Tirem o cavalinho da chuva os que pensam que escreverei sobre Porto Alegre. Ontem passei a tarde inteira lendo o Blog de um querido e saudoso amigo, Rodrigo, mais conhecido como Tim Tim. Ele ganhou esse apelido por ser fã da clássica personagem belga. Ou também pode ser chamado de Tom, outra personagem de sua admiração, o cantor/poeta maldito amigo de Bukowski, Tom Waits. Além disso, ele é paulista, mas dá para agüentar.
O Blog do meu querido Tom pode ser definido como um poço de nostalgia. E eu sou um nostálgico. Eterno. Nos meus últimos dias em Porto Alegre fazia nada mais além de “nostalgiar” com o meu irmão de cor Ângelo. Infância e Londres eram nossas pautas mais abordadas.
Pois eu fui embora, Ângelo ficou, todas as pessoas aqui são “novas” para mim e não há mais como nostalgiar, não há com quem, não há parceria. Poderia nostalgiar sobre Londres com a Marcela, mas não quero parecer descontente.
O fato é que esse Blog do Tom ele começou a escrever desde sua chegada à Londres, a nossa Londres onde, após dois ou três meses de minha chegada, nos conhecemos e fomos morar na mesma casa, dividir teto. O que posso dizer é que esse cara é demais, apesar de ser paulista.
Mas a nostalgia vai mais além da figura patética de meu amigo paulista e abrange a convivência nessa casa como um todo. Para quem gosta do seriado Friends, digo que pude viver o meu. Morar com amigos, não seis senão oito, mais Marcela e Demo Ângelo, lá apelidado de Saco de Lixo devido aos seus atos bárbaros e sua conduta repugnante.
Foram bons tempos que jamais voltarão, de casa bagunçada, sempre uma companhia para conversar, de Tom deitado no sofá de couro da sala vendo luta livre, imagem essa que sempre agredia minha retina todos os dias a cada chegada em casa depois do trabalho.
Aliás, vale destacar a felicidade desse cidadão quando nos via, lembrava um cão quando recebe seus donos em casa. Ele saía para trabalhar às 5h30min e chegava às 10h30min. Se deitava no sofá sozinho e esperava alguém chegar. Sua felicidade era tanta que, ao ouvir um ruído atrás da porta, se levantava do sofá e ia receber com um abraço a sua nova e ordinária companhia. Só faltava se mijar como um cachorro. Que rapaz!
Sinto falta de comer com ele perguntando o que eu estava comendo e pedindo um pedacinho: “animal, me dá um pedacinho?”. Quando eu dizia que não ele ficava magoado e saía vomitando intempéries contra a raça gaúcha. Que cara!
Sinto falta do Luís. Sempre chegava em casa com um ar depressivo, de saco cheio do trabalho (trabalhava 100 horas por semana) e reclamando que não tinha tempo para nada, que o Saco de Lixo roubou suas camisas alvas e perfeitamente passadas, enfim, mas bastavam cinco minutos com a gente, e quando digo “gente” o ladrão de suas camisas também, para ele se acalmar, abrir um sorriso cansado e começar a falar merda com a gente. Ou então, se ainda estivesse acordada, ou seja, quando o querido Luís chegava antes das 21h30min, a Marcela conseguia fazê-lo rir mais rápido que a gente.
Sinto falta da expectativa que havia na casa para a chegada do Luís com um fruto de sua rapinagem. Luís roubava inúmeros artigos do hotel e roubava de raiva por trabalhar tanto. Nunca esqueço das caixas de café e da alegria no rosto da Marcela, a principal consumidora do produto. Luís nem tomava café; trazia porque havia um sentimento de unidade familiar naquele nosso ninho que poucas famílias têm. Há de ser dito que a expectativa era grande também em relação às histórias de assédio sexual que Luís sofria no hotel de seu gerente homossexual.
Uma casa com 10 homens e uma mulher. Apenas com essa informação já se vê que era um recinto no mínimo curioso. E curioso todos estávamos para ouvir as histórias do Tio Eri quando chegava à casa. Jamais conheci alguém que tenha passado por tantos momentos estranhos em Londres como o capixaba Eri. Esse cara era tão genial que ele assumia que fingia que lia no metrô simplesmente porque todo mundo lia. Ele dizia, palavras dele: “pô, bicho, peguei um livro do Rodrigo, abro e finjo que leio; eu sou uma puta, faço o que todos fazem, sigo a moda”. Quem da casa não se lembra da história do Tio Eri esperando a morte chegar trancado em um frízer? O mais fantástico dessa história foi que o dito cujo, após aceitar a morte, se sentou e abriu uma cerveja, ele que nem gostava de cerveja, mas viu uma marca cara do produto e pensou que queria morrer ingerindo algo caro. Demais.
No Blog do Tom havia um texto dedicado exclusivamente a outro célebre habitante original da baia, Celito, o cara do pavio curto! Espero que ele não fique brabo, mas vou assumir em nome de todos integrantes que todos nós ficávamos nos segurando para não rir do imensurável mal humor com que o nosso Celito chegava à casa, o único que não conseguia era o Saco de Lixo que tinha ataques de riso após cada resposta indignada e furiosa do nosso Celito, grande cara que infelizmente partiu antes que todos e encerrou sua vida europeia com uma viagem fantástica. Quem não se mijou rindo da história do Celito descendo em outra estação porque a polícia estava de tocaia na nossa estação de Kilburn Park? Ou quem não se impressionou com a tensão e o suspense de quando atracaram o Celito na saída da estação e chegaram até a ligar para a central de informações para checar a situação legal (ilegal) do nosso Celito?
Tivemos apenas um novo integrante que não fazia parte da escalação inicial, o bom menino Maicon, Chico Bento, rapaz religioso do interior catarinense, chegou para ver a casa na semana do Natal de 2005 e pegou o único dia que a casa estava arrumada. Na hora aceitou entrar para o time. Felizmente ele não se indignou com a verdadeira situação da casa que voltou à sua normalidade de podridão após a noite feliz. Maicon muitas vezes sofria tendo que conviver com tantas pessoas de caráter tão diferente ao dele. Vê-lo conversando com o Ângelo era como ver o Demônio e Jesus Cristo trocando ideias. Pedia dicas para a Marcela, mudou seu estilo de guri do interior estilo Chico Bento por um modelo mais féxiom, mas seguia com sua bíblia e seu rosário ao lado de sua cama.
Lembro também das nossas duas grandes festas na casa, o Natal e o aniversário da nossa Branca de Neve. Impossível esquecer a cara do Tio Eri conferindo os preços e marcas dos presentes, muitas vezes ainda o ouço dizendo com seu sotaque carioca: “é Hugo Boix, Hugo Boix!” Sobreo aniversário da Marcela, inesquecível o nervosismo do Celito que não conseguiu guardar segredo sobre a festa-surpresa até o final e, dominado pelo nervosismo, quando viu a Marcela chegando bateu a porta na cara dela...quase morro de rir.
E esses dias estava pensando no nosso parque também, um incrível lugar repleto de atrações que descobrimos quase que ao final de nosso tempo em Kilburn, acho até que quem descobriu foi o Celito quando descia em estações anteriores à nossa. Lembro também das idas ao supermercado, o Tim Tim enchendo o saco olhando todos os preços e comprando “docinhos”. Lembro do Tim Tim furioso com o Ângelo, ficando de mal com ele por algumas horas pois este tinha roubado alguma roupa dele, mas que jamais conseguiu cumprir suas promessas de “gelo” ao Demo e sempre tinha o coração amolecido pelo inigualável caráter do nosso Saco de Lixo. O Tim Tim com seu esqueite, as discussões diárias e longas entre Tim Tim e Ângelo sobre quem tinha o pé mais bonito, Ângelo com seu pé disforme e torto e o outro com seu patético pé gordinho...o Luís arrumando a casa puto da vida porque ninguém ajudava e se segurando para manter a carapaça de raiva quando o Saco de Lixo, do alto de seu tremendo mal caratismo dizia que havia limpado o banheiro ou não sei aonde quando na verdade ele passou todo o dia atirado como um entulho no sofá da sala sem mover um dedo, apenas jogando Play.
E os bed buggies animais do demônio que começaram a atacar o quarto mais busy da casa e depois infestou cada centímetro cúbico, nos comendo vivo, deixando marcas bizarras por nossos corpos...ah, e os almoços de domingo! Tão aguardados! Íamos todos comprar os ingredientes no Sainsbury, o Ângelo sempre dizia que pagava depois, mas ninguém cobrava...e as nossas Digestives, não passávamos um dia sem devorar um pacotinho...
Nossas idas aos fins de semana à feira de Kilburn, o medo que o Tim Tim tinha da africana que vendia eletrônicos “you in my life again!”, todas as porcarias que comprávamos com o dinheiro da casa e nada funcionava, e seguíamos comprando. A nossa televisão gigante, ápice da casa que logo foi substituída pela velha e boa de 14 polegadas, impossível não rir do fracasso que era a cena: a televisão grande ao lado da pequena e a última funcionando, com nossa Sky inclusive.
E os convidados especiais? Quantas criaturas dormiram naqueles sofás! Joselito passou um mês, Sandrinho e Sandrinha Sunshine, australiana Catherin, argentino Santiago, irlandês demente Mark e British-German namoradinha da Izinha, únicos representantes de raça superior a pousar na nossa baia; Germán e sua trupe de colombianos sem-teto, Cami e seus bed buggies, enfim, foram inúmeras presenças.
Muitas saudades desse tempo e de todos.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
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Um comentário:
Muita saudades é pouco. Com certeza foram dias que lembrarei para o resto da minha vida. Companhias mais do acertadas... divertimento na certa. Tudo isso vai ficar guardado na minha memória e no coração de todos que passaram pelo Flat em Kilburn. Ótimo texto Eduardo, dei muitas risadas lendo.
Saudades de tudo e todos.
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