmas são decretos que somos, como membros de uma sociedade, obrigados a concordar em suas condições para ser considerado como tal, mesmo que muitos podem pensar que a ideia vendida como verdade universal está parcialmente ou totalmente errada, ou insana. 
 
Cada pessoa pode se identificar com o que quiser? Há incontáveis tipos de gêneros? Homens e mulheres são iguais e têm as mesmas capacidades assim como todas as raças existentes? Apenas alguns exemplos de dogmas que sobrevivem como tal devido à defesa acirrada de sua posição dogmática pela esquizofrenia coletiva massiva que nos domina. 
 
Parte dessa massa esquizofrênica, a cada novo conflito envolvendo israelenses e árabes no Oriente Médio, esbraveja que todos devemos nos unir à defesa do povo palestino e execrar os ricos, impiedosos, genocidas e facínoras defensores do estado e da existência de Israel. Manifestações nas ruas das principais cidades europeias rapidamente copiadas em centros urbanos sul-americanos e em rincões mais distantes ao redor do mundo, incluindo estádios de futebol. O dogma é que devemos abraçar a causa dos injustiçados palestinos e crucificar Israel assim como eles fizeram com Jesus Cristo segundo algumas versões. 
 
O grito de guerra-clichê que mais tem ecoado nestes eventos massivos de revoltados de plantão é “do rio ao mar”. Aos menos informados sobre os bate-bocas do oriente medieval, o rio em questão é o Jordão e o mar é o Mediterrâneo. Entre esses dois depósitos de águas doces e salgadas se encontra o contestado estado chamado Israel. 
 
Por que o mundo árabe se inflama tanto com a resposta israelense à barbárie terrorista causada pelo movimento do Hamas que a União Europeia não aprovou que seja considerada um ato terrorista execrável? Os mais iludidos e prontos a se ofender dirão que é um ato de empatia de diferentes povos do mundo islâmico. Mexeu com um país islâmico, mexeu com todas as 30-40 repúblicas dominadas pela mesma doutrina mundo afora. 
 
Aqui começam as contradições. Sempre as há, mesmo quando se trata de nossos dogmas modernos. Assim como não houve protestos de negros contra a violência de negros contra negros e considerando que a raça que mais mata negros no mundo é a raça negra, ocorre o mesmo fenômeno com os muçulmanos. Desde o começo da já ultrapassada guerra na Síria, muçulmanos já mataram cerca de 350 mil muçulmanos; outros 250 mil muçulmanos assassinados por muçulmanos na guerra do Iêmen, conflito esse que, a maioria dos protestantes de plantão nem sabe que existe, ou, pior, sabe, mas ignora e o faz para não trair sua seletiva inflamada indignação. 
 
É aceitável que um negro mate um negro assim como é ok que um árabe mate um árabe. O crime inaceitável, inafiançável e que justifica a jihad é quando um branco mata um negro ou quando um judeu mata um árabe mesmo que esses crimes citados sejam a minoria. 
 
Paremos de nos enternecer com a irmandade muçulmana termo que, aliás, é nome de um dos tantos grupos terroristas criados e exportados pelo mundo árabe que, além de petróleo, não é que o digamos um grande exportador de avanços à humanidade. Não há irmandade entre um povo em que irmãos têm o direito de matar irmãs que “desonram” a família. Diferentes sub grupos de árabes se odeiam entre si. Há sunitas e shias. Ambos muçulmanos. Mas se odeiam. Arábia Saudita e Irã são inimigos mortais. E, trazendo a discussão para o momento em que vivemos, o Egito e a Jordânia, países vizinhos da Palestina, não vão muito com a cara de tal território. E, durante essa semana, soube-se que o ataque terrorista no Irã não foi cometido nem pelos israelenses nem pelos americanos e sim pelo Estado Islâmico. Em meio aos protestos contra os facínoras de Israel, além do grito que menciona o rio e o mar, outra questão que inflama o rebanho é por que Israel não deixa que entrem ajudas humanitárias ou que saiam os que querem sair. Israel apenas não permite que entrem ao seu território e acho que tem pelo menos 1400 motivos para tal decisão. Ninguém questiona por que o Egito não abre as fronteiras a seus “irmãos”. Como sempre os únicos que abrem suas portas e recebem os irmãos com cartazes de bem-vinda e hotéis pagos pelo estado são os países da União Europeia. Os muçulmanos têm mais reservas à hora de abrir suas fronteiras a muçulmanos.  
 
O que une os diferentes povos que compõem o mundo muçulmano não é a empatia pelo povo palestino. O que os “une” é o sentimento mais presente e forte dentro de sociedades dominadas e manipuladas por uma religião que prega a aniquilação de qualquer ser que pense ou que faça algo diferente ao que dita o livro sagrado do Corão: ódio. O mundo islâmico é movido pelo ódio e pelo ressentimento. Ódio ao povo que é considerado o causador de todos os seus problemas, Israel. 
 
Será que Israel, um território minúsculo no meio do deserto cercado por vizinhos que os querem mortos e que talvez seja o único país do Oriente Médio que não tem reservas de petróleo, será que realmente a simples existência desse estado que tem menos de 100 anos de vida é responsável pelo rotundo, vergonhoso e imenso fracasso de 30-40 repúblicas islâmicas? Será que estes 9 milhões de israelenses têm tanto poder maquiavélico para serem responsáveis pela desgraça de uma população de 2 bilhões de muçulmanos espalhados por suas repúblicas quase sempre fracassadas, embora tenham a bênção do petróleo? Pouco provável. O ódio mortal contra Israel não é fruto apenas de uma doutrinação baseada em histórias estapafúrdias contadas por lunáticos que vendem o povo judeu como se fosse a família de Lúcifer. Também não podem os assentamentos ilegais de judeus serem considerados a gênese desse rancor. O motivo é um sentimento bem humano e que atinge todos os seres humanos do planeta com diferente intensidade desde crianças a anciãos: inveja. 
 
O povo judeu foi, durante toda a história que conhecemos, perseguido. Migrou de um lado para o outro e, antes da criação de seu estado, teve sua população massacrada e, os que sobreviveram, foram obrigados a empreender uma diáspora moderna, já que se tornaram, mais uma vez, uma nação sem estado, sem território. Passado o trauma da guerra, foram convidados a voltar para o seu território, minúsculo, do tamanho de Sergipe, sem petróleo, no meio do deserto. Pouco tempo depois se tornou um estado com desenvolvimento comparável ao das grandes potências industrializadas europeias. Mesmo representando 0,2% da população mundial, os judeus são responsáveis por 22% dos prêmios Nobel; dia a dia acrescentam e muito ao avanço da tecnologia nas mais variadas áreas da sociedade. Enquanto isso, seus vizinhos, dominados pelo rancor, insanidade e por dogmas medievais, seguem ruminando e olhando com ódio e inveja ao vizinho rico que o único pecado que cometeu foi guiar-se pela lógica, trabalhar e evoluir, sendo, pela necessidade causada pela vizinhança problemática, obrigados a estar sempre um passo a frente para cuidar de sua própria segurança. 
 
Robert Scruton defendia a ideia de que o belo, em alguns casos, era um dogma. Poder-se-ia discutir se algo é mais belo que outro baseado no gosto e bagagem cultural de cada indivíduo, no entanto, algumas coisas não poderiam ser discutidas: Beethoven era melhor que Anitta. Monet pintava melhor que qualquer representante de arte moderna e suas pinturas que se assemelham a trabalhos coletivos em jardins de infância. Variações culturais e diferenças religiosas podem ser discutidas e permitir diferentes opiniões. Mas há limites. A religião muçulmana é retrógrada, bélica, rancorosa, medieval. Sou ateu e considero que a religião católica causou mais mal que bem à humanidade. Livros foram queimados em nome de Deus, assim como povos foram massacrados a pedido do pai de Jesus Cristo, entre outras barbáries. Não obstante, os seguidores de tal doutrina que ainda a seguem, fazem vistas grossas para algumas regras que ainda seguem vigentes. Há casos isolados de lunáticos, mas inexistem nações regidas por regras religiosas. O mundo ocidental católico é laico. A bíblia segue condenando homossexuais, mas o mundo ocidental cada vez os aceita mais, os aceita mais do que qualquer outra sociedade do planeta. Gays vão à igreja. E daí? Não se condena metade de sua população, mulheres, a uma vida desgraçada. Vende-se também o purgatório, o céu e o inferno, mas os ocidentais parecem não se importar muito. Filhos antes de casar ainda são pecados, mas...e daí? O mundo ocidental soube levar, soube dançar conforme a música. Há contradições? Sim, mas...e daí? Vivemos melhor que a maioria e soubemos respeitar cada vez mais as diferenças e as diferentes formas de vida, de viver e crenças. Evoluímos como sociedade e tanto evoluímos que aceitamos, através de migrações massivas, hordas de muçulmanos que abandonam seus países fracassados e invadem esse mundo ocidental tão pecador e detestável. Vão em busca de uma vida melhor, embora, em sua maioria, sigam vivendo com essa síndrome de vira-lata e cheios de rancor. Ao invés de odiar o que o mundo ocidental-católico construiu, deveriam copiar apenas um de seus frutos, o Iluminismo. Aprendam o que nós aprendemos no século XVIII para algum dia chegar a viver no século XXI. 

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Procuração para se ofender

O novo goleiro titular do Manchester United, Onana, falhou em uma saída de jogo no confronto por fase de grupos contra o Bayern. Como de costume, o Bayern não perdoou o erro do goleiro camaronês e fez o gol que abriu caminho para a vitória alemã. Onana assumiu publicamente sua culpa e se responsabilizou pela derrota.


Esta semana, depois de conseguir um gol suado contra o Copenhagen no Old Trafford, o United concedeu um pênalti que foi o último lance do jogo já que o árbitro avisou, antes da cobrança, que o jogo terminaria ali. Onana defendeu e foi o herói. Nas redes sociais, seu colega de time, Garnacho, lhe parabenizou e colocou dois emojis de gorilas. Onana respondeu e agradeceu as palavras do colega. Fim da história.

No dia seguinte, a federação inglesa de futebol abriu um expediente para investigar o ato racista de Garnacho. Onana rapidamente saiu a público dizendo que o gorila é um símbolo de forca e que essa foi a comparação que seu amigo fez, assim como frequentemente comparamos humanos a animais como touro, cavalo, porco, leão, tigre, etc. Onana terminou sua manifestação pública dizendo estas sábias palavras: ?as pessoas não podem escolher quando eu tenho que me sentir ofendido e muito menos se ofender por mim sem me consultar?.

Vivemos em um mundo tao distorcido e distante da normalidade que já coisas como essas passam batido. O ?normal? foi demonizado e busca-se a consolidação de um novo normal, sendo que apenas um setor da sociedade tem voz para decidir e definir a tal normalidade hiper-moderna. Há alguns anos atrás um grupo de feministas conseguiu a façanha de terminar com as ?grid girls?, aquelas mulheres que ficam de pé sorrindo ao lado dos carros de Fórmula 1. Segundo a líder do grupo, o trabalho denegria a figura da mulher que era, e aí vem o clichê de sempre, transformada em um produto. Rapidamente a representante de tais mulheres saiu a público ? sem muito espaço, é verdade ? dizer as mesmas palavras que anos mais tarde Onana repetiria em Manchester: ?não se ofendam por nós?. Segundo ela, todas as modelos adoravam seu trabalho eram bem remuneradas, viajavam por todo o mundo vivendo experiências que dificilmente conseguiriam viver com outro trabalho. Além disso, todas eram maiores de idade e estavam ali por opção.

Vivemos em uma era em que parece que existe um grupo de desocupados que passa todo o dia friccionando sua zona inguinal vendo vídeos sem parar e procurando motivos para se ofender, mesmo que a as partes envolvidas, nenhuma delas tenha se sentido ofendida. É o que chamo de VAR da ofensa. São verdadeiros profissionais que ganham a vida se ofendendo por terceiros. Onde parece haver nada de irregular, nem uma mao dentro da área, nem um ato racista ou homofóbico, lá está o VAR procurando pelo em ovo.

Há três grupos que são os mais populares quando o tema é se ofender por outros: minorias raciais, mulheres e homossexuais. Há poucos meses vivemos uma situação que ganhou notoriedade e espaço midiático jamais conseguido pelo esporte em questão que, depois de alguns vídeos e verdades terem circulado mundo afora, perdeu forca e se escondeu na penumbra. Ao comemorar o título de campeão do mundo de futebol feminino, Hermoso, jogadora espanhola, recebeu um beijo inesperado do presidente da federação. Não demorou muito para grupos feministas pedirem a caveira de Rubiales e se ofenderem pela jogadora que, dias depois, apareceu dando declarações públicas corroborando toda a ofensa já manifestada anteriormente pelos ofendidos profissionais de plantão. Hermoso aproveitou para manifestar seu sofrimento e inclusive afirmou estar sofrendo consequências psicológicas devido ao ocorrido. Totalmente entendível e é aceitável o quão fácil Hermoso se traumatiza, ironias à parte.

Semanas depois alguns vídeos produzidos pelas próprias jogadores vieram a público. Gravações de celulares mostravam a reação das jogadoras e de Hermoso falando sobre a alegria do título, mas também não deixando de abordar o famoso beijo de uma forma muito...divertida. No ônibus que transportou as jogadoras ao hotel, Hermoso mostrava imagens do beijo orgulhosa e de certa forma repreendendo algumas por terem perdido tal cena em meio às comemorações. Algumas, ainda no vestiário, falavam de um suposto casamento. Hermoso, ainda não ofendida e traumatizada, dizia que todas estavam convidadas para o matrimônio em Ibiza e, em seguida, todas gritavam em coro o nome de tal destino espanhol. Toda essa alegria pelo suposto romance e futuro casamento ruiu de um dia para o outro. O que um dia antes era motivo de brincadeiras, no outro dia se transformou em caras chorosas e reclamações de abuso. Entendo que Hermoso poderia ter se sentido ofendida pelo beijo, mas por que houve esse atraso em se ofender? Por que não evitou o beijo? Estava cercada por milhares de pessoas e ao vivo para toda a meia-dúzia de pessoas que assistiu a final. Por que fez brincadeiras com as amigas sobre o ósculo, algo tao repudiável e ofensivo? Por que mostrava orgulhosa o vídeo para àquelas que tinham perdido algo que certamente causou mais interesse midiático que o próprio torneio de futebol feminino? Não sei. Talvez Hermoso se deu conta, depois de ouvir as profissionais em se ofender, que deveria ela, como protagonista, também se ofender. Diferentemente de Onana, Hermoso aceitou que escolhessem com que ela deveria se ofender.

Por que os grupos feministas e ofendidistas não escolhem temas mais relevantes para ajudar, se ofender ou abrir os olhos daqueles que deveriam estar ofendidos, mas não estão? Realmente merece tanta dedicação protestar por pagamentos iguais a jogadores de futebol homens e mulheres passando por cima de uma lógica óbvia do livre mercado de oferta e demanda? O futebol masculino paga valores pornográficos a seus atletas pelo simples motivo de que produz tal capital que permite pagar tais salários. É o esporte mais visto e consumido do planeta. Ninguém vê futebol feminino exceto se for por obrigação para evitar mal estar social. No entanto, devem receber os mesmos valores. Embora não gerem nem 1% do que geram os varões. Mas deve ser assim porque sim. Clubes privados devem ser obrigados pelo estado a pagarem o mesmo que pagam a Messi para a melhor jogadora de futebol feminino, alguém que ninguém tem a mínima ideia de quem é. Nunca escutei de um jogador da segunda divisão do Congo pedir o mesmo salário do Messi. Certamente ele entende as regras do jogo/mercado. Por que não exigir que médicos e enfermeiros ganhem o mesmo? Políticos e professores? Insisto que se escolhem mal os temas para protestar.

E não é somente o tema e sim o público em questão. Por que ao invés de chorar por receber o mesmo que os homens, as atletas femininas não protestam pelo direito de mulheres iranianas irem a um estádio de futebol? Não digo nem que protestem para que joguem, simplesmente para que possam ir e ver um espetáculo sem serem condenadas a apedrejamento. Por que não protestar contra os mal tratos às mulheres no mundo islâmico? Por que não protestar pelo mutilação genital, ato comum na maioria das sociedades islâmicas? Por que não escolher os ?assassinatos por honra? em que os próprios familiares matam uma mulher que feriu a honra da família como motivo ? justo ? para protestar? Protestar por um beijo à senhorita Hermoso? Por favor, deem-me um tempo.

Escolhem-se caras. São dois pesos e duas medidas. Vende-se a ideia de que todo o mundo ocidental é racista e ignora-se que essa zona do mundo é a que melhor trata suas minorias raciais e homossexuais. Em Uganda, homossexualismo é crime. No mundo árabe, sao condenados à morte. Enquanto isso se proíbe alguém de apresentar um evento nos Estados Unidos porque, décadas atrás, este fez um comentário homofóbico. Não, ele não matou um homossexual, não apedrejou nem privou da liberdade: foi um comentário, uma piada de mal gosto ou de bom gosto, nada mais. O VAR da ofensa escolhe as caras. A dedo. É covarde. É como um bully numa escola. Nenhum bully vai atazanar a vida de um aluno mais velho ou mais forte. Sempre é alguém menor e mais frágil. Os bullies, assim como os membros da guarda imperial do VAR, sabem com que podem e não podem se meter. Que tal um protesto no centro de Riad a favor das mulheres sauditas? Ou uma marcha por Kabul? Melhor usar estas energias protestando por Hermoso, condenando o facínora Rubiales, deixando a família saudita ou Bashar Al Assad de lado e lutando pelos direitos de Alexia Putellas de, em vez de ter 5 milhões de dólares na sua conta, ter 600 milhões como Messi.

Ah, para quem não sabe, Putellas é a melhor jogadora do mundo feminino na atualidade. Obrigado Google porque acho tu és o único que sabia isso.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

República de Bananas

Aqueles poucos que leem os meus textos sabem que, quase sempre, os começo choramingando a falta de tempo para escrever. Constantemente, quando tenho o desprazer de conhecer novas pessoas, menciono “escrever” como uma das coisas que desfruto fazer. E desfruto de poucas coisas. Sou, como um amigo esbravejou dia desses, uma pessoa extremamente simples.


Não tenho uma bola de cristal, mas tal ferramenta não era necessária para prever o óbvio. Eu tinha certeza que esse episódio grotesco digno de republiquetas haitianas iria acontecer em um patético Brasil. O dia chegou e esse dia é, sem dúvidas, o mais enfadonho e desmoralizante da história tupiniquim. É a versao social/política do 1-7 de 2014 com a diferença de que, dessa vez, os sete gols sofridos foram contra.


Desde que o Brasil passou de ser um país criticado por ser despolitizado a ter se transformado num país onde ideologia política passou a angariar números recordes de torcedores tornando políticos seres mais queridos que amigos e familiares, tenho evitado discussões sobre o tema. É mais indicado discutir religião. É o mais saudável a fazer. No único grupo de whatsapp que faço parte, política jamais foi mencionada. Não é uma regra, senão um acordo tácito, de bom senso.


Mas o país tocou o fundo do poço e o fundo cedeu. O país, que sempre chafurdou em excrementos, parece ter começado a consumi-lo como sua única fonte de alimento. Esse novo hábito alimentar me fez abrir espaco em minha agenda para opiniar. E começo dizendo que, caso tivesse votado, não teria votado em nenhum dos dois candidatos que chegaram ao segundo turno. E, caso tivesse votado no segundo turno, provavelmente teria votado no candidato que saiu derrotado e não por considerá-lo o menos horroroso, senão para dar mais tempo a esse governo tentar apresentar o seu projeto para essa bagunça tropical sem ter uma pandemia para atrapalhar e/ou ser usada como desculpa para seus fracassos.


Poucas coisas são originais no Brasil. Desde a decadência da supremacia francesa ditando regras artísticas e sociais mundo afora, os Estados Unidos assumiram essa posição de líder. Desde então, o Brasil passou a copiar todo o lado negativo da cultura americana. Não copiou-se a democracia estável, considerando que no Brasil esta segue em perigo; não copiou-se a meritocracia, o estado enxuto, a livre iniciativa, a liberdade. No Brasil, gozam de um sucesso mais estável os reality shows do que a democracia, melhor dos sistemas políticos, nascido na Grécia antiga, mas consolidado e modernizado em uma nação jovem criada por visionários europeus.


O nível dos reality shows brazucas provavelmente é o mesmo dos originais americanos. Não tenho estômago para vê-los e poder, então, compará-los. A música popular moderna é, provavelmente também, do mesmo baixíssimo nível do que se produz nos Estados Unidos atualmente. Agora, o Trump brasileiro é uma versão ignóbil do original. O surgimento de Trump foi a maior revelação do mundo político dos últimos cem anos. Criou-se o político espetáculo, espetacular. Trump teve êxito e fez um governo com excelentes resultados. Como não poderia deixar de ser, o Brasil copiou. Nasceu Bolsonaro, personagem ainda mais bizarra que Trump, mas com menos de 1% da capacidade. Este cercou-se de alguns profissionais competentes e alguns débeis-mentais e produziu um governo que, a meu ver, é difícil de analisar pelo fator inédito da pandemia.


Assim como Trump, Bolsonaro começou a farejar a sua derrota no segundo turno e não teve que pensar muito. Novamente COPIOU o que Trump já havia feito com certo êxito: jogou sementes de dúvida em relação ao sistema eleitoral nacional em uma terra fértil devido ao excesso de estupidez, limitação intelectual e fanatismo que permeia nesses tristes trópicos. Bolsonaro, assim como Trump, questionou o sistema que, pasmem, o elegeu. Para escapar dessa saia justa, ambos afirmavam/afirmam que “teriam ganhado com mais margem” caso as eleições não tivessem sido corrompidas.


Depois da derrota no segundo turno, o PL, partido de Bolsonaro, acusou novamente o sistema eleitoral assim como marido traído que culpa o sofá. Vale lembrar que o PL foi o partido que mais elegeu deputados através de votos oriundos das mesmas urnas.


Perdão pelo meu pragmatismo. Sou assim. Sou, como me acusou um torcedor de Bolsonaro há bom tempo, um “isentão”. Para mim, se as urnas foram realmente manipuladas, nenhum poderia ter sido corroborado presidente. Incluindo o Bolsonaro em seu primeiro mandato. No entanto, infelizmente a lógica e o pragmatismo à hora de analisar a política nacional é algo do passado. Que saudades sinto daquela época em que os brasileiros se autoacusavam de serem despolitizados e desinteressados por política, que só queriam saber de futebol e carnaval. Que pena que isso não seja mais a realidade. Hoje impera a demência, a esquizofrenia política, a visão ideológica transformada em fanatismo cego por clube de futebol. Nasci em uma época em que já ninguém optaria por se sacrificar por conceitos tão ambíguos e distantes como “pátria”, “ideal”, “causa”. Cresci sabendo que essa mentalidade tinha morrido lá pelos anos 60-70. Minha juventude foi a geração do início do hedonismo que chegou a ser xiita antes do fenômeno político-torcedor. Hoje quem sai às ruas de amarelo jura morrer pela pátria. Do outro lado, quem sai às ruas de vermelho, jura morrrer para defender direitos de minorias super representadas e/ou causas estapafúrdias. Faltam isentões para lançar ao alto a ideia de que todas as ditaduras são grotescas, sejam os exemplos brasileiros e argentinos como os cubanos e norte-coreanos. Deturparam-se inclusive as definições de termos poderosos como “ditadura” e “genocida”. A turma doente de verde e amarelo pede a volta da ditadura, mas ao mesmo tempo afirma que nunca houve ditadura no Brasil. Pedem a volta dos que não foram e ignoram que ditadura significa um estado onde uma pessoa, ou um pequeno grupo de indivíduos, têm o poder. Exemplos: Médici e Fidel Castro. Os vermelhos, defensores de um ideal que faz chorar de emoção na teoria, mas que também faz chorar quando vivido na realidade, chamam o presidente escolhido pela maioria em seu país de genocida, pois muitas pessoas morreram durante uma pandemia que matou em todos os rincões do mundo fazendo vistas grossas à definição de “genocida” que é a eliminação de um grupo específico de pessoas pertencentes a uma raca e/ou etnia ignorando que a pandemia matou negros, brancos e pardos, bolsominios e lulistas.


Esses dois pesos e duas medidas também se manifestam em ocorrências como os bloqueios de rodovias causados por doentes mentais indignados pela derrota de Bolsonaro. Os mesmos participantes e apoiadores desses atos criticavam, com razão, os bloqueios causados por integrantes do MST ou os protestos repletos de vandalismos brindados pela esquerda em 2013 e 2017. Embora gritem “Brasil acima de tudo”, pouco se importaram com a ameaça de falta de alimentos, combustíveis, medicamentos e vacinas causadas por seus ataques de insanidade.


Talvez a grande mudança social que pode explicar um pouco esse fenômeno é a existência da internet/redes sociais. Em épocas pré-internet, buscava-se informação em diferentes meios. Hoje busca-se apenas confirmação em vez de informação. Há material lá fora confirmando ou negando qualquer fato, ideia, tema ou teoria. O Bolsominion doente vê vídeos de manifestações verde e amarelas de 100 mil pessoas e, com essa “prova”, jura de pé junto que são maioria, que não podem ser derrotados em qualquer eleição. Ao mesmo tempo em que comporta-se como um torcedor de estádio, ignora a obviedade de que a Arena do Grêmio pode estar lotada neste domingo e isso não quer dizer que todos os gaúchos sejam gremistas; no domingo que vem o Beira-Rio estará, também, lotado. Há dois lados. Há dois lados que partem o Brasil praticamente pela metade e isso ficou evidente nas eleições com a vitória apertada de Bolsonaro e com o mesmo acontecendo agora com Lula.


No entanto reina a indústria das fake news. O Brasil é, hoje, uma vergonha mundial. Foi derrotado por 1-7 mais uma vez. O “Brasil” acima de tudo” de Bolsonaro e companhia segue sendo uma cortina de fumaça. A esquerda fanática celebrava mortes durante a pandemia enquanto que os lunáticos verde e amarelos agora torcerão ferozmente pelo fracasso de Lula em seu terceiro mandato e começaram bem, destruindo e depredando o patrimônio desse Brasil que eles dizem estar acima de tudo. O Brasil segue perdendo chances e mais chances de consolidar-se como uma grande potência democrática latino-americana. Faz com que os cidadãos de mais de 40 anos como eu sintam falta do básico, do feijão com arroz que era o Lula e seus apoiadores aceitando as suas derrotas nas urnas. Faz que pessoas como eu se surpreendam com bastante atraso da pacifidade em que a esquerda aceitou o impeachment de Dilma ou da forma em que Haddad e seus apoiadores também aceitaram a derrota justa para Bolsonaro há quatro anos. Hoje, sem o básico, pessoas sadias mentalmente sentem saudades de tempos que, pelo que parece, não voltarão tão cedo. Saudades de quando não se gozava dos eleitores (e não torcedores) que tinham votado em candidatos derrotados e que apenas se conformavam em torcer para que os vencedores os surpreendam positivamente. Ao mesmo tempo em que os eleitores do candidato vencedor poderiam criticar o seu candidato caso esse cometesse erros. O normal hoje é utópico. Resta deboche, gozações de estádio de futebol e memes por parte dos boçais vencedores para com os reticentes perdedores.


Ao que tudo indica, o Brasil seguirá copiando apenas o que os americanos enviam por seu sistema de esgoto enquanto o que realmente consome são produtos enlatados haitianos e, por que não, cubanos. O futuro do Brasil é sempre arruinar a chance de se tornar um país do futuro. O Brasil consome Hollywood, mas arrota Mianmar e defeca ostracismo, atraso, bizarrices, macaquices e confirma o que sempre afirmei: os brasileiros não têm os políticos que merecem, pois estes, para chegarem ao nível de seus comandados, devem piorar um pouco mais.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A história é cíclica

 “A história é cíclica”. Esta é uma dessas frases que não sabemos a autoria, mas que de certa forma gera a concordância da grande maioria das pessoas. Na Idade Média, por exemplo, em uma era de muito mais sacrifício que de busca pelo prazer, era comum o orgulho de morrer por algo, por alguma coisa. As Cruzadas levavam legiões de combatentes a terras exóticas para lutar e, talvez, morrer, com o objetivo de espraiar o cristianismo em regiões pagãs.

 

Na Idade Antiga os grandes navegadores colocavam-se em projetos expedicionários que enfrentavam as águas mais desconhecidas e/ou agressivas de um planeta que nem se conhecia ainda tão bem em nome da glória de desbravar novos territórios.

 

De uns anos para cá, morrer pela pátria ou por uma causa, seja ela qual for, tornou-se fora de moda, visto como algo forçado ou até mesmo brega. No entanto, o renascimento do nacionalismo em alguns rincões do planeta trouxe de volta esse chavão desgastado de sacrificar-se por algo abstrato como por exemplo a pátria. Junto a esse exagero de devoção por nações, após décadas de uma desenfreada busca esquizofrênica pelo prazer, outros movimentos surgiram, movimentos estes de pouca ou nenhuma representatividade em períodos anteriores da história humana.

 

Há aqueles que dizem darem suas vidas pela causa ambiental; há outros que se sacrificariam pela defesa de minorias e, entre todos estes exemplos, há a defesa pelo direito da mulher ao aborto. “Nada na minha vida é mais importante que essa causa”, disse uma manifestante pró-aborto em manifestação em Washington após o fim da lei Roe vs Wade. Esta declaração inflamada por parte de uma mulher, mãe de uma menina de 16 anos e que viajou 4 mil quilômetros para estar presente em tal evento me fez parar um pouco e dedicar a escrever algo a respeito.

 

A falta de tempo me impede de escrever. Ultimamente, somente quando o nível de barbárie passa do limite sou obrigado a reservar uma madrugada para dar uma opinião. E esse é um caso. Estamos falando de uma pessoa, ou melhor dito, milhares de pessoas que consideram que impedir bebês de nascerem é a causa que mais merece seu tempo, energia e dedicação. Há aqueles que dedicam suas vidas à causa animal. Juram que gatos, cachorros e peixes betas são seus filhos e consideram estes mais importantes que seres humanos, incluindo crianças. São, obviamente, públicos que, de certa forma se conectam. Raivosamente esbravejam sua fúria contra a castração de animais de rua ou até mesmo o sacrifício desses. São seres vivos e merecem viver até porque não podem escolher viver ou morrer, não se comunicam.

 

Agora, quando o tema são bebês humanos que tampouco podem escolher viver ou morrer e tampouco podem se comunicar, aqui esse mesmo público (em sua maioria, não todos obviamente) junto a outros tantos defensores da tal autonomia das mulheres em relação aos seus próprios corpos, não cansa de se manifestar a favor do sacrifício de inocentes bebês que jamais poderão nascer.

 

Ter o direito ao aborto somente em caso de estupro ou de risco de vida da mãe não é suficiente. As mulheres, donas de seus corpos, deveriam poder abortar quando lhes pareça pertinente. Isso seria, na visão de tais militantes, o mais responsável e adequado. As justificativas para a defesa do aborto, além da vazia propriedade de seu próprio corpo, oscilam entre poder escolher, não ter o desejo de ser mãe, falta de tempo, falta de recursos e por aí vai. Ora, do alto de minha ignorância/ingenuidade me pergunto e pergunto a todas essas raivosas defensoras do aborto: não seria mais fácil simplesmente não engravidar? Foram todas estas mulheres que lutam pelo direito a abortar vítimas de estupros? Há alguém, com mais de 14 anos que ainda não saiba quais são os métodos para evitar uma gravidez não desejada?

 

A sociedade funciona através de direitos e deveres. Nenhuma mulher é obrigada a procriar e nenhuma é proibida de ter uma vida sexual ativa. No entanto, também existem deveres. Há o direito ao sexo livre, mas também existe o dever de dar a oportunidade de uma vida viver. Seguindo esse ciclo, também existe o direito de não ser mãe de seu próprio filho. Há alternativas. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem cerca de 36 famílias que querem adotar por cada criança dada em adoção. A flexibilização de nossos deveres como cidadãos é tamanha que apenas seria o dever de uma mulher irresponsável carregar um bebê por nove meses em seu ventre, nada mais. Depois, se não quiser, o estado toma conta da nova vida e, consequentemente, faz com que um casal frustrado por não poder ter filhos, seja feliz.

 

Sempre me chamou a atenção a intensidade dessas manifestações pró-aborto. Nunca uma ideia parece ser suficiente. Dá a impressão de que, caso o aborto fosse permitido até o nono mês de gestação, essas iludidas, enganadas ou doentes que tanta energia dedicam a interrupções de gestações seguiriam amargas e pedindo mais, talvez, por que não, o aborto até o sexto ano de vida de uma criança. Ou até os 18. O bebê nasce, começa-se a criar e, depois de tantas dificuldades com a lida diária de ser mãe decide-se que não, não era o tipo de vida que queriam e pedem autorização para eliminar a pobre criatura da face da Terra.

 

Os slogans que aparecem são sempre bastante contraditórios. O movimento feminista argentino “Pañuelos Verdes” conta com o slogan “Mi cuerpo, mi decisión”. Não poderia estar mais de acordo. Não querem ter filhos, usem métodos anticoncepcionais. São direitos garantidos a todas as mulheres argentinas há décadas. O que torna minha análise simplista de uma problemática bastante simples de solucionar (repito, há inúmeros métodos anticoncepcionais distribuídos gratuitamente em quase todos os países) em algo não tão óbvio, é a sensação pós-moderna de apenas buscar o prazer e desfrutar de seus direitos ignorando a existência de deveres. Todas querem gozar de conquistas femininas como a liberdade sexual. Excelente. No entanto, há o “dever” de se cuidar. Sendo assim, refaço a causa desses movimentos. Não se luta pelo aborto. Luta-se pelo direito de gozar de uma vida sexual livre sem o uso de métodos concepcionais que tornariam a prática sexual quase 100% segura e que, se alguma gravidez indesejada ocorrer também deveria existir o direito de abortar. Deveres? Nenhum. Em bom português é uma causa de uma geração frágil e mimada.

 

O autor do texto é um homem, não pode entender realmente o que passa nas cabeças das mulheres. Estas dizem que quem realmente criam os filhos são as mulheres, pois muitos homens simplesmente são pais ausentes, fogem ou, em casos extremos, nem sequer reconhecem a paternidade. Tudo verdade. Não há argumento melhor contra a psicose coletiva reinante de que somos todos iguais, que os gêneros são uma imposição social. Isso pode e realmente acontece. O problema dessa ocorrência é que nada mais pode ser feito para evitar que aconteça. O estado já criou leis que visam proteger as mulheres vítimas de pais descarados. No Brasil, por exemplo, um dos poucos crimes inafiançáveis é o não pagamento de pensão alimentar. Um assassino pode ter sua pele salva através de uma fiança enquanto um pai desnaturado não deveria ter saída. O problema é que toda lei tem suas limitações. É proibido matar na grande maioria dos casos. A existência dessa lei impede a existência de assassinatos? Obviamente não. Mesma coisa com a proteção às mães. Há leis que as resguardam, mas sempre existirá a chance de que terminem mães solteiras. Há nada mais que se possa fazer. Apesar de que vivemos em uma era em que se relativiza fatos biológicos como a existência de apenas dois gêneros, ainda acho que a grande maioria das pessoas pensa que homens não engravidam e, sendo assim, resta exigir que o estado faça a sua parte e puna aqueles pais que, como muitas feministas, pensem somente nos seus direitos e não nos seus deveres ainda mais em uma situação em que o dever nasce de um direito.

 

Nunca vi homens protestando por ser o único gênero que sofre de câncer de próstata e esperaria, em uma sociedade minimamente normal que eu não viva para ver mulheres protestando por ser o único gênero que engravida. Aceitemos a natureza ou, para aqueles que protestar é um hobbie, protestem contra Deus, contra o Big Bang ou contra a evolução das espéci

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Charlie Watts




 

Não vou mentir ao dizer que lembro da primeira vez que ouvi os Rolling Stones tocar. Não lembro. Meus pais sempre foram grandes fãs da banda o que me faz pensar que devo ter escutado desde os primórdios de meus meses fetais. Meu pragmatismo me impede crer que isso possa ter influenciado minha admiração vindoura, mas, após abandonar o conforto uterino e chegar a uma idade em que música poderia ser escutada e não somente ouvida, comecei a gostar. Uma vez mais não vou poetizar a história e dizer que me apaixonei pela banda em minhas mais púberes idades. Gostava apenas.

 

Na pré-adolescência comecei a realmente gostar da arte música. Outra vez: os Rolling Stones não eram os meus favoritos apesar de que estavam incluídos entre os primeiros CD’s que ganhei/comprei. Meu pai dizia que estes eram os melhores e fazia vista grossa a bandas mais contemporâneas. Eu apenas respeitava e discordava em um silêncio de altos decibéis e de frenéticos solos de guitarras de bandas mais pesadas como Metallica e Iron Maiden, os meus xodós da idade escolar. Relaciono, aqui sentado, idade a gosto musical. Com limites, obviamente. O excesso de energia, rebeldia, revolta, ânsia de questionar e de chamar a atenção, são características que talvez tenham feito que o jovem Eduardo se inclinasse pelas bandas que abrigavam em seu colo tais características. Vale ressaltar que sigo idolatrando estas e outras bandas de som mais agressivo, mas estas deixaram de ser as minhas favoritas. Digo, em uma espécie de “sincericídio”, que a perda de energia causada pela idade é diretamente proporcional ao número de acordes por segundo dos guitarristas de nossas bandas favoritas o que também inclui a velocidade em que os bateristas manejam suas baquetas.

 

Nos primórdios de minha vida universitária comecei a me dar conta de que as audazes certezas infanto-juvenis não eram reais. Todo juvenil jura que seus gostos, ideias e ideais jamais mudarão, que são dogmas rochosos; pois eu, como todo mundo, mudei. A energia foi se esvaziando, mais paciência foi ganhando espaço, visão de mundo foi se modificando e comecei a diminuir o número de acordes de minhas guitarras. O avanço da internet que permitia que pudéssemos escutar tudo e todos sem depender da já decadente MTV, também foi um fator. Ouvi álbuns inteiros dos Rolling Stones, diferentes aos que eu tinha. Álbuns mais antigos dos que eu tinha. E certa feita escutei “Let it Bleed” que, para mim, é um dos melhores da história da banda. A partir desse momento, os Rolling Stones começaram o lento processo de chegar, com paciência típica de senhores de então uns 60 anos, ao topo de minha bastante exigente pirâmide musical. A última banda que ficou pelo caminho foi The Doors. Chegaram ao topo. Com calma. Se eu fosse uma pessoa egocêntrica, diria que esta é uma grande conquista dos Stones: conquistar a alcunha de banda favorita de um jovem universitário depois de mais ou menos 45 anos de carreira. Sou difícil de ser conquistado.

A novidade do Youtube permitiu vê-los “ao vivo”. Cansei de ver fascinantes performances da banda nas mais variadas décadas de sua existência. Aprendi a adorar cada membro e começou aquele não-planejado sentimento de conhecer não só os membros da banda, mas as pessoas. Fui morar na Inglaterra e um de meus objetivos era vê-los ao vivo. Não foi possível pelas mais distintas razões. Somente consegui estar em um de seus shows pela primeira vez em Bogotá, há pouco mais de cinco anos atrás. Desde o momento que a banda invadiu o palco ao som de Jumpin’ Jack Flash minha relação com a banda foi fortemente modificada, algo que não considerava possível de acontecer. Algumas lágrimas, para a minha surpresa, escaparam languidamente de meus olhos. Ver os Stones ao vivo foi, sem dúvidas, a maior experiência artística da minha vida. Lembro de ter perguntado para o Lucky, que já os tinha visto em Porto Alegre antes de eles chegarem a Bogotá, se eles ainda conseguiam oferecer um show respeitando o significado de tal palavra e considerando as idades avançadas de seus membros. A resposta tinha sido “eles são demais, o show é fantástico”. E sim, ver a maior banda de todos os tempos ao vivo, contrariando leis da física, do bom senso e da natureza, é fantástico, foi fantástico.

Anos depois, a banda anunciou uma nova turnê pelos Estados Unidos. Como quem não queria nada, fui averiguar as datas. O show em Miami, há menos de três horas e meia de voo daqui, cairia na Semana Santa que eu teria livre na universidade. Pensei em ir e minha esposa me convenceu em dois minutos. Não tenho uma esposa normal que diria que era um desperdício de dinheiro e energias. Ela tinha mais certezas que eu. Comprei passagem e ingresso. Veio a cirurgia de Mick Jagger e toda a turnê foi adiada. Para agosto. Troquei a passagem. O show seria num sábado e eu viajaria na sexta e retornaria no domingo. Em uma tarde, caminhando pelo campus, recebo um e-mail: a data do show havia – novamente – sido modificada. Sentei-me, abri o e-mail e li calmamente: ao invés de ser no sábado, seria na sexta. Felizmente o meu voo era vespertino e o show noturno. Fui do aeroporto diretamente para o estádio e vi, não somente os Stones novamente na minha frente, mas a última apresentação de Charlie Watts com a banda e, consequentemente, a última vez que os quatro Stones tocaram juntos. Quis o destino. A fortuna que gastei e a energia valeram cada centavo/gota de suor.

Quando os Rolling Stones eram apenas uma banda para mim, assim como a grande maioria, tinha a Mick Jagger e Keith Richards como meus favoritos. Desde que esses quatro velhotes passaram a ser mais do que membros dos Rolling Stones para mim, Charlie passou a ser meu favorito. Certa feita minha esposa me disse que minha vida em nada se modificaria se amanhã eu passasse a ser o homem mais rico do mundo. Eu a corrigi adicionando a palavra “quase” antes de nada. Charlie Watts não era o homem mais rico do mundo, mas possuía fortuna infindável e era um rolling stone. No entanto, Charlie sempre se sentiu um ser comum. Não critico as vidas lascivas, excêntricas, cheias de excesso e de procriação desenfreada dos demais membros do grupo. Defendo a teoria de que algumas pessoas, por razões que seriam contraditórias de explicar, têm certos direitos que nós, mortais, não temos. Aceito que Mick Jagger possa fazer coisas que eu não poderia fazer. São seres especiais. Charlie poderia ser dessa casta, mas, usando suas próprias palavras, era apenas um cara que tocava música.

Charlie Watts foi um rolling stone casado desde os primeiros anos da banda com a mesma mulher até a sua morte. Teve uma filha apenas e dentro do casamento. Dizia ter quatro carros antigos que não dirigia nunca. Era o caricato exemplo do baterista: sempre atrás com poucas luzes em cima de si. Charlie era um baterista genial sem jamais ser protagonista. Ginger Baker, John Bonham, ambos mostravam sua exuberante qualidade em solos e, de certa forma, arrastavam os holofotes para a zona opaca onde as baterias se encontram, lá no fundo, iluminada por uma lânguida fagulha de luz morfética. Charlie não precisava de solos. Charlie era o jogador que joga para o time. O Makélélé dos “galácticos” do Real Madrid. Manejava brilhantemente o ritmo cardíaco de outros três velhos que já também cada vez estão mais íntimos do pórtico dos octogenários. Charlie era o perfeito gentleman inglês. Entre tantas histórias, certa vez passou longo tempo brabo com os demais membros, pois estes tiveram a ideia de tocar vestidos com roupas em farrapos. Charlie, acostumado a ternos impecáveis e até a cartolas de lorde, disse ter se sentido mal durante todo o show e que não via a hora de que acabasse.

Arriscaria a dizer que Honky Tonk Women é sua melhor performance e até, com pedido de perdão antecipado, diria que, em Gimme Shelter, o pacato Charlie clama um pouco por mais atenção.

Independentemente do gosto de cada um, considero impossível, pela trajetória e pela incrível atualidade, que os Rolling Stones não sejam considerados os maiores artistas da história contemporânea. Mais de 50 anos de carreira e uma sobrevivência a todas as mudanças que nosso planeta e sociedade sofreu durante todas essas décadas.

Tristemente, somente a morte tem me feito dedicar o meu pouco tempo a escrever. Bebês também nasceram nesses últimos tempos, mas, por algum motivo, a morte para mim é algo mais inspirador para a escrita. Quem morreu viveu e dá mais argumentos para serem postos em um papel virtual. A morte de Charlie e o iminente fim de um patrimônio vivente da humanidade gera essa sensação de fim de ciclo, fim de época, fim de era. A partida de Charlie, assim como a de Maradona, confirmam a óbvia impossibilidade de driblar a morte, seja com a perna esquerda ou com duas baquetas localizadas atrás de outros três rolling stones. Tudo perece. Infelizmente de tempos em tempos temos a confirmação da inexistência do infinito, do imortal.

“Se seguirmos poluindo o planeta dessa forma...que mundo deixaremos aos Rolling Stones?”

“No caso de uma nova bomba nuclear, só sobreviverão baratas e os Rolling Stones.”

Infelizmente são apenas piadas que já, infelizmente, vão perdendo a graça devido à crua fragilidade do ser humano. Descanse em paz, Sir Charlie Watts e torne o lugar para onde foste um recinto mais elegante e humilde, comprovando que esses dois adjetivos podem conviver. Charlie sempre foi elegante e humilde e será, eternamente, um rolling stone.

 

 

sábado, 8 de maio de 2021

A Dinda

Seguidamente alunos me perguntam que eu gosto de fazer no meu tempo livre, ainda mais agora em épocas pandêmicas em que passamos períodos mais longos em casa e economizamos tempo que perdíamos deslocando-nos de um lado a outro. Eu gosto de ver futebol, ver filmes, ler. E escrever. Vejo facilmente mais de dez jogos em uma semana. No entanto, escrevo raramente. Escrever exige tempo, concentração, silêncio. E, cada vez tenho menos tempo e, quando tenho, o cansaço é tão grande que acabo optando por tarefas mais passivas e com menos exigências.

É triste, mas, as últimas vezes que me obriguei a encontrar tempo e forças para ligar um computador que já está cansado de meu rosto já que passamos cerca de 15 horas nos olhando um a outro, é devido a mortes, mortes estas de pessoas queridas, muito queridas, não somente por mim, mas muitos outros.

A loucura que vivemos faz com que comentários livres de maldade como “hoje só morreram 1542 pessoas” sejam encarados como corretos. O que talvez a rapidez do dia a dia não nos deixe perceber é que UMA pessoa é muito. Porque essa UMA pessoa significa mais do que possamos imaginar a outras várias pessoas. Outro comentário frequente e proferido com certa tranquilidade por quem os faz é que “a pandemia mata só os mais velhos”. As pessoas que fazem esse comentário não têm maldade, não os recrimino em absoluto. Evidentemente que seria pior, pela lei natural da vida, que as crianças fossem as mais afetadas por uma pandemia em vez dos mais experientes. É lógico. No entanto, sempre, desde criança, tive uma enorme química com os anciões e muito desse carinho foi devido, claro, à incomparável convivência com meus avós e com os veteranos que os rodeavam e que, por lógica, também estavam à minha volta.

Morreu a Dinda. Dinda de quem? deve estar perguntando algum leitor com menos intimidade com a minha família. Pois morreu a Dinda de todos. A Dinda era chamada de “dinda” pelos seus afilhados que, honestamente, não sei quantos e muito menos quem foram, são. No entanto, o carinhoso apelido não se limitava a esses privilegiados: muitos a tinham como a sua dinda, a Dinda de todos.

A morte da Dinda foi mais um golpe duro de uma época nefasta. Com a Dinda, minha vó, o tio Ayrton e uma época também morreram um pouco mais. Sinto que os dois citados, seus irmãos, morreram um pouco mais para mim. Infelizmente. Não consegui ver a Dinda depois da morte da minha vó, mas tenho certeza de que vê-la seria de certa forma avivar as lembranças e “ressuscitar” um pouco a dona Beatriz. Assim era quando estava com as duas em relação ao saudoso tio Ayrton, pessoa que sinto muita falta e que sentia um enorme carinho. Ele voltava quando era citado e quando tinha histórias contadas em que ele foi protagonista. Pois essa velha guarda morreu ainda mais com a partida do último estandarte.

É impossível desassociar a figura da Dinda de seus dois irmãos. Sempre considerei a Dinda a figura rara do trio. A vó e o tio Ayrton eram os mais geniosos, de pouca abertura, não mostravam os dentes para qualquer um. Era um privilégio ter sido tão querido pelo tio Ayrton como fui eu e meu irmão. A Dinda, ao mesmo tempo em que era parte desse time inseparável que, se fecho os olhos, os vejo, lado a lado, caminhando no calçadão de Ipanema, era a figura estranha, a diferente, a popular, a dinda de todos, a boêmia, a sem qualquer tipo de preconceitos, a que, creio, jamais se irritou em toda a sua vida, pelo menos jamais presenciei tal evento, a que mostrava os dentes para qualquer um, a que jamais ouvi falar mal de outra pessoa, a que jamais vi reclamar de qualquer evento negativo que lhe aconteceu e estes foram vários. A Dinda era um ser simplesmente diferente.

Memórias não faltam. Agradeço ter tido o prazer de aprender a ser melhor com ela e o fiz sem jamais ter escutado um sermão da Dinda, sem jamais ter tido uma conversa séria com ela. Aprendi a ser melhor simplesmente ao sentar-me com ela na sala enquanto esta tomava um café. Um olhar, o sorriso constante, o amor que esbanjava a qualquer momento.

Com a Dinda acampei, fui à praia, me levou até para um grupo escoteiro, mas o que mais valorizo e que sentirei falta foram os mundanos momentos de vê-la chegar na casa de Ipanema, entrar, beijar todo mundo e simplesmente iluminar o ambiente com sua personalidade ímpar.

Adoraria acreditar que de outro lado ela se encontrará com seus irmãos. Adoraria, mas não sou capaz. Partiu no dia do octogésimo aniversário do rei Roberto, ídolo da vó, dando mais uma dessas pequenas e travessas ironias da vida que às vezes me faz pensar que há alguém que está nos manipulando de algum lugar. Filhas, netos, cantores meliantes de bairros boêmios de Porto Alegre, amigos e amigas, familiares, quantos corações partidos deixou a nossa Dinda, Titita, Maria Luíza ou a Linda, mas também quanto nos ensinou e nos amou essa pessoa única e irrepetível.

Desde a morte da vó a Dinda me disse que abria a janela de manhã (a manhã da Dinda era depois do meio-dia...) e perguntava olhando para a janela da vó: “Mana, onde tu andas?”. Pois bem, espero mais do que nada estar equivocado e que essas almas possam estar juntas outra vez depois do breve “divórcio”. Descanse em paz Dindinha querida, contigo levas mais pedaços de uma época sem igual.