quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ali, Pelé, Neymar, Messi E Maradona

Muitas pessoas dizem que é injusto e não recomendável a comparação entre atletas. Muitos brasileiros vão mais além e dizem que Pelé, mesmo considerando que a maioria não o viu jogar, é "incomparável", fez mais de mil gols e que JAMAIS nascerá outro talento assim. Em primeiro lugar considero que todas as pessoas e coisas podem sem "comparáveis"; segundo, os mais de mil gols do Pelé sao questionáveis, a FIFA reconhece uns 500, pois somente conta os "oficiais" e Pelé fez a maioria de seus gols em amistosos caça-niqueis pelo mundo, sem contar que jamais jogou na Europa. Por fim, quem poderia, lá pelo anos setenta, dizer que JAMAIS haveria outro? Qual fenômeno deveria pairar sobre a Terra para impedir a perpetuação e o aperfeiçoamento do talento em qualquer área?

Eu não vi o Pelé jogar, mas já vi mais de setenta jogos completos do dito cujo. Vi pouco do Maradona "ao vivo", mas outros vários vídeos de jogos completos e posso comparar.

Morando na Colômbia tenho acesso a vários canais esportivos argentinos e quase que diariamente vejo comentaristas dementes desse país degladiando-se em discussões sobre quem é melhor, Diego ou Messi? Há outros mais "paz e amor" que, assim como os brasileiros no tema Pelé x Diego, dizem que nao se pode comparar. O que Neymar faz aí no título de meu texto?

Antes de que meus dois leitores comecem a questionar o porquê da presença de Ali no título, os aviso que o texto nao é uma fútil comparação de talentos da bola. É, sim, uma comparação de personagens do esporte.

Ali e Pelé "eram" negros. Ali já morreu e o segundo conseguiu a fama já aos 17 anos. O terceiro, Neymar, diz que nao é negro. Ali tinha uma fama mundial, muitos afirmam que é o atleta mais famoso de todos os tempos. Pelé chegou perto de Ali em termos de fama, conseguiu a façanha de ser o primeiro a gerar interesse entre os americanos por futebol. Neymar é uma personalidade longe dos primeiros citados, mas, em tempos de tecnologia da informação muito superiores, tem, talvez, o mesmo poder "midiático" que Ali e Pelé. No entanto, diferentemente de Ali e Pelé, Neymar, segundo ele, não é negro e, por isso, jamais sofreu racismo.

Ali vestiu a camiseta. Usou sua fama para combater um escancarado racismo que existia no seu país. Voltou com a medalha de ouro de Roma e teve seu pedido de um cachorro-quente negado por um vendedor que justificou sua negativa ao dizer que eles não estavam autorizados a servir negros. Ali jamais aceitou. Há boatos de que jogou sua medalha em um rio e se converteu ao islamismo, pois, na cultura católica, o negro era visto como o lado negativo da moeda, o "lado negro". Ali foi peça fundamental no estratagema dos grupos que lutaram pelos direitos e pela igualdade dos negros americanos. Sentou-se à mesma mesa dos líderes dos panteras negras e de nomes como Malcolm X e Marthin Luther King. Ali combateu o poder, como todos sabem, não quis ir ao Vietnã matar pessoas que nada fizeram contra ele. Ali foi mais que um atleta, foi um ativista, foi um ator social.

Por que Pelé jamais lutou pelos direitos dos negros mesmo tendo a faca e o queijo nas mãos? Vale lembrar que quando Pelé chegou ao Estados Unidos ainda havia fortes vestígios do apartheid americano. Voltando ao Brasil, será que Pelé considerava que não existia racismo no Brasil? Será que o fato de que não se proibiam negros de se sentar nos mesmos lugares dos brancos e tomar água do mesmo bebedor fez com que o "ingênuo" Pelé sentisse que isso não existia no seu próprio país? Seria Pelé ingênuo? Se o fosse, será que Pelé não poderia ter usado sua relevância para explicitar as desigualdades sociais de seu próprio país, ou melhor, acusar os governos autoritários da época de serem desumanos? Ali, ao se negar a ir à guerra, não cometeu um ato de defesa de sua raça, apesar de que a maioria dos combatentes eram pobres o que faz pensar que havia muitos negros. Ali tentou abrir os olhos dos americanos, brancos e negros, para a bárbara invasão americana a um país distante. Pelé, deixando sua cor de lado, não poderia ter feito algo por alguém?

É obrigatório de personalidades públicas que sejam atores sociais e denunciem disparates políticos, econômicos e sociais? Claro que não, mas admiro e COMPARO. Será que o Neymar, ao invés de fazer vídeos louvando Aécio Neves e publicando esdrúxulas fotos com o insuportável Justin Bieber não poderia ir a lugares que sim precisariam de mais visibilidade, talvez lugares que ele frequentava quando "era" negro? Repito, ele não tem obrigação de fazê-lo, mas admiro e diferencio os que fazem.

Messi e Diego sao brancos. Na Argentina quase não há negros. Não obstante, Messi e Diego são muito diferentes. Uma suposta gravação acidental flagrou Diego dizendo que Messi era uma grande pessoa, mas não era um líder. Como definimos a palavra "líder"? É muito subjetiva. Para Diego ser um líder é ser Maradona, aquele que lutava contra o poder, aquele que a cada três palavras, quatro eram denunciando o que ele via como sendo injustiças sociais, aquele que xingava o hino do país-sede, aquele que acusava um país poderoso de ter roubado território de seu povo mais do que de seu país, esse é o líder na visão "maradoniana". Messi não é Maradona, jamais será e nem quer ser. Messi não é líder? Depende, outra vez, da definição de "líder". Diria que é um líder futebolístico como Iniesta o é no Barcelona sem jamais aumentar seu tom de voz. Não são maradonas. Maradona representa o argentino pobre, sem direitos, sem visibilidade; Messi é o argentino de classe média criado na Espanha longe de qualquer vestígio de problema social. Por que a Argentina é o único lugar do mundo onde ainda se questiona, e muito, chegando ao ponto de comentaristas dizerem que ele deveria ser reserva da seleção ou não ser convocado? Porque a maioria dos argentinos se identifica mais com Diego, Maradona é humano, é igual a maioria enquanto que Messi pode ser aquilo que a maioria dos argentinos gostariam de ser. Messi representa a sociedade que a maioria dos argentinos gostaria de ter em seu país: educado, profissional, estável, sereno, entre outro adjetivos.

O esporte é uma das coisas mas supervalorizadas dentro de nossa sociedade. Sua importância é ínfima para o bem comum. No entanto, personagens, atores sociais, estes sim, não importa onde conquistaram sua reputação, podem ser importantes e fazer bom uso de seu poder. Sendo assim, Maradona e Ali foram grandes, dentro e fora dos campos/ringues enquanto anos serão apenas seres superdotados em algo pouco importante.


domingo, 12 de junho de 2016

O Tempo E A Chuva

No passado dia 15 de maio eu fiz 34 anos. Nao é um número redondo, não fiz 30, nem 40, nem 50 e muito menos a idade é um tema que seja para mim importante. Ou não era? Considerando que tenho amigos de menos de 30 anos e uns com mais de 60, isso quer dizer que a idade dos demais não me é algo relevante; no entanto, a minha idade passou a ser algo que pelo menos me faz pensar.

Lembro de minha vó dizendo que o mês ou o ano haviam passado muito rápido este mês ou este ano. Minha reação era sempre de rebater usando meu aguçado instinto lógico dizendo que todos os meses ou anos demoravam o mesmo tempo para passar, claro, considerando as pequenas diferenças de alguns meses. Lembro também que muitas das coisas que os velhos diziam eram, para mim, coisas de velho, ou seja, não faziam parte de minha realidade. Nao sou velho. Mas sou o suficiente para poder notar diferenças e poder olhar na cara de um adolescente e lhe dizer: “espera, tu vais ver que as coisas não são bem assim quando fores mais velho”. Já há a diferença, já existe o “gap”.

O tempo sim passa mais rápido apesar dos dias ainda terem 24 horas, as semanas sete dias, os meses entre 28 e 31 dias e os anos 365. O que muda é a percepção do tempo. Lembro que, quando uma Copa do Mundo findava eu pensava: “nunca mais”. A distância de quatro anos era um período de tempo tao absurdamente enorme que parecia que eu já estaria em uma situação completamente diferente quando esse dia chegasse, parecia que a minha realidade seria outra; um filme era eterno, dificilmente conseguia vê-los de uma vez só. Duas horas eram um tempo sem fim. O próximo fim de semana demorava séculos para chegar e as aulas milênios para acabarem. Os finais de férias pareciam uma profecia acertada do próximo ano letivo de 1001 dias.

Hoje tudo passa rápido e acho que todos os adultos veem dessa forma e os motivos são os mais variados para termos essa ideia. Será que a vida de compromissos, de mais deveres do que prazeres é o motivo? Será que a simples e fisiológica forma de pensar de um adulto é assim bem diferente? Ou será que a questão é matemática e, a medida que se vive mais, os períodos correntes se tornam lacuna de tempo que representam um porcentagem menor de nosso tempo vivido que antes? Nao sei.

Noto também que esse tempo passou quando cheiros do passado desfilam por minha cabeça. Algumas vezes é fácil de saber que cheiro era esse, outras simplesmente causam um doce sabor amargo de épocas passadas. Às vezes não são cheiros, são frases, imagens, pessoas, momentos, muitas coisas ainda perambulam nas partes mais misteriosas de nosso cérebro que se dedica mais às funções a ele dadas nesse momento, mas que ainda encontra lugar para guardar tudo que estava nas páginas já viradas. Nao são coisas ditas importantes que volta e meia perambulam em minha cabeça. Poderia ser o sonho que comia sempre em Manchester que se conecta com o que meu vô me trazia da padaria de Ipanema. Pode ser o cheiro do pao recém feito em um mercado que já não existe mais, ou aquele dia que acordei tarde e tive que caminhar léguas pra comer um xis com o Ângelo numa espelunca. Pode ser a bola que deu na trave depois de dois chapéus seguidos sem deixar cair, ou um lançamento de 50 metros que uma vez dei de letra na cancha da comunidade judaica. Ou, claro, personagens que morreram e que talvez não fui capaz de compreender estas mortes quando ocorreram.

Esses dias vi um programa sobre a Copa de 90, a minha primeira. Toto Schillaci, Baggio, Diego, Caniggia, Checoslováquia, a ruindade do Dunga, são lembranças que parecem vir de outra idade. A primeira memória de uma copa que eu tenho é justamente a jogada do Maradona e o gol do Caniggia. O Maradona hoje tem 55 anos. Ainda falando de futebol, já sou mais velho que a maioria deles e já vi jogadores começarem e acabarem suas carreiras. Aliás, que saudades dos jogadores dessa época, não pelo talento que segue existindo, mas por suas personalidades mais terrenais, eram mais parecidos ao cidadao comum, não eram celebridades. Penso nisso quando os vejo chegando a um estádio com fones imensos, olhar fixo pro horizonte e uma arrogância enorme. Antes não era assim. Pensei nisso na semana passada ao ver o Neymar tirando selfies com o Justin Bieber no estádio. Esse papel era, antes, dos astros do cinema, não dos jogadores que eram mais esportistas, não patéticas e esquizofrênicas celebridades.

Em alguns dias mais monótonos, quando as obrigações do dia a dia dao uma chance, me vejo analisando como estamos, de onde viemos, se agora é melhor ou pior. Para o indivíduo sempre será pior, mas como sociedade? Temos mais direitos, menos preconceitos, mais inclusão, isso é inegável, mas deixando o pensamento lógico de lado e dando espaço a um lirismo humano, é melhor? Para mim estamos piores. Será só para mim? Será que temos essa visão porque não conseguimos separar o indivíduo do todo? Pode ser, mas acho tudo pior. Considero a tecnologia uma maravilha, mas ao mesmo tempo que trouxe mais opções, ceifou algumas coisas mais importantes como a imaginação infantil. Penso que o mundo aumentou a carga de trabalho do cidadão e por isso a arte hoje é vista como algo que serve para distrair, nada mais. Somos uma massa de bobos querendo ser entretidos, queremos simplesmente pensar em outra coisa. Hoje há espaço para tudo e todos, mas será que isso é bom sempre? Será que os atuais enfadonhos artistas e pessoas realmente deveriam ter o seu espaço? Comparemos a música negra. Os negros foram os alicerces do rock. Tivemos Elvis como o branco que levou a essência da música negra aos brancos, ao mundo. Isso “descriminalizou” monstros do blues e depois Chuck Berry e mais além Michael Jackson. Que tipo de música POPULAR os negros fazem hoje? Hip Hop. Ou seja, nada. E os brancos não escapam. Esses dias vi o novo clipe do Enrique Iglesias com Pitbull. Fiquei pasmo, pois a ruindade “pop” ainda consegue me pasmar. É deprimente. E para os que se creem “sofisticados”, temos chatices disfarçadas de descolados como Coldplay.

Além das óbvias mudanças da sociedade também existe a grande revolução do indivíduo. Ninguém se mantém a mesma pessoa. Eu abandonei todos os “ismos” como já dizia Fito Páez. Nenhum ismo é independente de pessoas e eu não acredito na maioria das pessoas. Sempre fui ateu convicto, mas hoje questiono a existência de algo que poderia chamar de Deus, mas que não tem qualquer semelhança com a bizarrice do Deus que está aí de olho em todo mundo e cuidando de todo mundo que as grandes religiões vendem no melhor estilo 1984 de Orwell. Sou mais liberal para comportamentos, mas mais conservador para outras coisas. A morte hoje é algo mais agudo para mim, sou também mais pessimista (ou realista?). Morre David Bowie e tenho certeza de que ele é um dos primeiros dos últimos a morrer. Analisando o que está por vir, e parodiando “High Hopes” do Pink Floyd, não acho que a grama será mais verde e a vida será mais brilhante. Vejo uma massificação do pensamento vazio e da estupidez ao mesmo tempo que constantemente me questiono se isso é tudo o que eu poderia fazer nessa minha fugaz passagem por aqui.

Canso quando jogo futebol 90 minutos sob um solaço do meio-dia; isso é normal, até os profissionais cansam, mas ninguém me tira da cabeça que, com dez anos menos, cansaria menos. Estou errado em pensar assim, mas isso me aflige. Minha mulher, que conheci com 25 anos, parece cada dia mais bonita, e isso é uma espécie de porta entreaberta que deixa entrar uma luz de esperança. Fui ao xou dos Rolling Stones, uma das coisas que deveria fazer antes de morrer. Tinha pessoas tirando fotos de si mesmas durante todo o xou. Isso me irritou. Nao deveria. Por que as pessoas hoje tiram fotos de si mesmas se cada vez a população, na maioria dos lugares, somente aumenta? Antes não se fazia isso porque as pessoas não desperdiçariam uma foto de um filme com uma foto ruim. No entanto eles poderiam tranquilamente fazer selfies com as câmeras de filme. Por que não o faziam? Porque essas fotos são ruins. Por que hoje o fazem? Porque essas fotos passaram a ser vistas como boas. Pioramos.

As grandes corporações uniformizam tudo. Sempre fui fascinado pelas diferentes culturas e sociedades, era um Claude Levi-Strauss precoce. Hoje todos os lugares estao ficando iguais. A cinza, roqueira e futeboleira Manchester, outrora feia e rabugenta, mas com atitude, hoje é diferente, é cool, paz e amor. Em qualquer parte de minha amada Londres são os mesmos negócios, as mesmas marcas. União Europeia, união disso, união daquilo, a ideia é sermos todos iguais, todos bobinhos, consumistas e parecidos, uns “trouxas” como diria meu pai. Pessoas bem-intencionadas defendem isso, dizem que o mundo muda, que deve ser assim...nao deve ser assim. O mundo é interessante por suas diferenças, não quero um mundo em que Cracóvia, Londres e Islamabad sejam iguais, o mundo vai, a passos longos, perdendo seu encanto, seu charme e a vida, consequentemente, vai ficando mais chata.


A solução é, como diz um amigo, se fechar naqueles que valorizamos e tentar driblar as modernices que nos causam desconforto. Em alguns dias estou junto àqueles que sempre estiveram e que pouco mudaram para recordar histórias (e cheiros) de um passado muito distante que cada vez é mais árduo de lembrar. Antes, sob o calor senegalês de Porto Alegre, não titubeava em tirar a camisa e tomar um banho de chuva de verão; hoje penso que vou molhar a roupa, que vou molhar a casa ao entrar e não o faço. O tempo vai nos tornando pessoas mais complicadas e tristes.