quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A Violência

O tema do momento entre os gaúchos é a violência. É só do que se fala. A ala mais à esquerda justifica o momento turbulento e inaceitável como culpa do governador Sartori. A ala mais à direita prefere culpar a tal da impunidade e falta de dureza do Estado no combate ao crime. Para mim, ambos se deixam levar pela ideologia e/ou oportunismo. 

Ninguém poderia esperar algo de Sartori. A eleição de Sartori foi fruto de nosso novo estilo de política. Em um estado que sempre cai no clichê do bipolarismo GRE-nal, chimangos e maragatos e por aí vai, a estratégia brilhante de Rigotto fez escola. Rigotto tinha tantas chances quanto Eneias de ganhar as eleições. No entanto, através de uma campanha despretensiosa que dizia ser "a terceira via", caiu nos braços de uma parte da população que já não queria mais ter que ver o PT no Piratini. Rigotto foi uma saída, foi um coringa. Com um novo Britto seria difícil ganhar do PT, então apareceu Rigotto com seu discurso de terceira via, não sou isso nem aquilo e levou. 

Sartori é uma pessoa de boa índole. Sinceramente não acredito ser ele uma pessoa maquiavélica mal-intencionada que iria juntar-se a outros para saquear o estado e beneficiar a este ou aquele. Sartori não é Temer e seus vampiros diabólicos. Sartori é EXATAMENTE o que ele mostrou durante a sua campanha, a mais genuína e verdadeira que já vi: Sartori é um gringo boa gente, um homem que seria um brilhante presidente de algum CTG em Caxias, mas que é tudo, menos um político.

Não ser tão "político" pode ser bom; mas não se pode exagerar. Jamais passou pela sua cabeça ganhar as eleições. Por isso jamais ter ocorrido, Sartori jamais sequer pensou em perder seu tempo pilchado esmagando uvas para criar um plano de governo. Qualquer pessoa podia ver que, durante a campanha, Sartori tinha nada a declarar. Não estou dizendo que Tarso ou os outros candidatos fossem ser brilhantes; não obstante, tinham ideias que todos poderíamos discordar ou concordar e, assim, decidir o voto. Pois o radicalismo regional, que já existe muito antes dessa versão maior tupiniquim, chegou no seu apogeu. A ala do partido ANTIPT decidiu votar em ninguém para evitar a vitória do outro. Foi como aqueles casos americanos de animais ganhando eleição. Depois dos rotundos fracassos de Britto e Yeda, só restava apelar para alguma personagem que simplesmente não fosse do PT, isso já bastava.

Sartori ganhou e está cumprindo à risca suas promessas: nada, fazer nada. Sorrir, fazer piadas e ser o Scolari político, ou seja, puro carisma, estilo gringo clichê, mas, infelizmente, incompetente. Sartori talvez seja o único político eleito da história que eu poderia aceitar que seja até ingênuo. Por não ter a mínima ideia do que deveria fazer, deixou que seu governo fosse levado a cabo pelo seu partido, pregador do Estado mínimo. Esses veem o Estado como uma empresa. Se falta dinheiro, corta-se verba de onde for, inclusive da segurança pública, senhoras e senhores, que foi sucateada pelo atual (des)governo. Esses dias vi uma dessas afirmações retiradas de páginas de fontes duvidosas que dizia que Dilma teve uma loja de 1,99 e esta faliu. Não sei se é verdade, nem me interessa saber, mas esse fato tem nada a ver com ser presidente de um país. Um país não é uma empresa que tem como única razão de sobrevivência o lucro. Um país é muito mais que isso. Roosevelt, depois da quebra da bolsa em 1929 decidiu que o Estado deveria "fazer buracos e depois fechá-los", isso geraria empregos e consequentemente renda. Roosevelt foi reeleito outras três vezes depois de seu primeiro mandado em plena maior crise da história, não de Cuba, senão dos Estados Unidos.

Rebato também a tese de que vivemos nessa selva por causa de leis frouxas com bandidos. Poderíamos ter leis mais duras? Claro que sim. Poderíamos ter mais homens trabalhando na polícia? Evidente que sim. O exército ocioso poderia ser treinado para estar nas ruas como acontece a cada 64 anos quando temos Copa do Mundo? Claro que sim. No entanto, insisto, nenhuma dessas ações diminuiria significativamente a violência de nossa sociedade, o problema é muito maior.

A única forma de diminuir drasticamente o nosso vergonhoso caos que ceifa vidas inocentes todos os dias é através de maior distribuição de renda e maior igualdade de oportunidades, tudo isso conjuntamente a uma educação de qualidade. A desigualdade é a maior geradora de violência, muito mais que a própria pobreza em si. Há países pobres com baixas taxas de violência? Vários. Indonésia, Madagascar e Burkina Faso são alguns exemplos. Os três são países pobres com taxas de homicídios de 1 a cada 100 mil habitantes. No Brasil a taxa é de 24,6. Os dois países com as maiores taxas do mundo são Honduras e El Salvador, ambos países localizados no sexto e no décimo quarto lugar entre os países mais desiguais do planeta. O país mais desigual do mundo é a Namíbia que tem uma taxa de 17,2 homicídios por cada 100 mil habitantes o que a deixa na posição 22 entre os países mais violentos. É tudo diretamente relacionado. Se cruzamos os dois ranquins, veremos que é como um espelho. Terminando minha rápida análise desses dados, é impossível encontrar um país rico e com pouca desigualdade na lista de países mais violentos.

Os verde-e-amarelos caras-pintadas mais radicais dirão que é coincidência ou que é papo de comunista e me mandarão pra Cuba. Pois estes furiosos deveriam é me mandar para o Japão. Ter-me-iam (entrei no ritmo do nosso presidente sem votos) mais longe e em um fuso horário que não os incomodaria. O Japão é o lugar de quem defende igualdade e é um país capitalista. Cuba, antes que perguntem, tem uma taxa de homicídios de 4,2, um número 6,5 vezes menor que o do Brasil.

Entreguei-lhes a solução. É fácil de executá-la? Para ser um Japão tropical os donos de tudo teriam que ceder, começando com o pagamento de impostos, inclusive taxando o capital. Será que nossos primos ricos estariam dispostos a abrir mão de algumas moedas em troca de ter segurança? Pouco provável. Preferem pedir o impossível: menos impostos, menos Estado, pagar menores salários, que os trabalhadores trabalhem mais horas sem incomodar (o Homem em toda a história sempre escravizou o Homem) e que a ralé se comporte. Ignoram o poder do consumismo vendido pela propaganda. A turma do camarote quer segurança sem dividir. Quer que o pobre não roube, que aceite sua situação. Não defendo a violência, mas sou realista e sei que muitos excluídos irão se rebelar contra sua desgraça através do crime. Vejam as propagandas de itens de desejo, mas não desejem, isso é o que queremos e nunca irá acontecer, mesmo com exército nas ruas. Desejar que o outro não deseje e que não sinta ressentimento dos que têm de sobra, tendo este nada, é pedir muito, é querer o resultado sem suar.

Parafraseando a esquerda, "esse mundo é possível?" Não, coloco minha mão no fogo que não. Somente a primeira parte do plano é possível e para isso de vez em quando temos que suicidar um presidente, adoecer outro e dar rasteira em outra.


A lei da selva elaborada pelos leões.