Uma das perguntas mais repetidas atualmente é
se a humanidade sairá diferente dessa pandemia. Gestos filantrópicos e
humanitários ocupam mais espaço que “e daís” de líderes psicopatas. Histórias
de ajuda e de heróis anônimos povoam o imaginário de todos com a concretização
que os meios de comunicação dão a esses pequenos gestos que têm ocorrido pelos
quatro cantos do mundo. Celebra-se a vida selvagem que demonstra ainda ter uma
vontade admirável de viver. Golfinhos desfilam pelas águas dos canais de
Veneza, pumas caminham taciturnos pelas ruas de Santiago, o ar se purifica e se
oferece para narizes confinados e a humanidade, ou quase toda, vibra com esses
pequenos fatos e factoides que são incessantemente narrados.
Mas então, depois de voltar à “normalidade”,
seremos seres diferentes? Seguiremos nessa onda fraternal e ecológica. É claro
que não.
A forma mais fácil de prever o futuro é
analisando o passado. Normalmente, se algo vem acontecendo por um período
relevante, isso quer dizer que o mais provável é que siga ocorrendo a não ser
que algo extraordinário venha a acontecer. E, cá entre nós, fatos
extraordinários têm espaço em uma frequência lenta e gradual que nos permite
organizar a história em seus capítulos.
Em leituras de obras que acontecem na Idade
Média francesa, não se nota uma ânsia por um fato novo que mude o estilo de
vida da época. As personagens parecem não esperar que algo formidável irá
acontecer. Vivia-se com uma melhor aceitação da lentidão que o tempo os
castigava. Revoluções francesas não aconteciam todos os fins de semana. Hoje é
o contrário. A rapidez da vida pós-moderna faz com que crianças se desesperem
por alcançar a vida adulta; adultos se desesperam em suas corridas frenéticas e
assustadas para deixar a tão temida velhice para trás. O excesso e a velocidade
da informação geram esse sentimento de que vivemos em uma montanha-russa que
não para. Toda essa sensação de rapidez alimenta a fome do humano frenético
pelo novo. Essa obsessão pelo novo não se limita a bens de consumo, engloba
também aspectos mais profundos e relevantes de nossa existência. Queremos uma
revolução francesa todos os fins de semana e, já que isso não acontece,
transformamos fatos menores em fatos maiores.
Em minha existência destacaria dois fatos
alcunhados como divisores de águas da humanidade. Um, o vivi na infância e
outro na juventude. O primeiro foi o muro de Berlim. Via as imagens e
questionava meu pai para que me fizesse entender por que tanta comoção pelo
simples fato de derrubar um muro que, na verdade, era um símbolo, apenas isso.
O mundo continuou bastante parecido após o colapso do tal muro. As vidas dos
alemães talvez podem ser citadas como uma variável que realmente sofreu um
drástico desvio, mas do ponto de vista global foi algo de menor importância.
O segundo grande episódio de minha vida foi o
11 de Setembro. O que mais se escutava nessas semanas de cobertura midiática e
conversas de bar era que o mundo jamais seria o mesmo e que o dito “fim da
história” predicado por Hegel após a queda do famoso muro, deveria ser
repensado. Será? Que mudou?
O atentado contra as Torres Gêmeas, símbolo da
empáfia capitalista americana/mundial, causou mínimos efeitos na sociedade
global. Depois disso, passamos a retirar os sapatos antes de embarcar em um
avião e essa foi a maior diferença em nosso estilo de vida. O ferido poderio
americano jogou para a torcida e resolveu atacar o país onde supostamente o
autor do atentado se escondia (não o país de origem de seu algoz já que está
para nascer o primeiro líder americano que ataque a Arábia Saudita; nem Trump
se animou a tanto) e acompanhamos todos comendo pipoca em uma depressiva tarde
de domingo aquelas imagens beges de bombas levantando poeira no deserto.
Uma das primeiras reações de uma população
global atual após o surto do coronavírus foi correr aos supermercados. Talvez
as primeiras e mais marcantes imagens foram de australianos, “vizinhos” dos
chineses, que abarrotavam seus carrinhos de supermercado com infinitos rolos de
papel higiênico. Como a longínqua Austrália hoje, devido à tecnologia, fica na
esquina de qualquer outro país do mundo, vimos estarrecidos e fizemos a mesma
coisa. Os australianos o fizeram porque o país, enganado pela onda globalista,
penhorou seu território, cultura, população e futuro aos chineses e isso inclui
o papel higiênico. Simplificando a la Bolsonaro, se a China quiser, mantém a
população australiana com seus bumbuns sujos pelo tempo que eles quiserem. No
entanto o resto do mundo não questionou. No melhor estilo insano-moderno-140 caracteres
em que vivemos, saímos todos desesperados por papel higiênico. O cálculo é
fácil: se eu compro 10 pacotes de 15 rolos cada um, serão 150 rolos. Quantidade
suficiente para uns dois anos de idas ao vaso sanitário. Se eu estou comprando
esta quantidade, o mais provável é que meus vizinhos acabem sem ter a chance de
comprar tal ferramenta. Isso vale para comida também.
Richard Branson, britânico dono de quase 5
bilhões de libras e dono da Virgin Atlantic, entre outras empresas, nem bem o
coronavírus cruzou as fronteiras de Wuhan, já disse que mandaria seus três mil empregados
para a casa e que precisava que o estado pagasse os salários de seus (ex)
funcionários. Talvez penhorar sua ilha particular e manter seus funcionários felizes
não seria uma melhor solução?
A moral da história é fácil de compreender
mesmo entre os indivíduos mais obtusos. Onde está a tal fraternidade do humano
dessa “nova era”? Ela não existe e um pandemia não é suficiente para modificar
nossa natureza e nossos hábitos.
No Brasil houve roubo de máscaras.
Superfaturamento de máscaras. Pessoas insanas sem qualquer noção sobre o tema
defendendo assiduamente o uso de remédios que, dias depois, foram comprovados
não apenas ineficazes, mas também nocivos aos humanos. Tudo isso somente para
ganhar suas vazias discussões com amigos em redes sociais.
Ao final dessa série de horror, voltaremos para
a boa e velha normalidade; normalidade essa que, com seus defeitos, nos mantém
pelo menos com os pés no chão e na busca eterna da cenoura imaginária. Tem seus
defeitos, mas hoje sentimos uma saudade fraternal dela. A dita “normalidade” é
nossa Síndrome de Estocolmo constante que em breve voltará exatamente como a
deixamos com a pequena diferença de que teremos mais mortos, esfomeados e
desempregados pelo mundo afora. Porém, como diz o outro...e daí?
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