A
sociedade brasileira é das mais contraditórias do planeta. É
difícil para um amante da lógica de pensamento encontrar qualquer
resquício de coerência no dia-a-dia brasileiro. O mundo inteiro
está chocado com a bárbara foto do menino afogado no Mediterrâneo
e os brasileiros também o estão. Em uníssono grita-se por maior
colaboração do planeta para com os pobres bebês que morrem
afogados tentando escapar da barbárie síria e em outros países.
Estas mesmas pessoas são as que criticam o governo por receber
imigrantes haitianos ou médicos cubanos. Acusa-se o tal governo
“comunista” de ajudar a escória enquanto já temos suficientes
problemas dentro do território nacional.
Estas
mesmas pessoas que clamam por justiça após ver a chocante foto do
bebê morto, são contra qualquer tipo de ajuda social por parte do
Estado. Bolsa-família é esmola para comprar os votos da nossa
escória tupiniquim. Um bebê que é flagrado morto afogado em uma
praia ensolarada choca a qualquer humano e o faz simplesmente por um
motivo: pela força da imagem que, como dizem, vale mais que mil
palavras.
Não
creio que o governo federal brasileiro algum dia irá, em um momento
de desespero, publicar fotos de crianças subnutridas dos mais
variados rincões desses país. Obviamente seria totalmente contra
tal ação, mas seria a única forma de convencer a elite nacional
indignada pelo infante afogado de que também se “afogam”
infantes dentro do país e que as migalhas que o governo de esquerda
(?) do PT dá aos miseráveis é questão de humanismo.
Ainda
falando em contradições, o Brasil voltou a testemunhar a famigerada
“marcha da família” que não passa de um bando de delinquentes
de Miami clamando pela volta da barbárie da ditadura militar que,
diga-se de passagem, também afogava, não sei se crianças, mas sim
pessoas que simplesmente eram contra o governo, este sim, jamais
eleito pelo povo. Afogava-os em troca de informação, em uma
espécie de delação não-premiada. Estes dementes defendem, como
também o faz nossos gatos-pingados das manifestações fashion, o
Estado mínimo, que somente deve aparecer para salvar empresas
privadas. Não querem mais impostos, consideram “autodefesa” e,
claro, são totalmente contra as migalhas aos menos aquinhoados, mas
não se importam com os lucros exorbitantes dos bancos em tempos de
crise e muito menos se importam com o dinheiro dado de lambuja pelo
BNDES para os grandes agricultores e construtoras, estas mesmas que
alimentam a corrupção política nesse país. E há de se dizer que
estes mesmos contrários ao Estado defendem que este se intrometa nas
questões de comportamento como casamentos de pessoas do mesmo sexo
ou aborto, aí sim o Estado deve se meter.
No
entanto a contradição não é exclusividade brasileira, se a vê
todos os dias em um mundo que vive um dos seus piores momentos desde
o final da Segunda Guerra. O mundo das superpotências ocidentais
semeia e arma grupos de psicopatas do deserto e depois os bombardeia
e lamenta o êxodo (e os afogamentos) de seus cidadãos em busca de
ar em terras mais abastadas. Não me canso de me perguntar: por que
os Bushes, Toni Blair e David Cameron, por exemplo, não estão atrás
das grades?
Por que o mundo inteiro aprendeu a odiar o odiável
Saddam Hussein e Osama bin Laden, mas não tem o mesmo sentimento
contra criminosos ainda maiores que passam por bons moços apenas
porque são brancos, católicos e ocidentais, fardam Armani e falam
inglês? Quem criou a besta bin Laden?
Quem é o pai intelectual de
Saddam? Quem armou o EI? Nós, os brancos ocidentais e agora não
sabemos o que fazer com as consequências de erros que jamais foram
punidos e que terá como consequência a diminuição da qualidade de
vida de seus próprios povos que terão suas terras invadidas por
milhões de desesperados.
Todos
nós parecemos cair nessa absurda e falsa retórica de que vivemos
uma cruzada do ocidente civilizado contra os bárbaros barbudos.
Temos assim tanto espírito de busca por uma sociedade livre de
facínoras? Será? O governo mais cruel do planeta é, talvez, o
governo monárquico hereditário da Arábia Saudita onde mulheres são
apedrejadas e homens têm suas mãos cortadas e suas cabeças
decepadas em praça pública. Alguém já escutou de algum plano de
bombardeio contra o rei saudita?
Jamais, já que é um dos principais
aliados do Estados Unidos e são, para completar, os credores maiores
da dívida pública desse país, deixemo-nos em paz já que tem
governos democraticamente eleitos como na Ucrânia, Venezuela e Egito
que nos incomodam mais e vendemos como os bárbaros e dizemos que
estes devem se “alinhar” aos nossos preceitos de liberdade de
expressão e democracia.
Tudo
segue igual. No século passado o Estados Unidos patrocinou todas as
ditaduras sul-americanas enquanto que os europeus mais importantes
mantinham seus sanguinários ditadores no poder de suas colônias
africanas. Hoje nós, ocidente defensor do mundo “livre”
patrocinou a derrubada de um presidente ucraniano democraticamente
eleito, também derrubamos um presidente egípcio democraticamente
eleito depois de décadas e sinto cheiro de golpes contra governos
democraticamente eleitos como na Venezuela e, claro, no Brasil. São
estes governos citados defendíveis por sua competência? Óbvio que
não. Tanto na Ucrânia quanto no Egito, Venezuela ou Brasil, vimos
ou vemos governos sendo corroídos pela corrupção e por desmandos
equivocados, mas se vamos apoiar a queda de qualquer governo por
corrupção ou equívocos, que isso seja válido para todos,
começando pela Arábia Saudita e passando pelos criminosos de guerra
mentirosos como Bush e Blair/Cameron. Nossos indignados de Miami vêm
com esse absurdo argumento das tais “pedaladas fiscais”
praticadas por TODOS os presidentes do Brasil desde Getúlio para
exigir o impeachment de Dilma, mas com certeza não se importaram com
a mentira americana de Bush para invadir o Iraque em nome das tais
armas de destruição em massa que simplesmente nunca existiram.
Aumento
da desigualdade mundial, crise de imigração em níveis
estratosféricos, América Latina com sua sociedade fervendo na
maioria dos países, mundo árabe se encaminhando para a
oficialização da barbárie, aumento da cobiça soviética por suas
ex-colônias, bebês morrendo afogados e uma população cada vez
mais convencida de que empilhar bens e produtos vendidos como
necessários por um capitalismo ávido por consumismo, o fracasso no
combate às drogas, recordes e mais recordes no aumento da
temperatura mundial, sem contar outros fatores, me fazem crer que
fracassamos completamente como sociedade em todos os sentidos e que
nosso futuro será somente pior e pior se nada for feito. E não
será.