Que a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo eu e todo mundo já sabia. Que muitas coisas aqui foram construídas patrocinadas com o sujo dinheiro do tráfico internacional de drogas, também já sabia.
Apesar de ainda não ter feito o “tur Pablo Escobar” que é a atividade turística mais procurada por estrangeiros em Medelín e que consiste em visitar lugares que tiveram alguma relação com o maior traficante de drogas da história, na primeira vez em que vim à Colômbia, pude ver algumas coisas curiosas. Espalhadas pela cidade há construções imensas abandonadas, pois foram iniciadas pelo Cartel de Medelín e, com o desmantelamento deste, foram abandonadas. Obviamente eram obras que tinham como único objetivo a lavagem de dinheiro.
Mesmo com todo esse conhecimento que creia ser muito vasto sobre o que representa o tráfico de drogas nesse país, confesso que, depois de ler o livro “Os Ginetes da Cocaína”, escrito por um jornalista colombiano durante os anos 80, me dei conta de que não tinha a mínima ideia da proporção em que o tráfico de drogas dominou e ainda domina esse país. A conclusão que tive após a leitura desse livro de menos de 300 páginas foi que vivo em um país que foi totalmente construído com o dinheiro do narcotráfico.
O grau de importância e de dominação que os poderosos cartéis colombianos atingiram durante o final dos anos 70 e princípios dos anos 80 foram responsáveis pela transformação de um país. Cidades como Medelín e Cali e até Miami, deixaram de ser cidades planas e rasteiras e passaram a ser canteiros de obras. A leitura desse livro me saciou algumas inquietudes que eu tinha aqui.
Para que entendam, explico um pouco como é dividida socialmente Medelín.
Metida entre morros, a cidade não tem muito para onde crescer. Assim como no Rio de Janeiro, toda a pobreza e parcelas da classe média estão localizadas nas montanhas que circundam a cidade. Na parte plana, amontoam-se carros e edifícios. Vale lembrar que Medelín possui uma área que é a metade de Porto Alegre, mas com um milhão de habitantes a mais.
A ideia de “bairro” aqui também é muito distinta a de que temos no Rio Grande do Sul. Um bairro aqui normalmente é associado a uma região popular da cidade. O meu “bairro” que ninguém chama de bairro, é onde se vive toda a classe média alta, a elite e parte da classe média.
Outro fator que torna difícil utilizar o termo “bairro” é que, essa região, é gigantesca. Há centenas de edifícios e toda essa parcela privilegiada se amontoa nesse mesmo espaço. Essa parte da cidade se localiza numa parte alta que é relativamente nova. Fora daqui, na parte plana, são bairros modestos ou pobres e, em algumas partes, classe média e alta, mas são minoria.
O fato é que tinha essa inquietude que manifestei anteriormente que consistia em olhar essa selva de pedras ao meu redor e não ver sequer um edifício com uma aparência de ter 30 anos. Tudo é novo.
Tudo é novo e todo esse novo tem relação direta com a explosão do negócio das drogas.
No início do narcotráfico na Colômbia, basicamente duas famílias tinham destaque: Escobar e os Ochoa que, diga-se de passagem, são meus vizinhos e hoje dizem não ter mais negócios irregulares.
Essas duas famílias foram as que fizeram do negócio das drogas um fenômeno lucrativo jamais visto na história desse país. Aliadas a guerrilhas de zonas rurais, transformaram uma planta que não valia mais do que uma erva-daninha em uma máquina de fazer dinheiro.
Ao mesmo tempo em que ganhavam muito dinheiro, também gastavam muito dinheiro “investindo” em seus negócios. Para isso, como se tratava de um negócio que tinha seus consumidores finais fora do país, eram obrigados a negociar e ter suas relações internacionais em diferentes países, mais fortemente nos Estados Unidos e na Espanha.
Os governos americanos e de países europeus, ao sentir o crescimento vertiginoso desse bando de delinquentes latinos, começaram a aumentar o combate a essa nova onda de terror que pedia passagem. Muitos narcotraficantes foram presos, muitos carregamentos de drogas foram destruídos e a eficiência e a dificuldade que esses governos lhes impunham fizeram com que os grandes cartéis chegassem a uma temerosa conclusão: deveriam “comprar” o país (Colômbia) e lá estabelecer todo o mecanismo do tráfico.
A “compra” da Colômbia foi, para mim, uma das coisas mais impressionantes que já tive conhecimento. A leitura desse livro pode ser uma comprovação que tudo tem um preço e que a maioria das pessoas é corruptível. Todas as esferas da sociedade colombiana foram transformadas em braços do narcotráfico. Juízes, imprensa, políticos, líderes comunitários, polícia, governo, esporte, festas populares, turismo, transportes, comércio, bancos, enfim, tudo passou a ser parte de uma organização que tinha claro em sua cabeça um plano incrivelmente eficaz de comprar um país.
Pablo Escobar, por exemplo, era político, tinha um cargo público. Sua campanha era feita através de doações em bairros populares. Era uma espécie de Robin Hood, era idolatrado nas famosas “comunas”, as favelas de Medelín. Organizava eventos, dava comida, dinheiro e assim construía uma legião de admiradores que tinham o poder de elegê-lo.
Mas por que Pablo Escobar queria ser político se tinha quase toda a classe política comprada? Pode soar incrível, mas o benefício maior que Escobar queria ao ser um “homem público” era o visto americano e a imunidade parlamentar.
É interessante no livro a maneira em que o autor cita um tal Álvaro Uribe Vélez, narcotraficante e senador à época. O senhor em questão era o pai do atual presidente colombiano.
Essas conexões com a política atingiam todos os setores, até a presidência do país. O autor dá provas concretas dos vínculos dos narcotraficantes com todos os presidentes colombianos da época.
Essas relações pornográficas com o poder público rendiam muitas facilidades para a operação dos “capos” do narcotráfico, como autorizações para terem exércitos particulares com soldados cedidos pelo governo, por exemplo. Também lhes oferecia conexões diretas com a grande maioria dos cônsules e embaixadores colombianos em países estratégicos que acabavam exercendo um importante trabalho juntamente com os cartéis principalmente na hora de evitar prisões e/ou extradições de narcotraficantes procurados no exterior.
Tendo o setor político do país ao seu dispor, havia-se de controlar também a imprensa que em muitos casos pode ser um estorvo em meio a atos criminosos.
Se comprar toda a camada política do país foi fácil, a imprensa não foi diferente.
Alguns narcotraficantes chegaram ao ponto de ter seus próprios meios de comunicação como estações de rádio ou jornais. Um desses jornais era conhecido por sempre exaltar as benfeitorias realizadas por Escobar em Medelín.
Evidentemente houve políticos e jornalistas que se opunham a esse escândalo. O destino deles foi óbvio: o assassinato cometido pelos conhecidos “sicários” de Escobar. O jornalista que escreveu o livro o fez em homenagem ao seu chefe que sempre foi ferrenho na explicitação dos crimes cometidos por narcotraficantes e políticos corruptos em seu país e que acabou também brutalmente assassinado.
Outro aspecto importante a ser resolvido pelos narcotraficantes era a lavagem do dinheiro proveniente da droga. Para isso, compraram o comércio e o sistema financeiro do país.
Desde redes de farmácias que, vale destacar, chegavam ao ponto de alterar medicações destinadas a crianças até bancos e sindicatos, passando por revendas de carros importados, lojas, xópins e até parques infantis, tudo era controlado pela máfia colombiana e tinha como único objetivo a lavagem de dólares.
Alguns atos dos narcotraficantes descritos no livro me chamaram bastante a atenção e mostram bem essa megalomania tradicional dessas pessoas. A gana de serem donos do mundo os levava a atos simplesmente inacreditáveis.
Todo o futebol colombiano era controlado por mafiosos. Os criminosos viram nos laços internacionais que o futebol oferece uma oportunidade única de lavar seu dinheiro sujo. Começou, de uma hora para outra, uma corrida de diferentes grupos criminosos pela compra de clubes de futebol da primeira divisão colombiana. Além dos clubes, os passes da maioria dos jogadores eram adquiridos por essas organizações.
O resultado disso foi uma série de campeonatos com suspeitas de manipulação de resultados e consequente perda de interesse da população pelo futebol local que se pode sentir até hoje em meio às pessoas que viveram essa época.
A coisa era tão série que o órgão que controlava o futebol colombiano, chamado Dimayor também era gerido pela máfia e que chegou ao cúmulo de suspender uma rodada do Campeonato Colombiano como forma de luto pela morte de um conhecido narcotraficante da época.
Mas não foi apenas o futebol alvo da cobiça dos traficantes. Pablo Escobar patrocinava através de suas inúmeras empresas lavadoras de dinheiro a seleção colombiana de ciclismo que é o segundo esporte mais popular do país. Inclusive foi Pablo Escobar quem bancou a ida da delegação colombiana ao famoso Tour de France.
E a voracidade esportiva não parava por aí. A maioria dos autódromos colombianos foi construída com dinheiro sujo. Houve um caso incrível de pilotos colombianos presos no exterior por utilizarem seus carros para transportar cocaína.
O primeiro hipódromo do país também foi construído pela máfia, mais precisamente pelo clã dos Ochoa que era fascinado por cavalos.
Deixando o esporte de lado, talvez o setor da sociedade mais cobiçado pelos narcotraficantes era o de aviação e por motivos óbvios. No livro o autor coloca em seu apêndice uma lista de todos os aeroportos clandestinos do país bem como o registro de todos os aviões utilizados pelo narcotráfico. Inúmeras companhias aéreas foram criadas ou compradas por organizações criminosas, não somente na Colômbia, mas
também nos Estados Unidos e em países da América Central e África que são portas de entrada para os grandes mercados americano e europeus. O mais incrível quando comentamos sobre a aviação é que essas organizações chegaram ao cúmulo de possuir imensos hangares localizados não apenas no meio da floresta, mas dentro do principal aeroporto do país, o El Dorado de Bogotá.
No entanto o setor da sociedade onde a máfia estava também presente que mais me chocou foi o setor universitário. O governo da época era tão corrupto que chegou ao cúmulo de aprovar licitações feitas por parte de grupos e pessoas reconhecidas por seus claros vínculos com o narcotráfico para a construção de universidades!
Há um caso espetacular narrado pelo autor em que, em uma universidade colombiana, o reitor autorizou uma exposição de cavalos de um mafioso reconhecido internacionalmente. Esse mafioso tinha como sua marca registrada o número oito que colocava em todos os seus bens, desde os pacotes de cocaína até seus carros e cavalos. Quando os alunos viram que os cavalos em questão tinham o número oito gravados em seus corpos começaram uma espécie de protesto. Em seguida, os guarda-costas do mafioso deram tiros para o ar e a situação foi prontamente acalmada. Isso aconteceu DENTRO de uma universidade.
A conclusão que se chega ao terminar o livro é a de que, se não fosse pelo dinheiro que ainda é injetado nesse país pelo narcotráfico, a Colômbia estaria em uma situação ainda pior, seria uma espécie de Bolívia. Também se pode notar ao conviver com a média da população colombiana que essa mentalidade criminosa não é posse exclusiva de narcotraficantes de fato e sim se manifesta de diferentes maneiras, em toda a população do país. O pensar em si mesmo antes de todos não importando se haverá terceiros prejudicados, o culto ao dinheiro fácil, a adoração a bens materiais extravagantes como carros esportivos, a ideia de estar cercado por mulheres, a ideia de sempre buscar uma maneira fácil de atingir determinado objetivo de querer tirar vantagem em todas as situações, assim é a sociedade colombiana, uma sociedade que se acostumou com o narcotráfico e que não recrimina as pessoas que são partes diretamente disso com a intensidade necessária.
Segue também uma espécie de obsessão por esse ideal de vida, a grande maioria ainda é viciada ao narcotráfico, as novelas mais populares são as que envolvem histórias de cartéis e “capos” da droga, tem-se ainda muito vivo no país a admiração pelos logros sujos do período negro colombiano que ainda existe, mas mais discretamente.
Ao mesmo tempo, em uma atitude totalmente hipócrita, lamentam-se ao se verem de frente com problemas como dificuldade na obtenção de vistos ou preconceito sofrido no exterior.
Há uma frase clichê que, para mim, é uma verdade quase que inquestionável na maioria das situações: todo mundo colhe o que planta e a população colombiana colhe as chagas de não ter se rebelado contra o absurdo de um país dominado pelo crime organizado.
sábado, 10 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Belo texto, Ed.
Achas que só aí acontecem essas coisas?
Aqui nesta selva é igual, caro amigo.
grande abraço
Postar um comentário