segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Procuração para se ofender

O novo goleiro titular do Manchester United, Onana, falhou em uma saída de jogo no confronto por fase de grupos contra o Bayern. Como de costume, o Bayern não perdoou o erro do goleiro camaronês e fez o gol que abriu caminho para a vitória alemã. Onana assumiu publicamente sua culpa e se responsabilizou pela derrota.


Esta semana, depois de conseguir um gol suado contra o Copenhagen no Old Trafford, o United concedeu um pênalti que foi o último lance do jogo já que o árbitro avisou, antes da cobrança, que o jogo terminaria ali. Onana defendeu e foi o herói. Nas redes sociais, seu colega de time, Garnacho, lhe parabenizou e colocou dois emojis de gorilas. Onana respondeu e agradeceu as palavras do colega. Fim da história.

No dia seguinte, a federação inglesa de futebol abriu um expediente para investigar o ato racista de Garnacho. Onana rapidamente saiu a público dizendo que o gorila é um símbolo de forca e que essa foi a comparação que seu amigo fez, assim como frequentemente comparamos humanos a animais como touro, cavalo, porco, leão, tigre, etc. Onana terminou sua manifestação pública dizendo estas sábias palavras: ?as pessoas não podem escolher quando eu tenho que me sentir ofendido e muito menos se ofender por mim sem me consultar?.

Vivemos em um mundo tao distorcido e distante da normalidade que já coisas como essas passam batido. O ?normal? foi demonizado e busca-se a consolidação de um novo normal, sendo que apenas um setor da sociedade tem voz para decidir e definir a tal normalidade hiper-moderna. Há alguns anos atrás um grupo de feministas conseguiu a façanha de terminar com as ?grid girls?, aquelas mulheres que ficam de pé sorrindo ao lado dos carros de Fórmula 1. Segundo a líder do grupo, o trabalho denegria a figura da mulher que era, e aí vem o clichê de sempre, transformada em um produto. Rapidamente a representante de tais mulheres saiu a público ? sem muito espaço, é verdade ? dizer as mesmas palavras que anos mais tarde Onana repetiria em Manchester: ?não se ofendam por nós?. Segundo ela, todas as modelos adoravam seu trabalho eram bem remuneradas, viajavam por todo o mundo vivendo experiências que dificilmente conseguiriam viver com outro trabalho. Além disso, todas eram maiores de idade e estavam ali por opção.

Vivemos em uma era em que parece que existe um grupo de desocupados que passa todo o dia friccionando sua zona inguinal vendo vídeos sem parar e procurando motivos para se ofender, mesmo que a as partes envolvidas, nenhuma delas tenha se sentido ofendida. É o que chamo de VAR da ofensa. São verdadeiros profissionais que ganham a vida se ofendendo por terceiros. Onde parece haver nada de irregular, nem uma mao dentro da área, nem um ato racista ou homofóbico, lá está o VAR procurando pelo em ovo.

Há três grupos que são os mais populares quando o tema é se ofender por outros: minorias raciais, mulheres e homossexuais. Há poucos meses vivemos uma situação que ganhou notoriedade e espaço midiático jamais conseguido pelo esporte em questão que, depois de alguns vídeos e verdades terem circulado mundo afora, perdeu forca e se escondeu na penumbra. Ao comemorar o título de campeão do mundo de futebol feminino, Hermoso, jogadora espanhola, recebeu um beijo inesperado do presidente da federação. Não demorou muito para grupos feministas pedirem a caveira de Rubiales e se ofenderem pela jogadora que, dias depois, apareceu dando declarações públicas corroborando toda a ofensa já manifestada anteriormente pelos ofendidos profissionais de plantão. Hermoso aproveitou para manifestar seu sofrimento e inclusive afirmou estar sofrendo consequências psicológicas devido ao ocorrido. Totalmente entendível e é aceitável o quão fácil Hermoso se traumatiza, ironias à parte.

Semanas depois alguns vídeos produzidos pelas próprias jogadores vieram a público. Gravações de celulares mostravam a reação das jogadoras e de Hermoso falando sobre a alegria do título, mas também não deixando de abordar o famoso beijo de uma forma muito...divertida. No ônibus que transportou as jogadoras ao hotel, Hermoso mostrava imagens do beijo orgulhosa e de certa forma repreendendo algumas por terem perdido tal cena em meio às comemorações. Algumas, ainda no vestiário, falavam de um suposto casamento. Hermoso, ainda não ofendida e traumatizada, dizia que todas estavam convidadas para o matrimônio em Ibiza e, em seguida, todas gritavam em coro o nome de tal destino espanhol. Toda essa alegria pelo suposto romance e futuro casamento ruiu de um dia para o outro. O que um dia antes era motivo de brincadeiras, no outro dia se transformou em caras chorosas e reclamações de abuso. Entendo que Hermoso poderia ter se sentido ofendida pelo beijo, mas por que houve esse atraso em se ofender? Por que não evitou o beijo? Estava cercada por milhares de pessoas e ao vivo para toda a meia-dúzia de pessoas que assistiu a final. Por que fez brincadeiras com as amigas sobre o ósculo, algo tao repudiável e ofensivo? Por que mostrava orgulhosa o vídeo para àquelas que tinham perdido algo que certamente causou mais interesse midiático que o próprio torneio de futebol feminino? Não sei. Talvez Hermoso se deu conta, depois de ouvir as profissionais em se ofender, que deveria ela, como protagonista, também se ofender. Diferentemente de Onana, Hermoso aceitou que escolhessem com que ela deveria se ofender.

Por que os grupos feministas e ofendidistas não escolhem temas mais relevantes para ajudar, se ofender ou abrir os olhos daqueles que deveriam estar ofendidos, mas não estão? Realmente merece tanta dedicação protestar por pagamentos iguais a jogadores de futebol homens e mulheres passando por cima de uma lógica óbvia do livre mercado de oferta e demanda? O futebol masculino paga valores pornográficos a seus atletas pelo simples motivo de que produz tal capital que permite pagar tais salários. É o esporte mais visto e consumido do planeta. Ninguém vê futebol feminino exceto se for por obrigação para evitar mal estar social. No entanto, devem receber os mesmos valores. Embora não gerem nem 1% do que geram os varões. Mas deve ser assim porque sim. Clubes privados devem ser obrigados pelo estado a pagarem o mesmo que pagam a Messi para a melhor jogadora de futebol feminino, alguém que ninguém tem a mínima ideia de quem é. Nunca escutei de um jogador da segunda divisão do Congo pedir o mesmo salário do Messi. Certamente ele entende as regras do jogo/mercado. Por que não exigir que médicos e enfermeiros ganhem o mesmo? Políticos e professores? Insisto que se escolhem mal os temas para protestar.

E não é somente o tema e sim o público em questão. Por que ao invés de chorar por receber o mesmo que os homens, as atletas femininas não protestam pelo direito de mulheres iranianas irem a um estádio de futebol? Não digo nem que protestem para que joguem, simplesmente para que possam ir e ver um espetáculo sem serem condenadas a apedrejamento. Por que não protestar contra os mal tratos às mulheres no mundo islâmico? Por que não protestar pelo mutilação genital, ato comum na maioria das sociedades islâmicas? Por que não escolher os ?assassinatos por honra? em que os próprios familiares matam uma mulher que feriu a honra da família como motivo ? justo ? para protestar? Protestar por um beijo à senhorita Hermoso? Por favor, deem-me um tempo.

Escolhem-se caras. São dois pesos e duas medidas. Vende-se a ideia de que todo o mundo ocidental é racista e ignora-se que essa zona do mundo é a que melhor trata suas minorias raciais e homossexuais. Em Uganda, homossexualismo é crime. No mundo árabe, sao condenados à morte. Enquanto isso se proíbe alguém de apresentar um evento nos Estados Unidos porque, décadas atrás, este fez um comentário homofóbico. Não, ele não matou um homossexual, não apedrejou nem privou da liberdade: foi um comentário, uma piada de mal gosto ou de bom gosto, nada mais. O VAR da ofensa escolhe as caras. A dedo. É covarde. É como um bully numa escola. Nenhum bully vai atazanar a vida de um aluno mais velho ou mais forte. Sempre é alguém menor e mais frágil. Os bullies, assim como os membros da guarda imperial do VAR, sabem com que podem e não podem se meter. Que tal um protesto no centro de Riad a favor das mulheres sauditas? Ou uma marcha por Kabul? Melhor usar estas energias protestando por Hermoso, condenando o facínora Rubiales, deixando a família saudita ou Bashar Al Assad de lado e lutando pelos direitos de Alexia Putellas de, em vez de ter 5 milhões de dólares na sua conta, ter 600 milhões como Messi.

Ah, para quem não sabe, Putellas é a melhor jogadora do mundo feminino na atualidade. Obrigado Google porque acho tu és o único que sabia isso.