sábado, 9 de maio de 2020

Seremos melhores?


Uma das perguntas mais repetidas atualmente é se a humanidade sairá diferente dessa pandemia. Gestos filantrópicos e humanitários ocupam mais espaço que “e daís” de líderes psicopatas. Histórias de ajuda e de heróis anônimos povoam o imaginário de todos com a concretização que os meios de comunicação dão a esses pequenos gestos que têm ocorrido pelos quatro cantos do mundo. Celebra-se a vida selvagem que demonstra ainda ter uma vontade admirável de viver. Golfinhos desfilam pelas águas dos canais de Veneza, pumas caminham taciturnos pelas ruas de Santiago, o ar se purifica e se oferece para narizes confinados e a humanidade, ou quase toda, vibra com esses pequenos fatos e factoides que são incessantemente narrados.

Mas então, depois de voltar à “normalidade”, seremos seres diferentes? Seguiremos nessa onda fraternal e ecológica. É claro que não.

A forma mais fácil de prever o futuro é analisando o passado. Normalmente, se algo vem acontecendo por um período relevante, isso quer dizer que o mais provável é que siga ocorrendo a não ser que algo extraordinário venha a acontecer. E, cá entre nós, fatos extraordinários têm espaço em uma frequência lenta e gradual que nos permite organizar a história em seus capítulos.

Em leituras de obras que acontecem na Idade Média francesa, não se nota uma ânsia por um fato novo que mude o estilo de vida da época. As personagens parecem não esperar que algo formidável irá acontecer. Vivia-se com uma melhor aceitação da lentidão que o tempo os castigava. Revoluções francesas não aconteciam todos os fins de semana. Hoje é o contrário. A rapidez da vida pós-moderna faz com que crianças se desesperem por alcançar a vida adulta; adultos se desesperam em suas corridas frenéticas e assustadas para deixar a tão temida velhice para trás. O excesso e a velocidade da informação geram esse sentimento de que vivemos em uma montanha-russa que não para. Toda essa sensação de rapidez alimenta a fome do humano frenético pelo novo. Essa obsessão pelo novo não se limita a bens de consumo, engloba também aspectos mais profundos e relevantes de nossa existência. Queremos uma revolução francesa todos os fins de semana e, já que isso não acontece, transformamos fatos menores em fatos maiores.

Em minha existência destacaria dois fatos alcunhados como divisores de águas da humanidade. Um, o vivi na infância e outro na juventude. O primeiro foi o muro de Berlim. Via as imagens e questionava meu pai para que me fizesse entender por que tanta comoção pelo simples fato de derrubar um muro que, na verdade, era um símbolo, apenas isso. O mundo continuou bastante parecido após o colapso do tal muro. As vidas dos alemães talvez podem ser citadas como uma variável que realmente sofreu um drástico desvio, mas do ponto de vista global foi algo de menor importância.

O segundo grande episódio de minha vida foi o 11 de Setembro. O que mais se escutava nessas semanas de cobertura midiática e conversas de bar era que o mundo jamais seria o mesmo e que o dito “fim da história” predicado por Hegel após a queda do famoso muro, deveria ser repensado. Será? Que mudou?

O atentado contra as Torres Gêmeas, símbolo da empáfia capitalista americana/mundial, causou mínimos efeitos na sociedade global. Depois disso, passamos a retirar os sapatos antes de embarcar em um avião e essa foi a maior diferença em nosso estilo de vida. O ferido poderio americano jogou para a torcida e resolveu atacar o país onde supostamente o autor do atentado se escondia (não o país de origem de seu algoz já que está para nascer o primeiro líder americano que ataque a Arábia Saudita; nem Trump se animou a tanto) e acompanhamos todos comendo pipoca em uma depressiva tarde de domingo aquelas imagens beges de bombas levantando poeira no deserto.

Uma das primeiras reações de uma população global atual após o surto do coronavírus foi correr aos supermercados. Talvez as primeiras e mais marcantes imagens foram de australianos, “vizinhos” dos chineses, que abarrotavam seus carrinhos de supermercado com infinitos rolos de papel higiênico. Como a longínqua Austrália hoje, devido à tecnologia, fica na esquina de qualquer outro país do mundo, vimos estarrecidos e fizemos a mesma coisa. Os australianos o fizeram porque o país, enganado pela onda globalista, penhorou seu território, cultura, população e futuro aos chineses e isso inclui o papel higiênico. Simplificando a la Bolsonaro, se a China quiser, mantém a população australiana com seus bumbuns sujos pelo tempo que eles quiserem. No entanto o resto do mundo não questionou. No melhor estilo insano-moderno-140 caracteres em que vivemos, saímos todos desesperados por papel higiênico. O cálculo é fácil: se eu compro 10 pacotes de 15 rolos cada um, serão 150 rolos. Quantidade suficiente para uns dois anos de idas ao vaso sanitário. Se eu estou comprando esta quantidade, o mais provável é que meus vizinhos acabem sem ter a chance de comprar tal ferramenta. Isso vale para comida também.

Richard Branson, britânico dono de quase 5 bilhões de libras e dono da Virgin Atlantic, entre outras empresas, nem bem o coronavírus cruzou as fronteiras de Wuhan, já disse que mandaria seus três mil empregados para a casa e que precisava que o estado pagasse os salários de seus (ex) funcionários. Talvez penhorar sua ilha particular e manter seus funcionários felizes não seria uma melhor solução?

A moral da história é fácil de compreender mesmo entre os indivíduos mais obtusos. Onde está a tal fraternidade do humano dessa “nova era”? Ela não existe e um pandemia não é suficiente para modificar nossa natureza e nossos hábitos.

No Brasil houve roubo de máscaras. Superfaturamento de máscaras. Pessoas insanas sem qualquer noção sobre o tema defendendo assiduamente o uso de remédios que, dias depois, foram comprovados não apenas ineficazes, mas também nocivos aos humanos. Tudo isso somente para ganhar suas vazias discussões com amigos em redes sociais.

Ao final dessa série de horror, voltaremos para a boa e velha normalidade; normalidade essa que, com seus defeitos, nos mantém pelo menos com os pés no chão e na busca eterna da cenoura imaginária. Tem seus defeitos, mas hoje sentimos uma saudade fraternal dela. A dita “normalidade” é nossa Síndrome de Estocolmo constante que em breve voltará exatamente como a deixamos com a pequena diferença de que teremos mais mortos, esfomeados e desempregados pelo mundo afora. Porém, como diz o outro...e daí?