quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quito

A minha primeira percepção do Equador depois de estar vivendo já há quase dois anos na Colômbia foi que são dois países muito diferentes apesar da proximidade. Esperava encontrar enormes semelhanças, mas estas são menos do que eu tinha em mente.

O fator de maior diferencial entre os dois países é o comportamento das pessoas. Não sei se fiquei muito exigente quanto à amabilidade dos povos depois de estar a tanto tempo em Medelín, mas o fato é que a população de Quito é mais fria e em muitas situações mal educada e mal humorada. A questão da maior frieza dos cidadãos de Quito confirma minha teoria sobre a influência do clima nas pessoas. Em Quito a temperatura dificilmente passa dos 25 graus e, pela noite, chega a nove ou 10 graus em média.

Não se pode dizer que as pessoas em Quito sejam ranzinzas. Em muitos pedidos de informação recebi bom trato, mas não há aquele carinho excessivo dos colombianos que se aflora ainda mais quando se é estrangeiro. Senti falta de ser chamado de “meu amor” por qualquer senhora nas ruas ou em qualquer estabelecimento comercial. Os equatorianos, e quando digo “equatorianos” me refiro às pessoas de Quito, são de poucas palavras, poucos sorrisos e sim ajudam, mas com uma informação básica e jamais ajudam mais do que o que foi perguntado. É comum receber respostas curtas e grossas, como um sim ou não. “Tu sabes onde é a entrada ao estádio?”. A resposta é “não”, bem assim, curtos e grossos.

As semelhanças com a Colômbia aparecem, infelizmente, na música. Escuta-se a mesma porcaria do que na Colômbia e o reggaeton existe, mas não é tão popular. Outro fato interessante quando comparamos esses dois países e o grande número de colombianos em Quito. Há em grande quantidade e por todos os lados. É comum encontrar-se padarias e restaurantes que servem comida colombiana.

No entanto, além de colombianos, Quito é repleta de árabes, chineses e indianos. Muitos fazem a mesma coisa que seus compatriotas em países de primeiro mundo: são donos de restaurantes de comida típica. Na esquina de meu hotel havia um restaurante de afegãos e desde minha primeira noite tive contato com vários grupos de árabes. Chineses por toda a cidade também em sua maioria donos de estabelecimentos de alimentação. Aproveitei essa presença árabe para matar as saudades da pita, falafel ou shawara, nunca lembro das diferenças entre eles, mas gosto de todos. Carne espetada girando em frente a um forno na vertical dentro de um pão árabe com iogurte, alface e molho de alho. Simplesmente excelente e ao custo de um dólar e meio.

Falando em preços, o Equador é um país que tem o dólar americano como sua moeda oficial. Não sei se por isso ou por qualquer outro motivo, mas esse pequeno país deve ser o mais barato do continente para comer fora. Come-se um prato com camarão, frango, carne, corvina ou etc por menos de dois dólares. Os restaurantes da área turística oferecem pratos entre cinco e sete dólares. Ainda falando em comida, esse seria outro grande diferencial entre Colômbia e Equador. Come-se extremadamente bem no Equador, não apenas considerando os baixos preços, mas sim a excelente qualidade da comida. A comida típica de Quito não é o famoso ceviche que é da costa equatoriana; em Quito o prato mais tradicional é um caldo de pata, algo que soa detestável e deve ser, pois não provei por pura falta de interesse em sopas e caldos; queria provar o cuy que é uma carne de um roedor, mas é difícil de encontrar. Come-se muitos mariscos, camarões e frutos do mar em geral, mas recomendo provar os produtos como pães, bolachas e tortas das padarias da cidade que são de excelente qualidade.

Para destacar dois lugares em especial, vou de Café Español e La Boca del Lobo. O primeiro é uma mescla de café com delicatessen. Oferecem uma grande gama de presuntos espanhóis e excelentes queijos franceses e suíços. Chocolates e doces também estão presentes e todos de muita qualidade. O outro estabelecimento citado é o restaurante de decoração mais espetacular que já vi. É difícil de definir o seu estilo, mas eu diria que é uma grande mistura de estilos incompatíveis que têm como resultado uma aberração espetacular. Há móveis clássicos, luzes em neon, objetos decorativos de vidro, bonecos chineses, muitas cores, muito vidro e luzes, objetos místicos, candelabros etc. Sei que isso pode soar como o lugar mais cafona do mundo, mas é simplesmente uma ode ao kitch de estética única e genial.

Esses dois lugares se localizam em uma área conhecida como La Mariscal que era onde meu hotel ficava. É uma região repleta de turistas estrangeiros e com um clima extremamente agradável. Muitas lojas e principalmente bares, cafés e restaurantes conformam uma das áreas de entretenimento mais agradáveis em que já estive.

Destaques para o Mulligan´s e para a pouca presença de cadeias importantes como Mc Donald´s e Burger King que ficam atrás até mesmo de uma cadeia americana de restaurantes menos popular que é a KFC.

Infelizmente a população é assustadoramente horrorosa fisicamente. Em três dias não vi sequer uma equatoriana bonita. Os habitantes de Quito são massivamente muito indígenas, ou seja, indiozinhos anões e é comum ver mulheres de mais idade usando roupas típicas indígenas. Ainda abordando as características da população, é muito difícil encontrar um cidadão de Quito que não seja torcedor da LDU apesar de que a maior torcida do país é a do Barcelona de Guayaquil.

O trânsito de Quito também é outro ponto positivo da cidade. A capital do Equador possui uma geografia curiosa. É uma faixa retangular de três quilômetros por cinquenta e poucos. Vista de cima, é um corredor de concreto. No centro dessa tripa há duas grandes avenidas, uma direcionada a cada sentido e isso torna a cidade extremamente fácil de locomover para os turistas. É interessante a não-presença de motos o que torna o trânsito muito mais agradável e há um sistema de ônibus elétricos que cruzam a cidade extremamente eficiente e que custam apenas 0,25.
Os pontos mais interessantes da cidade são o seu centro histórico que é considerado o mais bonito do continente e onde eu tive a desagradável experiência de ter uma de minhas câmeras furtadas. Enquanto filmava um discurso do presidente Correa, algum rato equatoriano, notando a minha óbvia situação de turista se aproveitou de um deslize da bolsa da câmera em direção às minhas costas, abriu-a e levou a câmera sem eu nem me dar conta. Maldita América do Sul.

Falando no presidente equatoriano, é interessante notar a presença sutil de uma ultrapassada propaganda estilo comunista. Há alguns cartazes e mensagens louvando a luta do povo e seguidamente aparecem personagens históricos como Fidel Castro.
Outro ponto a ser visitado de Quito é a sua basílica, a mais alta da América Latina. É extremamente parecida com a Notre Dame parisiense e é, sem dúvidas, uma das mais bonitas que já vi. O curioso da basílica é a presença de estabelecimentos comerciais incrustados ao redor da nave principal. No próprio prédio ou ao redor da igreja vê-se inúmeros pequenos comércios inseridos de maneira extremamente peculiar.

Vale à pena também a experiência de subir no teleférico da cidade que leva o corajoso turista a 4.100 metros de altitude, ou seja, acima de muitas nuvens. Além de uma vista privilegiada de toda a cidade é uma oportunidade única de entender os fracos desempenhos de times sul-americanos quando jogam nas alturas de La Paz, Quito ou principalmente Cuzco. Uma caminhada mais rápida e o ar já começa a faltar.

Para completar os atrativos de Quito, é ponto obrigatório ir até o monumento do centro do mundo onde passa uma linha amarela, a tão famosa e badalada linha do Equador. Lá nessa localidade que fica nos subúrbios da capital em uma área cara e repleta de bonitas casas, pode-se fazer a experiência do ovo de Colombo e também ver a balança marcar menos quilos do que os de costume e tudo isso devido à diminuição da gravidade. Um comerciante local me disse que, quando chegaram ao local, os expedicionários franceses não contavam com a tecnologia de aparelhos como GPS e portando não sabiam exatamente onde era o ponto central do planeta, sabiam apenas que era por essa região e o monumento foi, então, construído na região do centro do mundo. Pois esse dono de um restaurante local já fez o teste com um GPS e verdadeiro centro do mundo fica em uma montanha da região visível desde o parque do centro do mundo. Seu plano era começar excursões que levariam ao “verdadeiro” centro do mundo.

Perto do parque do centro do mundo está localizada uma cratera do vulcão Pululahua habitada que é a maior do mundo. Entre montanhas e a 300 metros de profundidade 100 famílias cultivam suas hortas e vivem em um estilo extremamente pitoresco. Há energia elétrica proveniente da rodovia, mas não há sistema de águas e sinal de televisão. Uma escola abriga os mais ou menos 15 alunos e é cenário de uma história comovedora de amor ao ensino. Uma professora trabalhou nessa escola por nove anos.

Ia todos os dias de Quito até essa localidade e se via obrigada e descer diariamente os 300 metros e depois subi-los ao final das aulas. O único posto de saúde da comunidade foi fechado, pois era inútil devido à saúde de ferro de seus habitantes que jamais adoecem, pois têm uma vida extremamente saudáveis. Consomem alimentos que eles mesmos plantam sem qualquer uso de agrotóxicos, bebem água cristalina proveniente das montanhas virgens e não gastam horas em frente à televisão, pois se mantêm na lida do campo até o horário em que as nuvens tapam o vale e baixam a temperatura a zero grau. Essa mesma neblina aduba o solo e o torna muito fértil.

Atrás do povoado, passando uma montanha de 15 mil anos há uma reserva ecológica que abriga uma até pumas e ursos e que não pode ser habitada pelos humanos.
Grata surpresa gastronômica e esclarecedora de dúvidas e mitos foi Quito, uma cidade séria, fria e de poucos e bons atrativos.