Já imagino a felicidade de alguns regionalistas de plantão que devem estar loucos para me xingar pois sempre afirmei que jamais sentiria saudades dessa cidade do demônio, pois sim, mudei de opinião e, com muita grandeza, assumo.
Antes dos regionalistas começarem a gabar-se, alerto: continuo achando Porto Alegre uma cidade sem graça, sentimento este que me acompanha desde o fatídico dia em que deixei a capital do Reino, 28 de fevereiro de 2007.
Também reitero que, nesses dois anos em que passei longe de Porto Alegre, não senti sua falta nem por um segundo, estava em Londres, como isso iria passar?
Pois agora sim, como a comparação com o que vinha anteriormente é inevitável, sinto muitas saudades de viver em Porto Alegre, não tanto da cidade em si, mas sim do fato de viver nela. Sim, isso é diferente.
Medelín é semelhante à Porto Alegre num aspecto fundamental que norteia meu pensamento sobre a diferença de qualidade de vida entre cidades européias e cidades sul-americanas (com suas exceções como Buenos Aires e Montevidéu), que é o fator rua, estar na rua, andar na rua, passear na rua, fazer compras na rua, não estar sempre trancafiado em casa e dela ir de carro para um claustrofóbico e ordinário xópim.
Pois Medelín, nesse sentido, é igual à Porto Alegre: não há comércio de rua, não há cafés agradáveis de rua, não há espaço público em que se possa desfrutar ao céu aberto. Assim como Porto Alegre, Medelín é feia, possui uma arquitetura ordinária, prédios feios, enfim, apresenta sinais normais de um crescimento desenfreado e desordenado de uma cidade de terceiro mundo que, como afirmou Lévi-Strauss, foram da selvageria à barbárie sem passar pelo estágio do esplendor.
Até aí as duas cidades são bem semelhantes, mas logo as diferenças começam a aparecer. Em Medelín não há grandes áreas verdes, parques e praças. A falta de espaço não permite e, por mais que eu não seja um freqüentador de parques em Porto Alegre, a ausência deles deprime uma cidade, a enfeia. A falta de espaço também faz com que não haja quase áreas residenciais, casas, pátios e toda a harmonia que vem junto com esses fatores. Medelín é uma selva de pedras, crivada de edifícios e de gente, por todas as partes, motos, carros, é uma pequena São Paulo e, para piorar, com a ausência da ordem.
Medelín deve ser cerca de 1/5 do tamanho de São Paulo, mas, após uma semana aqui, começa-se a perceber as suas semelhanças e entende-se o quanto influi o fator trânsito quando analisamos a qualidade de vida de uma cidade. É infernal, e, sim, o trânsito é fator fundamental para uma cidade. Aqui, perde-se toda uma tarde para dar algumas voltas que tomariam cerca de 30 minutos em Porto Alegre. Há trânsito às 12h, 14h, 17h, qualquer horário é hora do pique.
Em Medelín não há o Guaíba que, poluído ou não, passa uma boa sensação para qualquer cidade. Aqui há apenas um rio que corta a cidade, mas se parece ao Arroio Ipiranga, é horroroso e não há orla. Aqui jamais se irá viver tão agradavelmente como se vive em Ipanema ou Vila Assunção, por exemplo, não existem esses lugares aqui.
Deixando para trás argumentos concretos e palpáveis das diferenças entre essas duas metrópoles, abordo o fator cultural do povo que também é muito influenciado pelos fatores concretos anteriormente citados. Imagino que mais da metade da população seja afetada pelo alcoolismo. Aqui é normal ver gente bebendo uísque de tarde nas ruas, mulheres bebem cachaça protagonizando uma das cenas mais deprimentes que eu já vi, e, além do mais, qualquer ocasião é ocasião de beber até a inconsciência, desde batizados, até xous musicais passando por jogos de futebol.
Ontem à noite descobri que havia ocorrido o clássico do futebol local, Nacional contra Independiente e saí de casa três vezes sem notar qualquer resquício de clima de clássico. Não há clima de clássico, esse jogo não é um clássico. Senti saudades do clima infernal de domingo de GRE-nal.
Falando em xous musicais, Oasis em Porto Alegre. Aqui eles até podem saber o que é um oásis, mas jamais saberão o que é Oasis. Não há opções musicais, vive-se uma ditadura da mediocridade e do mau-gosto. Falta humor. Aqui, obviamente, há inúmeras pessoas boas, queridas e tal, mas a eles falta o humor, o sarcasmo, a ironia e Porto Alegre, muito devido a sua formação social, tem isso, ainda se encontram muitos personagens, figuras e isso, no Brasil, só se vê no Rio Grande do Sul e, vou mais além, em termos americanos, só encontramos isso no sul do continente, Argentina, Uruguai, Chile e Rio Grande do Sul. O resto da América teve sua colonização diferente e são assim, desprovidos de um humor fino. Por isso é difícil, faltam as pessoas para conversar, pessoas essas que se encontrava com facilidade em Londres e não me deixava sentir falta de nada aí. Aqui faz falta. Aqui se fala muito das aparências, das vidas privadas dos demais, de roupas, de cortes de cabelo, de terceiros, mas faltam aqueles demônios, aquelas figuras doentes que conheço, que me fazem falta e que me divertem daí, que têm histórias para contar.
Admito que há dias e momentos que penso: meu Deus, o que estou fazendo aqui, mas a resposta a essa pergunta sempre aparece rapidamente e tem 1,58m e 47kg, parece pouco, mas é fator determinante e de forma alguma cozinha aquelas tripas de carne podre que apareceram em texto publicado anteriormente, pelo contrário, quando ela cozinha, como com gosto. Tenho que terminar esse texto, há um cachorro maldito metendo-se entre minhas pernas.
Assim sendo, admito aqui minha derrota de homem sem pátria e digo que sim, sinto falta dessa cidade feia e deixo um abraço proveniente dessa cidade de crianças tristes.
segunda-feira, 23 de março de 2009
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Um comentário:
Quando quiseres visitar a ilha, saiba que tens minha casa como sua. Acho tambem que sua saudade a Porto eh saudade ao lixo ambulante, Angelo. Imagine o seguinte: se Angelo vivesse em Medellin, seus sentimentos seriam outros.
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