Na quarta-feira da semana passada morreu Luiz Carlos Carneiro, o vulgo Caio. Meu professor no segundo ano do segundo grau, marcou minha vida devido ao seu jeito maldito e irreverente de ser. Caio usava calças de linho, colete e All Star nos pés.
Usava óculos que disfarçavam os seus olhos carrancudos e tinha cabelos negros e oleosos que pendiam por sobre a sua testa.
Caio foi o maior professor que já tive e uma das pessoas mais intrigantes e sensacionais que já conheci. Desde o primeiro dia de aula me fascinava o seu rancor para com o mundo e sua língua mais do que afiada. Vociferava impropérios e xingamentos contra todos. Caio era um homem “maldito”; um historiador e um professor da vida.
Caio, por mais que estivéssemos perto do Vestibular, jamais nos ensinou História tradicional. Jamais mencionou grandes feitos ou grandes nomes do passado. Caio dizia que deveríamos aprender sobre a vida, pois caso não o fizéssemos, acabaríamos trabalhando como cobradores do ônibus Otto.
Ninguém melhor do que Caio para ensinar sobre a vida. Caio exalava contradições e ideais. Não tinha ídolos, era um verdadeiro iconoclasta.
Tínhamos dois períodos de aula com o Caio por semana, os dois primeiros da segunda-feira. Eu era sempre o primeiro a chegar, pois gostava de ouvir as primeiras palavras malditas do saudoso mestre. Caio sentava-se e começava a contar alguma história que tinha passado no ônibus.
Numa dessas segundas tão esperadas, Caio chega enfurecido e começa a xingar a todos os alunos. Nos chama de idiotas e de imbecis. Algum colega reclamou à direção de que Caio não dava aula. Inflamado, Caio disse mais uma vez que nós deveríamos aproveitar o colégio para aprender a viver e não sobre as idiotices de Vestibular que, segundo ele, já deveríamos ter aprendido e, se não, iríamos aprender sozinho lendo livros ou depois com outro professor, mas não com ele.
Caio virou-se, escreveu “Grécia e Roma” no quadro e começou a dar, injuriado e colérico, uma aula tradicional. A imagem era tão desesperante para mim como colocar o Maradona a jogar vôlei. Era uma lástima, um desperdício.
Felizmente o velho Caio era um idealista que não muda seus métodos e ideias. Ao falar sobre a tradição dos gregos de quebrarem pratos, disse que adoraria fazer isso, mas que, caso fizesse, iria apanhar da mulher.
Caio jamais voltou a dar aula convencional e sim voltou ao seu velho ideal de ensinar a viver. E ninguém jamais ousou em reclamar novamente.
Lembro quando Caio olhava através da janela e fitava uma classe de quinta série e resmungava para si mesmo: “tenho medo de crianças; não sei o que passa nas cabeças deles...”
Através da mesma janela Caio olhava a diretora do colégio, uma loira na casa dos 50 anos estilo matrona juntamente a outras coordenadores, todas também na casa dos 50 com seus cabelos laqueados e pintados de loiro e dizia: “vocês devem ter cuidado com essas velhas loiras; elas querem apenas acabar com as vidas de vocês”.
Uma vez Caio nos fez ler um livro escrito por um judeu sobrevivente ao Holocausto. A tarefa era escrever uma resenha sobre o livro. Li, escrevi e entreguei ao mestre.
Uma semana depois recebo o trabalho com uma nota 10 e com o seguinte comentário abaixo: “sei que não foste tu quem escreveste, mas o autor merece”.
Discuti por muito tempo com Caio na aula tratando de convencê-lo que o texto era meu, mas ele jamais acreditou e levou essa dúvida sobre quem teria escrito para o inferno junto com ele.
Caio era nostálgico. Vivia lembrando dos seus tempos na escola Venezuela na Vila Cruzeiro. Além disso tinha conceitos fantásticos: “um riquinho como vocês e um morto de fome, quando atropelados pelo Otto, viram a mesma merda, viram guisado”.
Caio era tão maldito que uma vez arrancou todos os tubos do seu corpo, abandonou seu leito no hospital e foi tomar uma cerveja no bar da esquina.
Caio chamava Rogério Mendelski, tio de um colega meu, de fascista, na frente dele e isso é nada quando comparado ao dia em que chamou o jornalista de “prostituta”.
Inesquecíveis também eram os acessos de ódio dele contra os donos de cursinhos, ex-colegas dele que hoje andavam de cabelo pintado e tinham motoristas que abriam a porta para eles...
Esse era o Caio, uma pessoa inigualável e incomparável. Um gênio.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
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2 comentários:
Quando vi que mandaste o texto para a lista, não sabia que o Caio tinha morrido. Grande perda! Dei risadas, agora, lendo o que escreveste sobre o medo dele de crianças e outras coisas do gênero. Era assim mesmo. Lembrei de uma passagem em que ele pegou uma bandeira do Britto, arracando-a de um aluno, rasgou, pisou em cima e, se não exagero, talvez tenha até comido. Depois, virou-se para o quadro e começou a escrever... como se nada tivesse acontecido. E, para ele, de fato, nada havia acontecido. Era realmente uma figura ímpar.
Ele costumava dizer que não sabíamos nada da vida, que o mundo real era dentro da Escola Venezuela!! Que pessoa!!
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