sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

El Diego

 



2020 foi o pior ano para a humanidade desde que eu me conheço por gente. Falando de mim, a pandemia não me causou problemas maiores, ainda mais se me comparo com outras pessoas que enfrentaram inúmeros problemas. Mas, igualmente, 2020 foi o pior ano da minha vida, não pelo coronavírus senão pelo falecimento de minha vó e, também, pela morte del Diego.

Sempre disse que jamais tive ídolos. A palavra ídolo faz parte da família de outras palavras como “idealizar”, “ideal” e eu considero idealizar algum ser humano um erro e considero que o adjetivo “ideal” é demasiadamente aberto a interpretações. Consequentemente, afirmo que jamais tive ídolos.

Maradona foi, talvez, o mais próximo de um ídolo para mim. A minha “relação” com el Diegote começou na infância quando o amor pelo futebol começou a despertar em mim devido à influência do meu pai e, também, em menor escala, do meu avô.

A primeira Copa do Mundo que tive noção da existência foi, talvez, a pior de todas as copas do ponto de vista técnico: Itália 1990. Eu estava recém tentando entender como aquele mesmo jogo que eu jogava com meus amigos no pátio da escola e com meu pai e irmão no corredor do nosso apartamento poderia ser algo tão maior e inimaginável. Meu pai, sempre disposto a explicar seja qual fosse o tema para mim, era a minha única fonte de informações. O que ele dizia eu encarava como um dogma. Meu pai, naquela época, me falava basicamente de dois jogadores: Romário e Maradona. Eu, ingenuamente, tinha Valdo, craque do Grêmio do final dos anos 80, como o limite de destreza futebolística de um jogador profissional. Sinceramente, aos oito anos de idade um jogo de 90 minutos parecia-me eterno e não conseguia manter a atenção por muitos minutos seguidos. No entanto, sabia do talento de Valdo.

O Romário e o Maradona são tão bons como o Valdo? Meu pai apenas ria e, com paciência, tentava explicar que eram outra coisa, outro patamar. Dizia meu pai que Romário era o melhor de todos e que estava feliz que este não chegaria em forma ideal à copa já que meu velho sempre secou a seleção brasileira e temia o extremado talento do baixinho. Quando eu questionava sobre o outro baixinho, o rebelde, polêmico, extravagante, do país vizinho, meu pai apenas dizia: não, esse é outra história, é realmente o melhor que eu já vi, navega por outras águas.

Quem era Maradona? Era um então jogador do Napoli que fazia com que meu pai, na época com não mais de cinco canais, ligasse a televisão todos os domingos de manhã na Bandeirantes para vê-lo jogar. Eu olhava de soslaio e não achava muita graça, mas igualmente a atração por aquele simples jogador começava a me intrigar. Lembro que me chamava a atenção como el Diego apanhava.

O primeiro jogo de futebol que eu lembro onde tê-lo visto foi na sala dos meus avós em Ipanema em uma televisão vanguardista para a época. Lembro perfeitamente que vi apenas flashes do jogo que, repito, ainda não conseguia manter-me atento por muitos minutos. Tinha coisas melhores para fazer na imensidão do pátio de Ipanema numa tarde de domingo, último dia de meus tradicionais fins de semana com os saudosos avós. Provavelmente estava também a minha prima, meu irmão, ou seja, havia coisas mais interessantes para fazer do que aguentar 90 minutos com minhas energias em marasmo.

A Argentina ganhou. 1x0, gol de Caniggia. No entanto, poucos falavam de Caniggia e muito menos do Valdo que jogou essa copa e esse jogo. Os adultos da minha família apenas falavam de Maradona e de Dunga. O segundo por não ser capaz de parar o primeiro nem com falta e o primeiro, bem, o primeiro...todos falavam da tal jogada.

Demorei mais de uma década para ver a tal jogada. Na época, não seria necessário dizer, não havia muitas opções para ver um gol, uma jogada. Ou assistiam-se os programas esportivos ou jamais se poderia ver o que fora perdido ao vivo. Não vi. Passaram anos. Lembro vivamente do meu constrangimento quando escutava comentários sobre a jogada. Menti. Disse que havia visto. Não poderia ser o único que não tinha visto.

Em toda essa década, pensei nessa jogada. Como teria sido? E o autor, quem é? Quem era Maradona?

Jorge Valdano uma vez disse: “o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes”. Os meus quatro leitores sabem do meu fanatismo por futebol. A falta de concentração para seguir 90 minutos de bola rolando hoje podem ser três ou quatro jogos no mesmo dia. Submeti-me a uma operação desnecessária para poder voltar a chutar uma bola. O futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes da minha vida.

Nem todos sabem quem era realmente Diego ou melhor, o que era. Escutei comentários manifestando surpresa pelo que sucedeu depois de sua morte, mais especificamente nas ruas argentinas e nas de Nápoles. Para mim Maradona foi a maior personagem da história. Exagero? Talvez. Mas alguns fatos tornam a minha afirmação algo menos descabido do que parece. Algum Beatle disse que a banda era mais famosa que Jesus Cristo. Pois Diego é mais famoso que os Beatles e, por muitos, mais adorado que Jesus Cristo.

A Copa de 1994 me pegou em uma época onde eu, aos meus 12 anos, jurava, de pés juntos, que nada era mais importante que futebol. Caso perguntado à época sobre a afirmação de Valdano, o teria corrigido afirmando com a típica audácia infantil que o futebol era a coisa mais importante e ponto final. Desde 1994 eu vejo todos os jogos de todas as copas. E foi nessa copa que reapareceu aquele ser que tanto me intrigava: Maradona.

Meu pai, aos poucos, ia me contando sobre as peripécias da vida de Diego. Quando fiquei sabendo que ele estaria na copa de 1994 me surpreendi: ingenuamente achei que era apenas um jogador de futebol que havia desaparecido e que voltava para dar o seu último susto como um fantasma de filme de domingo à tarde. A seleção argentina de 1994 era, disparada, a melhor do certame. Do meio para frente jogava com Redondo, Simeone, Caniggia, Batistuta, Balbo e...Maradona. Sim, com a 10. Poderia, enfim, vê-lo jogar já entendo bastante mais do jogo e da personagem em questão.

Enquanto Maradona esteve na copa, vivi em êxtase tamanha qualidade. Dele e do resto do time. O gol contra a Grécia. A jogada. A definição de Diego. O grito furioso para as câmeras. E, vale salientar, que Maradona ainda era um jogador de futebol para mim. O melhor, mas apenas um jogador. Humano. Fiquei destroçado com o desfecho da história e minha tia Tânia me consolou me dando uma camisa da Argentina que mandei para uma costureira amiga da minha vó bordar atrás “MARADONA”. Guardo-a até hoje.

Passaram mais anos e meu interesse pela figura Maradona, pelo mito Maradona, pela lenda Maradona foi aumentando diretamente proporcional à evolução tecnológica que me permitia ver e saber mais sobre sua vida. Apareceu a televisão a cabo e consequentemente os canais argentinos. E, em seguida, a internet.

Passei a ser um “historiador” do mito Maradona. Hoje, já passados mais de vinte anos da copa de 1994, posso dizer que sei muito sobre a vida do mito. Tudo, impossível. Mas sei o bastante para me impressionar com a grandiosidade de um ser humano que de humano tinha tudo e muito pouco.

Desde a morte de minha vó e de Maradona, todos os sonhos que tive e posso lembrar contavam com algum dos dois ou ambos envolvidos, pois, como alguns sabem, minha avó também me acompanhava nessa admiração por Diego. O que gerou Maradona jamais outro ser humano foi capaz de gerar. Num país tão católico como a Itália, milhares de pessoas peregrinavam à casa de Diego em cima de uma colina em plena noite de Natal empunhando taças de champanhe para brindar com ele que, por sua vez, aparecia na sacada da casa, brindava e lançava panetones.

Maradona era tango, era o pibe sem regras, imparável. Poucos sabem, mas a primeira Ferrari preta foi produzida para ele. O conservador Enzo Ferrari, fundador da empresa, quase agrediu o empresário de Diego quando este disse que o então campeão do mundo e 10 do Napoli queria uma Ferrari, mas que tinha que ser...nera. Como era para Diego, Enzo cedeu.

Em uma excursão à África, ao aterrissar na Costa do Marfim, ouviu-se um barulho depois de alguns minutos e era simplesmente uma multidão que invadiu a pista e cercou o avião da delegação argentina e tudo isso em uma época pré-internet. Diz a lenda que até em cima da asa havia fanáticos locais ensandecidos.

Em um encontro com o papa João Paulo, há uma foto em que se vê Vossa Santidade em um canto e toda uma multidão fixamente mirando a Diego. E isso não foi o mais absurdo do ato. Ao invés de Diego beijar a mão do papa, o papa beijou a sua mão.

Ao morrer por cerca de dez minutos em Punta del Este, quando voltou à vida, abriu os olhos e convidou o seu amigo e empresário da época Guillermo Cóppola a ir comer um bife à milanesa com batatas fritas para a surpresa de todos os presentes incluindo os médicos que diziam ser impossível que um ser humano voltasse consciente desde o “outro lado”. Vale mencionar a relação de seu amigo que, trêmulo, respondeu: “pero te acabaste de morir, pelotudo!”

Sua filha mais velha um dia lhe comentou que adorava os carros Mini Cooper. No outro dia, no pátio da casa, enrolado em papel de presente estava um Mini Cooper. A menina, em uma mescla de estupor e felicidade lhe disse: “mas pai, eu só tenho 12 anos”.

Quando foi com a delegação argentina jogar um amistoso em Israel, foram visitar o Muros das Lamentações e, pela primeira e única vez, os rabinos ortodoxos abandonaram suas preces e foram vê-lo.

Maradona não tinha regras, não respeitava regras e fazia com que tudo ao seu redor se desprendesse de qualquer norma ou normalidade.

Mito. Maradona, desde os 15 anos, ao mesmo tempo em que se tornou “pai” de toda a sua vasta e miserável família, deixou de ser um humano qualquer com direitos e deveres. Passou a ser algo mais. Enquanto a maioria das pessoas se queixa por ter tido que passar muito tempo trancada dentro de casa durante esse fatídico ano, Maradona viveu uma “quarentena” desde os seus 15 anos quando estreou no futebol profissional dando uma caneta num adversário em seu primeiro toque na bola e, assim, permaneceu até os seus últimos, solitários e tristes dias. Maradona jamais pôde sair de casa. Jamais pôde ir a um restaurante. Maradona morreu sem ter ido ao cinema jamais. Há relatos de que pessoas quebravam as janelas de recintos onde ele estivesse para tocá-lo, vê-lo. Maradona morreu jovem, mas esses 60 anos foram 200 anos, algo demasiado pesado para alguém que era humano e que, ao mesmo tempo em que tinha uma vida artificial e longe do humanismo, uma vez, caminhando em uma pacata cidade suíça acompanhado por um jornalista amigo que inclusive escreveu uma de suas biografias, notou que pouco era importunado. O jornalista, após o comentário do perplexo Diego lhe disse que talvez seria, então, um lugar perfeito para ele morar. Maradona sorriu e lhe respondeu que depois do segundo dia cometeria o suicídio. O apego à fama, à loucura, à vida anormal foi o primeiro vício de Diego.

Sim. Apesar de ser alcunhado por muitos como “Deus”, ter santuários em sua honra e até uma igreja maradoniana, Maradona era mais humano que a grande maioria dos mortais, incluindo os que o veneram. Maradona era generoso, adorado por todos os seus companheiros e pelas pessoas que tiveram a chance de conhecê-lo um pouco melhor. Maradona era sensível, de choro fácil. Maradona não era Deus, era um dos filhos dele: cheio de defeitos; pecador. Tramposo, provocador, contraditório, mulherengo, irresponsável, cedeu a muitíssimas tentações, mordia a maçã com mais frequência que os seus seguidores e difamadores.

Talvez a pior tentação que o perseguiu foi a cocaína. Inúmeras vezes Diego, com um ar nostálgico, com uma mistura de ingredientes como arrependimento, desolação e ternura lançava a pergunta sem resposta: que jogador eu teria sido se não tivesse usado cocaína? E complementava, taciturno: que jogador o mundo perdeu a oportunidade de ver.

Maradona jogou apenas 491 jogos profissionais. Numa busca insana, já consegui ver mais de 300 jogos completos de Diego e sempre digo que ver um jogo completo é um prazer infinitamente maior do que ver apenas lances de sua genialidade. Há poucos dias consegui um jogo dele numa periferia de Belgrado. Chegou aos seus ouvidos que uma família precisava de ajuda para pagar o tratamento de uma criança. O Napoli negou a participação dos seus jogadores nesse jogo beneficente, mas Diego não tinha regras. Foi. Jogou na lama, jogou como uma final de Copa do Mundo e foi mais Diego e mais humano do que nunca.

A relação de Diego com a bola era de amor. Como ele bem disse em sua festa de despedida, “la pelota no se mancha”. Nos seus pés a bola desfrutava, gozava, se retorcia de amor e até dormia. Adorava-o. A discussão de quem foi o melhor é aberta. Gosto cada um tem o seu. Para mim, considerando todas as variáveis possíveis, Messi foi ainda maior que Diego e isso devido à sua constância, trajetória e foco no futebol. Não obstante, tecnicamente falando, esteticamente, saindo do frio da análise pragmática, Maradona foi o que teve a relação mais exuberante com a bola, o que mais a adorou, um dos poucos que a colocou por cima de outras importantes relações da vida de qualquer humano: família, amigos, vida pessoal. Diego contrariava Valdano e punha o futebol como a coisa mais importante de todas e ia ainda mais além: a bola estava no topo de tudo, do mundo, do seu mundo, de sua loucura.

Eu, depois de tantos anos, afirmo que prefiro ainda mais o mito Maradona que o jogador Maradona. Craques sempre existiram e sempre existirão. Como el pibe de oro, jamais; no entanto seguem nascendo, existindo, desfilando. No entanto mitos, bom, mitos, apesar da atual vulgarização do significado da palavra, mitos são raros, aparecem a cada novo século, milênio, vá saber. Sempre fui contra a carreira de Maradona como técnico, pois o colocava sob análise, era exigido, era tratado como um humano, cobrado. Maradona não poderia mais estar entre os mortais com um trabalho de mortais. Maradona estava por cima de tudo e de todos. Não há, na história, alguém que, sempre que abria a boca, deixava uma frase que poderia terminar em uma camiseta, em uma tatuagem. Uma bíblia não seria suficientemente grande para registrar todas as suas frases, suas proezas. O clichê de que todos somos iguais é uma falácia e o mito Maradona ajuda a desconstruir essa ideia errônea.

Mitos morrem? Jamais. Maradona apenas desapareceu fisicamente, mas seguirá eternamente nos imaginários de todos. Teve, felizmente, a despedida mais real e humana que merecia sendo técnico do Gimnasia e sendo ovacionado em todos os estádios argentinos em vida até que a praga moderna resolveu dar as caras e, consequentemente, ajudou bastante a empurrar Diego para a depressão de seus últimos dias. Os tronos que eram instalados nos estádios para recebê-lo se tornaram ornamentos inúteis. Pessoas morrem e se tornam mitos enquanto Diego já gozava de tal título. Finalmente irá descansar dando um golpe duro à infância, aos imaginários de muitos como eu. Diego, nos seus últimos dias sentia falta de seus pais. Sentia uma insana e inatural vontade de ser filho outra vez, depois de tantas décadas sendo o “pai” de seus pais, de seus filhos, de seus irmãos, de amigos e de outros tantos. Maradona já queria morrer.

Minha teoria sobre a figura de Jesus Cristo é polêmica, mas compreendida por muitos. Analiso Jesus do ponto de vista histórico. Judeu, filho bastardo, foi obrigado a fugir de casa para evitar o escândalo. Enamorou-se de uma prostituta. Ganhou a vida como profeta. Tinha a clássica inteligência superior do povo judeu, bom discurso, era bonito, atrativo, gerava fascinação em quem o via. Lutou pelos desprovidos, distribuiu alimentos aos que não tinham. Ganhou inimigos e terminou sofrendo o pior dos castigos. Posteriormente, foi chamado de salvador, algo que nunca entendi. Maradona não foi Deus, longe disso. Maradona foi mais um jesus. Deu alegria a muitos. Lutou pelos excluídos do sul da Itália, ajudou quem pôde, caiu na tentação sem livrar-se, jamais, do mal que, segundo o próprio, sempre esteve dentro dele e somente ele sabia os arrependimentos e dores que queimavam seu interior. Grande orador e possuidor de uma espécie de misticismo que fazia com que sua simples presença paralisasse a tudo e a todos por alguns segundos. E, assim como Jesus Cristo, nos salvou de absolutamente nada.

Maradona queria apenas jogar uma Copa do Mundo e ser campeão. Jogou, ganhou, foi o melhor e fez o gol mais espetacular e o gol mais polêmico de todos os tempos dando uma demonstração de duas de suas principais facetas: o Maradona artista, gênio, Deus; e o Maradona tramposo, pecador, humano, Jesus Cristo.

Apesar de provavelmente nunca ter sido uma pessoa feliz, gera, na maioria das pessoas, graça, arranca um sorriso quando nele se pensa. Até o seu último adeus foi um causador de rebuliços, distúrbios, caos, vide o velório mais imenso, bizarro e dramático da história.

Um beijo eterno de um grande admirador. AD10S.

https://www.youtube.com/watch?v=XwToXtOPsGQ&t=3s

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Nunca

 Não tenho o hábito de mandar felicitações públicas, mas também jamais critiquei quem o faz. De certa forma, é uma possibilidade de unir pessoas ao redor de um acontecimento que pode ser importante para um pequeno coletivo de pessoas. Em épocas pandêmicas ou devido à distância geográfica, funciona como uma alternativa à ausência do estar junto.

Minha vó não tinha um smartphone e muito menos redes sociais. No entanto, frequentemente meus textos chegavam às suas mãos. Havia, lá fora, um exército de agentes que os encontravam e os filtravam para saber se cumpriam requisitos para causar interesse a essa leitora. Algumas vezes meus textos foram impressos e entregues para regozijo desta.

Qualquer coisa que eu escrevesse ou produzisse, muito provavelmente seria de interesse de minha vó. Eu não escrevo e nunca escrevi para ser lido. Escrevo porque gosto de ler meus pensamentos e opiniões. Mais ainda quando é depois de algum período relevante ter transcorrido. Deparei-me, algumas vezes, com textos que escrevi há bastante tempo e é sempre curioso ver as temáticas outrora abordadas e as sutis mudanças de opiniões. Mas, se estivesse em busca de reconhecimento e admiração, minha vó seria a leitora escolhida. Certamente, apesar de admirar muitas outras pessoas e por diferentes motivos, ela é a pessoa que mais me admirou em toda a minha vida. Sempre me colocou em um pedestal que eu, nem ninguém, teria os méritos suficientes para estar. Certa vez, com certo receio, me disse que achava que eu era gay por ser tão bonito. Não era por um comportamento afeminado que acredito que jamais tive; senão por eu possuir um excesso de beleza. Sou tão bonito assim? Os gays são mais bonitos que os heterossexuais? Eu responderia que não às duas indagações, mas esse era o raciocínio dela e quem sou eu para tentar encontrar a lógica que poucas vezes, ou quase nunca, essa vida nos oferece.

Há um mês foi o aniversário de 87 anos dela. O último.

Diferentemente dela, talvez jamais tenha dito o quão bonita ela era. Desde a sua juventude até cada vez que voltava a vê-la em minha tradicional visita anual. Havia diferenças de beleza com o passar das décadas, mas ela sempre estava. Minha vó tinha 49 anos quando eu nasci, não muito mais do que o número de anos que eu tenho agora. E, considerando que não fui o primeiro neto, ela já detinha o título de avó desde a metade de sua quarta década de vida. Lamento profundamente essa nova tendência de ter filhos mais velhos que impera atualmente. Evidentemente tem inúmeras vantagens, mas os pais atuais privam seus filhos da melhor das relações que eles poderão ter em suas vidas que é a relação neto-avós. Sinto-me muito abençoado por ter tido a chance de, apesar de não ter conhecido dois de meus avós, poder ter convivido com uma intensidade de tempo/sentimento invejáveis com os dois que eu tive. Histórias juntas não faltam e jamais serão esquecidas.

Minha vó não poderia ser definida como a típica senhora que adora a tudo e a todos. Não vou ser manipulado pela dor recente e dizer que foi a melhor pessoas que já conheci, posto que ocupa a minha tia Thaís e a Dinda. Minha vó não gostava de cachorros, gatos ou de crianças, sim, de crianças. Seguidamente repete que crianças como os seus filhos e netos jamais existirão sequer parecidos. Será verdade que, entre 7 bilhões de seres humanos que já foram ou seguem sendo crianças que habitam esse planeta, fomos as únicas crianças com méritos suficientes para serem queridas? Como ela não gostava muito de ser contrariada vou ter que concordar sempre lamentando um pouco não ter dado um bisneto a ela para que esse grupo exclusivo de cinco pessoas fosse inchado um pouco mais. Porque claro, se o filho fosse do Eduardo...

Era, sim, uma pessoa que, com o seu ciclo próximo, se tornava a melhor pessoa do mundo.

Tínhamos muitas coisas em comum. Jamais brigamos. Ela nunca me criticou em toda a vida e foi sempre a pessoa que mais me mimou. Sempre que ela não gostava de algo que eu admiro, tentava passar a gostar ou relativizava. Tinha pavor ao som de guitarras, mas, quando mostrei meus vídeos e fotos dos shows dos Rolling Stones em que fui, ela suavizava dizendo, timidamente, que não gosta “muito” da música, mas que, apesar de serem muito feios, entram na galeria de “fantásticos” dela.

Nunca dediquei um texto exclusivamente a ela. Nem a ninguém. Arrependo-me agora que ela não está mais entre nós? Em absoluto. Poderia me arrepender de qualquer coisa em relação a ela? Jamais. Na visão dela fui perfeito e ela sempre foi a minha vó, com seus defeitos, pois eu sim, numa audácia juvenil, os via, mas sempre desfrutamos o fato de estarmos juntos, seja ela me carregando no colo ou nós, há um ano e meio atrás, vendo juntos, lado a lado, algum jogo de futebol. Com certeza hoje meu irmão e amigos entenderão minhas negativas de dormir em suas residências. Meus dias com ela eram poucos e a vida, de certa forma, a cada nova ruga, ia avisando que isso não duraria para sempre. Eu apenas fazia de conta que não entendia as mensagens, mas, no fundo, as registrava. E as temia.

Há alguns anos, em uma de minhas visitas anuais, a convidei para ir ao cinema. O filme era “La piel que habito”. Convenci-a a ir argumentando que o ator principal era o Antonio Banderas, um de seus “bonitões”. Sabia apenas isso e que o diretor era o Pedro Almodóvar. Para mim isso era suficiente. O que não sabia era que o filme era bastante mais pesado do que eu poderia imaginar. Não costumo pesquisar muito sobre os filmes antes de vê-los, ainda mais sendo filme do Almodóvar em quem eu confio no taco. Excelente obra, mas que só consegui desfrutar plenamente quando voltei a ver. Durante a sessão somente pensava no que estaria passando pela cabeça dela. Ao final, acenderam-se as luzes, ela me olhou, sorriu e disse: “É...uma loucura, mas bom hein?”

A vó era algo perdido entre o samba e o tango. Uma ponte aérea entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires. Tinha sua malícia carioca que se emaranhava com seu dramatismo porteño. Maliciosamente um dia me disse: tu sabes tudo, deves saber isso também...por que o Messi, após cada gol, aponta para o céu? Eu, obviamente, sabia e, para quem não sabe e não quer perder tempo googleando, ele dedica todos os seus gols à sua falecida avó que não chegou a vê-lo jogar profissionalmente. Que perda. Para o Messi.

Que queria a dona Beatriz conseguir com essa pergunta? Em um momento de corporativismo de avó queria reconhecimento para o poder inigualável que essas têm para com os seus netos?

Disse a ela que, se ela quisesse, eu poderia começar a dedicar todos os meus gols no videogame e nos meus jogos de domingo a ela. Como sempre, modesta, disse que eu deveria era dedicar os gols à Marcela.

Dedicar meus gols jogando FIFA ou os que faço jogando aos domingos seria pouco. Pouco para a magnitude dessa pessoa. Uma pessoa que sempre esteve ao meu lado em todos os momentos sendo a pessoa mais estável da minha vida. Os gols “um pouco” mais importantes que o Messi dedica à sua também devem ser pouco. Pessoa que passava horas a fio me fazendo massagens e cafuné. Quando as articulações das suas mãos se engrunhiam eu apenas dizia “continua...” e lá ia ela outra vez.

Ela me fez, sempre, ter a certeza de que eu era o neto favorito, mas, hoje, passados os anos, suspeito que ela, com sua malícia carioca e sua dramatização porteña, fez com que os outros dois sentissem a mesma coisa. A cada visita minha ela perguntava, cerca de seiscentas vezes ao meu irmão a data exata da minha chegada. Anotava em seu caderno telefônico com mais pessoas mortas que vivas e, mais ou menos dois meses antes, começava os preparativos. 15 ambrosias, em média, eram feitas e devoradas pelo tio Zé até a minha chegada.

Transformava os meus inúmeros defeitos em qualidades e, do alto de sua humildade, sempre atendia as minhas ligações em seus aniversários, até o último, dizendo: ah Dudu, tu nunca esqueces! Como seu eu pudesse ter o direito se esquecer. Eu era, talvez, a pessoa que ela mais admirava nessa vida, ou pelo menos isso ela me fazia perceber. Entre todas as personalidades que ela alcunhava de “fantásticos”, eu parecia ser o mais de todos sendo um dos motivos para tal título algo tão pequeno como sempre ligar para ela nos seus aniversários. Essa era a lógica dela, e não julguemos a lógica dos demais já que, uma das preocupações dela era que, se a humanidade seguisse falando tanto em dinossauros e fazendo tantos filmes sobre isso, esses “bichos nojentos” algum dia iriam voltar. Questão de lógica.

A distância da Bea sempre foi a maior dificuldade minha em morar longe. Pensei que ter morado na Inglaterra ou viajado para a Nova Zelândia seria o mais longe que eu poderia estar dela. No entanto, agora, estamos mais longes do que nunca. Ou mais próximos? O avião e a viagem desgastante não são mais necessários. Agora, quando quero falar com ela, simplesmente penso nela. Vejo suas fotos e lembro de histórias que, felizmente, serão suficientes para mais tempo do que eu passarei por esses lados.

Assusta-me apenas ser igual a ela e marejar os olhos a cada vez que falava de seus pais, mortos, obviamente, há décadas. Gostaria de ter a fé do Messi e poder acreditar que ela está aí em cima de olho no que o “guri impossível que não perdoa e que sempre está pegando no meu pé” anda fazendo.

Incomodei muito a Bea. Desde boladas de propósito na janela dela para assustá-la até as tais pegações no pé que ela sempre, feliz, mencionava. Como dizia a minha mãe, enquanto mais o Eduardo “toreia” ela, mais ela gosta, que nem era com o tio Ayrton”. É verdade. Muitas vezes ela vinha e me contava, de frente, algo que fez e que sabia que eu ia pegar no pé dela. Gostava.

Descanse Bea, já nunca mais vou pegar no teu pé. Apenas te critico pela última vez por me ensinar o significado da palavra “nunca” de uma forma tão abrupta. Poderias ter me esperado. Ou essa praga poderia ter escolhido outro ano para dar o ar da graça.

Seguirei com a tua imagem caminhando no calçadão entre os teus dois irmãos enquanto eu passava correndo e gritava qualquer coisa. Ou, voltando mais no tempo, vendo tu brigando com as abelhas ao colher cachos de uva de nossa parreira para baldes e mais baldes de suco ou para cucas, sem caroço de uva porque, senão, o Dudu não comia.

domingo, 4 de outubro de 2020

Os Meus Colegas

Sou uma pessoa nostálgica. Extremamente. Xiita. Não sei se foi o passar do tempo, obviamente concomitante com os anos que vamos todos empilhando em nosso currículo/imaginário que também possivelmente foi agudizado com os tantos anos morando fora, não por opção, mas por armadilhas do coração com perdão pelo momento/expressão digno de uma pouca original canção de Fábio Júnior. O fato é que sou nostálgico e me impressiona como os demais podem não o ser.

Nunca em minha vida escutei Belchior. Até alguns anos atrás era apenas um artista que sabia que havia existido. Passou de ser um artista que habitou esse planeta há algumas décadas a ser um artista de bigode e, hoje em dia, fiquei sabendo sobre o final pouco ortodoxo de sua vida. Não saberia citar o nome de nenhuma composição sua sequer. No entanto, através de meu intenso e incansável desejo de aprender/conhecer, li sobre sua vida.

Belchior, li, escreveu inúmeras músicas. Em uma coluna que li, algumas letras foram reproduzidas. Letras que aguçaram a já aguda necessidade minha de estar, ficar em um passado que já não existe mais. Voltar. Nunca as escutei e, nesse exato momento, lutando contra a instabilidade de minha internet em um dia chuvoso e solitário, decidi colocar, pausando e freando o meu cada vez mais pesado e preguiçoso estímulo para colocar pensamentos que gostaria de ver escrito para, passados alguns outros anos e décadas, quando essa nostalgia estiver ainda mais lancinante, minha memória mais desgastada e as pessoas da minha vida cada vez mais abstratas, poder ler e lembrar.

Após escutar um pouco de Belchior, menciono outra obra que passei quase quatro décadas sem dar valor: O Portão. Minha avó sempre foi fã do rei, mas a frivolidade da infância e a rebeldia/egocentrismo da adolescência jamais me permitiram parar e não somente ouvir, mas também escutar a mencionada canção. A letra fala basicamente do momento de voltar, voltar fisicamente a um lugar que sempre foi seu. Mas não terá sido o seu somente no passado. Será, sempre, o seu. A letra, ao mesmo tempo, instiga a dor daquele que quer voltar não ao lugar, mas à época e isso é impossível.

A cada vez que volto para Porto Alegre, religiosamente uma vez por ano, sinto que, dentro de minha intenção, volto porque quero voltar a algo mais do que somente ao lugar que já tampouco existe mais. O portão da casa de meus avós hoje em dia é um muro de mais de dois metros de altura e a grande maioria dos lugares que eram importantes para mim já não existem mais ou estão tão modificados que deixaram de ser esses lugares. Voltar é um desejo fácil, mas impossível, porque o que se quer já se esconde timidamente em nossos imaginários.

Durante minha adolescência tinha o hábito de gravar coisas: programas de televisão, jogos de futebol, shows, entre outros. Gravava-os em fitas VHS. Quando me mudei de minha saudosa casa de Ipanema, joguei todas as fitas fora, pois o saber que todos esses materiais estão a um clique de meus olhos, julguei que seriam somente objetos a ocupar espaços. A única fita que guardei foi a da minha formatura do colégio em 1999. Sempre achei que tinha sido 1998, não sei por quê. Tinha assistido uma vez apenas e foi quando me entregaram, ou seja, no mesmo ano da formatura. Sempre a mantive aí, pois tinha a ideia de digitalizá-la e voltar a ver. Felizmente demorei tanto tempo para voltar a assistir. Durante a quarentena descobri uma livraria que fazia o trabalho de digitalizações e, finalmente, pude ver outra vez. Digo felizmente, pois o tempo decorrido fez com que essas imagens, essas personagens, se tornassem ainda mais fictícias, distantes e fantásticas ao mesmo tempo.

A primeira parte do vídeo mostra alguns dos formandos e outros convidados sentados à beira da piscina da minha ex-colega Camila Trindade. Lembro como se fosse hoje. Observo as expressões de todos como se fosse um adulto observando um grupo maravilhoso de jovens. Não há áudio na grande maioria dessas filmagens iniciais. No lugar do áudio local, soavam canções da época como Mmmbop do Hanson. Daria o que fosse para saber sobre o que falávamos, sobre o que conversávamos naqueles momentos, o que passava por nossas cabeças que juravam que muito sabiam, mas quase nada sabíamos.

Ao observar as imagens fui percebendo algo difícil de encontrar em qualquer grupo humano, mais ainda em tempos de divisões que fazem com que pessoas percam amizades por defender ou criticar esse ou aquele político, pessoas essas que nem conhecemos. O meu grupo era conformado por pessoas muito diferentes entre elas. Obviamente havia colegas com mais afinidade com esse ou aquele, mas todos, sem exceção, sentiam um carinho, respeito, admiração, afeto pelos demais. Nosso grupo era pequeno. Como nós bem dizíamos, estudávamos numa casa. O Saint-Exupèry, tão criticado por nós em épocas que tínhamos certeza de tudo saber, foi o melhor colégio que eu estudei. Enquanto alguns pensavam que mais disciplina e intensidade acadêmica eram necessários, eu cada vez mais confirmo que o clima relaxado do nosso colégio seria o que eu gostaria para um filho caso filho tivesse. A vida adulta é suficientemente longa e recheada de preocupações, aflições e dificuldades. Para que transformar esse período mágico e irrepetível em um prelúdio da vida de responsabilidades?

Quanta amabilidade, quanto companheirismo. Mesmo colegas que não eram muito próximos a mim eu guardo, até hoje, um imenso carinho. Pouca relação tive com a Ana Trevisan, por exemplo. No entanto, o que guardo dela como o que ficou foi SEMPRE me cumprimentar pelas manhãs com um sorriso e um gesto amável. Além disso sua beleza sempre me impressionou e dizia a amigos de fora da escola que estudava com uma das gurias mais lindas desse mundo. A Débora também não era a pessoa mais próxima a mim. Lembro de minha surpresa quando esta foi receber seu diploma ao som de uma de minhas bandas favoritas. Não sabia que ela também gostava de The Doors, mas, se tivesse que associar um adjetivo à Débora, este seria bondade pura. Mário Fabretti, outro que não era dos meus amigos mais próximos, mas é outra pessoa que sempre tive um enorme respeito e um grande carinho. Querido por todos, pessoa boa, lembro de uma vez em que o encontrei com a roupa manchada de sangue na esquina das escadas do colégio. Seu olhar assustado apenas me desferiu uma frase: “Peruca, caguei, que merda, caguei”. Nunca esqueci. Minutos depois descobri que ele tinha acabado de dar uma surra num pobre adversário que não lembro quem era. Lembro que usava piercing no nariz e isso causou o sangue excessivo. Acontece.

Talvez três integrantes do nosso grupo poderiam ser considerados os pilares do grupo: Mariana, Tolotti e Daniel. Entre tantas pessoas espetaculares, esses três se sobressaíam. Os três estavam há muitos anos no colégio. Mariana era das pessoas de melhor coração que conheci, produto de um pai e mãe que eram pessoas ímpares. Lembro do seu Geraldo, mas infelizmente minha memória me fez esquecer o nome da mãe. Pessoas sensacionais que colocaram no mundo uma menina excepcional. A Mariana era a doçura em pessoa, amiga de todos. A nossa Gabriela Tolotti, com uma personalidade bem diferente à da Mariana, também tinha esse talento de circular por qualquer grupo, de agregar, se interessava por tudo e por todos. E, por último, o meu grande amigo Daniel Freitas, um guri brilhante que não me surpreende que atualmente é um grande médico, algo que ele queria desde a infância enquanto os mais inconsequentes como eu nem ideia tinham do que se tornariam. Lembro de desenhar mapas na mesa dele e explicar a localização no mapa dos estreitos de Bósforo e de Dardanelos. Por quê? Porque ele se interessava por tudo e talvez era um dos poucos temas que faltava que falássemos a respeito.

Tivemos também marinheiros que chegaram quando o barco do segundo grau já havia zarpado. A enigmática Laura Chaves que, certa feita, quando a encontrei entre o banheiro e a porta da sala me pediu o favor mais pouco ortodoxo que já me pediram e que me pedirão em toda a minha vida: que se eu poderia amarrar-lhe os cadarços. Nunca perguntei por que a dona Laura me pediu isso, mas me abaixei e os amarrei para o deleite do meu GRANDE amigo Frederico Bitola que, até hoje, volta e meia traz à tona esse ocorrido. Contei a minha esposa certa feita essa história. Ela ouviu e perguntou se eu tinha amarrado os famosos cadarços. Respondi que sim e recebi um “muy bien” como resposta.

A originalidade do Saint-Exupèry pode ser vista em sua, nossa, cerimônia de formatura. Sem regras, sem padrões, sem requisitos. Eu de jeans e camiseta e ao meu lado o Tiago de terno. A cada um que era chamado ao muro de fuzilamento, gritos e chacotas pululavam sendo o nosso Varginha e PH talvez os mais ovacionados. A palavra “bullying” ainda não existia. Enquanto o hino tocava eu cutucava a Dani que estava à minha frente e falava alguma estupidez com outro ser fantástico que tanto enriquecia esse grupo, o nosso Chileno. Há dois metros de distância estavam o Daniel e a Laura enquanto o nosso saudoso Caio falava de nossos futuros. Quem diria que essa dupla terminaria casada e com filhos? Essa jogada do destino terá sido imaginada por algum dos meus colegas? Ou por eles mesmos? Outro de meus grandes amigos, Gustavo Szuster, que suava ao ter que apresentar um trabalho em frente ao grupo e aos professores, hoje é ator bem como o já citado Bitola que decidiu fazer o terceiro ano em outra instituição, pois dizia que jamais iria passar no vestibular se seguisse no Xupetas. Era gozado por mim e Silvio por querer ser alguém na vida, por querer ter sucesso.

Durante toda a minha vida admirei vários professores e alguns deles estavam lá presentes, homenageados e homenageando. Celso Tatão, que até hoje deve lamentar ter sua vida cruzada com a da Dani, o já mencionado Caio, a Genciana que oferecia a mim e a meu séquito de colegas dementes Carol, Taís, Grazi, Lulu e Dani chazinho com bolachas e também o mais novato de todos, Fabrício, o professor de física que apareceu do nada e era mais um amigo de todos do que um maestro. Até hoje guardo o cartão que ele me entregou durante a formatura e é das pessoas que jamais vou esquecer. Impossível também esquecer o carrinho assassino dele em plena cancha de cimento durante um jogo das olimpíadas do colégio, da casa.

Tristemente esse grupo, o último grupo de amigos que realmente tive na minha vida, foi se esfacelando. Ao mesmo tempo em que mantive contato com alguns, perdi totalmente o rastro de outros. Todos terão seguido com suas belas índoles? Terá a vida adulta modificado um pouco a essência dessas pessoas ou essência humana não perece com o cruel e implacável passar do tempo? O que terá restado daqueles jovens nos quarentões atuais? Serão esses vestígios tão significativos como os que em mim ficaram soldados no meu ser? Os que nunca mais voltei a ver ficaram com essa imagem de eternos Peter Pans em minha mente. Que dolorosa vontade de saber da vida de todos eles e que desejo irreal de que todos sigam sendo parte da minha vida. Lembro de sentir falta de todos durante as longas férias de verão.

Naturalmente entendo que esse é o ciclo da vida. Somos e temos etapas. Sei que as famílias que meus colegas constituíram são muito mais importantes do que um saudoso ex-colega. No entanto, não consigo relativizar a força da amizade e, podem me criticar, não há amizade depois de findada a juventude. Falando com um colega um dia desses disse que deveriam existir duas palavras diferentes para expressar essa relação quando surgida na infância/adolescência e depois já na vida adulta. Meu grande amigo Bruno. Seguimos amigos muito próximos depois de findada a vida escolar, dormia seguidamente na casa dele, éramos parte do mesmo time de futsal do bairro, considerava a sua mãe como uma segunda mãe para mim e hoje pouco sei dele; não conheço a sua filha, por exemplo. Culpa minha? Culpa dele? Não, culpa desse enigmático fator infindável e incansável chamado tempo.

Pausava o vídeo seguidamente. Vi todos os meus colegas. Vi a dona Mirtes brilhando no meio da audiência. O nosso Xupetas era tão informal e único que nem passou pela minha cabeça convidar os meus pais para irem à formatura. Fui sozinho como se estivesse indo para um churrasco com meus amigos. Lembro que meu tio estava na minha casa e, como ele morava na Vila Assunção, perguntei se, quando fosse embora, poderia me deixar na Sociedade de Engenharia. A reação dele foi: jogo de futebol? E eu respondi: não, uma festa. E já que falei em segundas mães, não poderia deixar de destacar a presença de dona Mirtes, outra de minhas poucas segundas mães que essa vida me deu, uma das três apenas para que ela não pense que esse título é, de certa forma, “vulgarizado” pelo seu rebento. Lembro do Serjão, pai do Bruno, do Biba bem novinho ao lado do orgulhoso seu Marcelo que foi o único genitor que foi até a frente fotografar/filmar sua filha no momento de receber o diploma por talvez suspeitar de que isso talvez jamais acontecesse. Que grandes pessoas tive a honra de conhecer e de conviver e uma pena que, nesse meu último recurso de maltratar a minha nostalgia não estavam presentes alguns membros por diferentes motivos: Chico, que uma vez fugiu de uma aula de geografia saindo pela janela; Carioca, que uma vez me disse que eu era o mais difícil de marcar nos nossos jogos na quadra verde do colégio; Lulu que uma vez, em parceria com a minha amada Carol, me escreveu uma carta de arrependimento, pois me negou uma bolacha; Cecin, grande figura dessa camada que chegou de colégios mais exigentes da zona sul assim como a Patrícia Balestrin, das pessoas mais humanas e queridas que já conheci e o Arthur; Roman, o Giuliano, Trentini, Carol, Grazi, Celso, Lipe, Celso, Koucher, Xanda...onde andariam? E a Camila? Cedeu a casa, era membro do comitê organizador da formatura, por que não recebeu o diploma conosco?

Viajei o mundo inteiro e sempre tenho uma próxima viagem sensacional preparada, mas trocaria qualquer destino por um dia com meus colegas. Enquanto a maioria das pessoas quer ainda descobrir o mundo, eu só quero voltar à Zona Sul, àquele nosso mundinho simples e fácil, àquele mundo limitado composto de Exupèry e Zona Sul, ir da casa de um para a casa de outro. Eu voltei e volto todos os anos. A Zona Sul é a minha Passárgada, mas o lugar que eu quero voltar é impossível. Não é um espaço físico e sim um estado de espírito, um tempo, um imaginário. Por isso, em meio à tanta alegria quando vou a Porto Alegre, alegria essa causada por rever pessoas que amo sempre é açoitada por uma aguda, mas controlável tristeza, tristeza essa causada pela repetitiva confirmação de que o que quero é impossível, mas eu sigo tentando. Eu sigo voltando.

É difícil dizer qual é meu filme favorito, mas talvez “Conte comigo” o seja. Cada vez que o vejo, ao final, quando o narrador termina sua carta, uma lágrima às vezes física outras vezes imaginária escapa de meus olhos. E a frase que ele acrescenta ao final dizendo que jamais teve amigos como os de sua infância é a maior verdade que pode existir. Ditatorialmente afirmo que a Camila jamais terá uma amiga como a Ana, que o Beto jamais terá um amigo como o Chico, a Débora jamais encontrará alguém como o Mário ou a Lulu tampouco encontrará alguém como a Trentini. Não há amigos como os amigos dessa época. Eu jamais voltarei a encontrar pessoas como os meus amigos do Xupetas.

sábado, 29 de agosto de 2020

Temporada 2019-2020

 

Ao final de mais uma Champions League, atualizo o melhor ranking de futebol já feito, o único baseado somente em argumentos sólidos, ou seja, o meu.

 

Segue a lista dos 50 gigantes do futebol mundial:

 

1.       Real Madrid (Espanha);

2.       Barcelona (Espanha);

3.       Bayern (Alemanha);

4.       Juventus (Itália);

5.       Milan (Itália);

6.       Boca Juniors (Argentina);

7.       Peñarol (Uruguai);

8.       Liverpool (Inglaterra);

9.       Manchester Utd (Inglaterra);

10.    Inter (Itália);

11.    Nacional (Uruguai);

12.    River Plate (Argentina);

13.    Ajax (Holanda);

14.    Benfica (Portugal);

15.    FC Porto (Portugal);

16.    Independiente (Argentina);

17.    Olimpia (Paraguai);

18.    Celtic (Escócia);

19.    Racing (Argentina);

20.    Rangers (Escócia);

21.    São Paulo (Brasil);

22.    Santos (Brasil);

23.    Atl Madrid (Espanha);

24.    Arsenal (Inglaterra);

25.    PSV (Holanda);

26.    Olympiakos (Grécia);

27.    Dortmund (Alemanha);

28.    Feyenoord (Holanda);

29.    San Lorenzo (Argentina);

30.    SC Anderlecht (Bélgica);

31.    Sporting (Portugal);

32.    Estudiantes (Argentina);

33.    Bilbao (Espanha);

34.    Everton (Inglaterra);

35.    Flamengo (Brasil);

36.    Corinthians (Brasil);

37.    Colo Colo (Chile);

38.    Aston Villa (Inglaterra);

39.    Cerro Porteño (Paraguai);

40.    Estrela Vermelha (Sérvia);

41.    Genoa (Itália);

42.    Palmeiras (Brasil);

43.    Nurenberg (Alemanha);

44.    Fenerbahçe (Turquia);

45.    Chelsea (Inglaterra);

46.    Dynamo Dresden (Alemanha);

47.    OM (França);

48.    Grêmio (Rio Grande do Sul);

49.    Rapid Vienna (Áustria);

50.    Vélez Sarsfield (Argentina).

 

Ranking de seleções:

 

1.       Brasil;

2.       Alemanha;

3.       Itália;

4.       Argentina;

5.       França;

6.       Uruguai;

7.       Espanha;

8.       Inglaterra;

9.       Holanda;

10.    Croácia;

11.    Rússia;

12.    Ucrânia;

13.    Portugal;

14.    Bélgica;

15.    Suécia.

 

10 melhores ligas nacionais historicamente:

 

1.       Espanha;

2.       Inglaterra;

3.       Itália;

4.       Alemanha;

5.       Argentina;

6.       Brasil;

7.       França;

8.       Portugal;

9.       Holanda;

10.    Uruguai.

 

Seleção da temporada no esquema 4-3-3:

 

Ter Stegen (FC Barcelona – Alemanha);

 

Kimmich (Bayern – Alemanha);

Sergio Ramos (Real Madrid – Espanha);

Van Dyke (Liverpool – Holanda);

Davies (Bayern – Canadá);

 

Papu Gómez (Atalanta – Argentina);

Di María (Paris SG – Argentina);

Messi (FC Barcelona – Argentina);

 

Mané (Liverpool – Senegal);

Benzema (Real Madrid – França);

Lewandowski (Bayern – Polônia).

 

Bola de ouro: Messi.