sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Porto Alegre x Medelín

Fazia muito tempo em que não passava um período tão grande sem vir a Porto Alegre desde que me mudei para Medelín. Quase um ano se passou sem eu tocar o solo gaúcho.

Esse período mais longo longe da cidade conforma uma melhor posição para uma análise das diferenças notadas na cidade e torna fértil o campo de uma análise que farei mais uma vez: as diferenças de viver em Porto Alegre e Medelín, o que é melhor ou pior em cada uma dessas cidades tão drasticamente diferentes.

Minha relação com Porto Alegre é conturbada, instável, de amor e ódio. Sempre gostei muito de Porto Alegre e, influenciado pelo sentimento bairrista local, poderia dizer que amava Porto Alegre. O fim desse amor, ou melhor dizendo, a primeira desilusão amorosa foi quando fui para Londres em 2005 para lá ficar por um período de dois anos. É inevitável a comparação do estilo e modo de vida das duas cidades.

Evidentemente já havia saído do país antes disso inclusive tendo ido como turista à Londres, mas viver em uma cidade é diferente de fazer turismo; o dia a dia torna possível a comparação enquanto que o turismo apenas oferece análises rasas de realidades diferentes.

Voltei de Londres e passei a odiar Porto Alegre. Sentia falta da segurança, do sistema de transporte excelente, mas, antes de tudo, sentia falta da beleza presente em todos os lugares e do fator rua. Em Londres eu expendia meu tempo livre na rua; em Porto Alegre, devido a nossa cópia errônea de um estilo de vida americano, não temos na rua um lugar agradável de lazer guardado alguns pontos de exceção na cidade.

Agora tenho um endereço em uma terceira cidade e, em todas as minhas visitas a Porto Alegre que havia feito, todas muito rápidas, quando chegava aqui sentia aquele amor adolescente voltando aos poucos já que comparava Porto Alegre com Medelín, uma cidade que aprendi a não gostar.

Agora a visão e análise é outra. Farei uma comparação da qualidade de vida nessas duas cidades dividida de maneira não tão organizada em três partes: análise das duas cidades, análise dos hábitos e do povo local, algo que para mim é fundamental na qualidade de vida de qualquer região e depois uma análise mais complexa que abrange o meu ambiente em cada lugar, essa “microrregião”, ou melhor dito, esse “microcosmo” que eu faço parte. Ao final uma conclusão que nada conclui.

Tanto Porto Alegre quanto Medelín são cidades feias. No entanto, na região mais rica da cidade em Medelín onde vivo, é um ambiente extremamente agradável. Ainda há pedaços de bosques nativos e pode-se dizer que é uma cidade à parte onde tudo é bonito e agradável. Fora dessa região, uma cidade simplesmente monótona e igual, mas sempre com a intensa presença do verde. Porto Alegre tem uma organização social distinta e curiosa. A maioria pode se impressionar, mas a organização social da capital gaúcha é muito semelhante a do Rio de Janeiro. Ambas são cidades em que pobres e ricos vivem muito perto. Onde termina um bairro de classe média alta em Porto Alegre inicia um bairro pobre. Essa organização faz com que não existam regiões como a que eu vivo em Medellín, pois em Porto Alegre a mistura é sempre notória.

Medelín é uma cidade sectária. Da classe média para baixo todos vivem ou no centro da cidade ou nas montanhas que rodeiam a cidade. É uma organização urbana semelhante à de São Paulo com suas periferias bárbaras. Em Medelín não há pobres em bairros ricos e vice-versa. Em Medelín não há espaços públicos de lazer como há em Porto Alegre. Não há parques nem um lago com uma orla como a do Guaíba que torna um bairro como Ipanema uma atração turística para as camadas populares que não podem pagar por lazer. No meu bairro em Medelín, o mais caro e bonito da cidade, não há parques nem um lago. Em muitas partes do bairro não há nem calçada o que torna essa área apenas propícia para os carros, mais ou menos no estilo Los Angeles ou Miami. As classes mais abastadas vão, nos seus carros, aos incontáveis xópins e centros comerciais que se espalham pelo bairro e consomem, gastam dinheiro. As classes populares, sem tanto poder aquisitivo, são obrigadas a ficarem em seus bairros onde podem consumir em estabelecimentos adequados aos seus orçamentos. Soma-se a ausência de um verdadeiro sistema de transporte que torna a ida de essas populações aos bairros mais ricos mais difíceis.

Essa situação faz com que esse meu bairro esteja sempre agradável: limpo e sem vandalismos enquanto que bairros porto-alegrenses como Ipanema sejam devastados pela marginalia que baixa nos fins de semana e pelos próprios moradores vândalos que vivem muito perto e de forma muito acessível dos bairros mais nobres.

Muito mais diferente do que as cidades em si, as populações dessas duas localidades se diferem em gênero, número e grau. Um cambojano é mais semelhante a um gaúcho do que um cara de Medelín. Exageros à parte, há inúmeros fatores que fazem com que os porto-alegrenses sejam tão distintos aos cidadãos de Medelín. Para começo de análise o fator mais antagônico entre esses dois grupos é o humor e a educação, ou melhor dito, o que significa “educação” em cada um desses rincões. O povo da capital de Antioquia entende que é educado cumprimentar a todos e com um jogo de palavras que seria visto como um excesso para os gaúchos e que era excessivo para mim quando lá cheguei. Tive que adaptar minha forma de interagir para não ser taxado de mal educado. Depois de um ano longe de Porto Alegre, confesso que me sinto insultado quando me vejo envolvido em uma interação banal entre duas pessoas ou mais desconhecidas. Não há “bons dias” nem “boas tardes” e é difícil de encontrar simpatia. Os gaúchos atuam de forma brusca e direta enquanto que os colombianos atuam sempre de uma forma que ao princípio pode parecer falsa, mas depois se revela ser extremamente natural.

No entanto toda essa formalidade também tem seu lado negativo. É raro encontrar nas relações humanas colombianas um grau de intimidade que esteja acima de qualquer regra de convívio social. Não há a extremada intimidade nem entre amigos nem entre familiares o que me causa certo desconforto.

Deixando as formalidades de lado, vamos aos hábitos e a primeira grande divergência entre os dois grupos analisados é a diversidade de personalidades dos gaúchos e a uniformidade colombiana. Na Colômbia as pessoas são tão iguais, gostam tanto das mesmas coisas que arriscaria a dizer que ricos e pobres gostam e desfrutam das mesmas coisas. No Rio Grande do Sul é exatamente o contrário. Os gaúchos são sectários em relação a hábitos dependendo da classe social. Isso é bom ou ruim? Depende. Eu preferiria que todos fossem iguais como na Colômbia, mas com os meus gostos o que é impossível. Se fosse então obrigado a escolher uma forma social melhor, ficaria com a gaúcha, pois dá a chance de se ter grupos de pessoas diferentes que usufruem e consomem coisas distintas. Vou tentar colocar na prática através de exemplos.

Em Medelín todos os cidadãos gostam apenas de músicas típicas locais. Esse comportamento demonstra algo mais do que o óbvio. Em Medelín não há o interesse em buscar, procurar, questionar. Tudo é aceito. Ouve-se o que o rádio oferece. Em Medelín todos acham que o ápice da diversão de um ser humano é reunir-se com amigos ou parentes em uma casa no meio das montanhas, ouvir música sertaneja e beber cachaça até a inconsciência. Aliás, a cachaça tem que estar presente sempre. Não há confraternização interpessoal em que a cachaça não esteja presente. Outra vez: esse dado tem mais significância do que o que transparece num primeiro momento. A limitação intelectual do povo que resulta em um senso de humor deplorável faz com que a reunião de pessoas se torne insuportável sem a presença de um elemento que altere suas percepções e aí que entra a cachaça.

O quê o pobre e o rico fazem em um fim de semana em Medelín? Vão para uma casa de campo embriagar-se ouvindo sertanejo e fazendo sopão no pátio.
Em Porto Alegre o sectarismo de classes é gritante. Quem ouve sertanejo em Porto Alegre? Os pobres. Quem bebe cachaça? Os pobres. As classes mais abastadas têm hábitos completamente diferentes e soma-se a esse comportamento o fator cosmopolita dos cidadãos de classes médias e superiores em Porto Alegre. Todos se interessam por artistas de outros países. Todos têm interesse em viajar, buscar novos destinos enquanto que os pobres seguirão sempre na sua mesmice consumindo o que o rádio os oferece, o que a grande mídia quer que eles consumam, exatamente como acontece em Medelín com a diferença de que lá isso funciona com todo mundo.
Mas nem tudo são flores em Porto Alegre. É difícil de encontrar em Medelín seres tão repugnantes como vemos em cada esquina por aqui. Os homens de Medelín são, como já citei em muitos textos anteriores, muito semelhantes em hábitos aos habitantes do interior de São Paulo, Minas Gerais e Goiás: gordinhos esturricados em roupas pseudo-féxions e adoradores de música sertaneja e que vêem o Estados Unidos como o lugar mais bacana do planeta, com destaque para Miami e Las Vegas. No entanto, é difícil de encontrar em Medelín os nossos babacas de plantão, aqueles caras que acham que o tamanho de seus músculos é a coisa mais importante do mundo, que praticam jiu-jítsu e que vão à praia de sunga arder em uma fogueira de vaidades e de preferência encontrar alguém para brigar como um pitbull. Em Medelín são menos. Os que se interessam pelo corpo são os homossexuais enquanto os gordinhos sertanejos exibem suas barrigas inchadas de cachaça com certo orgulho.

E o meu microcosmo, a última parte da análise, o quê é isso? Simples, é o mundo à parte em que eu vivia em Porto Alegre e que é composto por pessoas que me acompanham há mais de 10 anos no mínimo. Caras que ficam de mau humor caso a música seja ruim. Caras que desfrutam uma noite de sexta-feira ou de sábado na frente de uma churrasqueira sem necessidade alguma de consumir álcool e que tem em seu ponto mais forte e apreciável a capacidade de falar besteiras ou abordar um assunto mais sério com o mesmo humor inteligente que torna qualquer tema agradável. É bom passar uma noite de quinta ou sexta jogando um jogo de tabuleiro ou vendo um filme na casa de um amigo na paz, sem necessidade de excessos, apenas desfrutando da companhia de cada amigo eterno. Esse microcosmo construído ao longo da vida e composto por integrantes selecionados a dedo é impossível de ser recriado.

Prometi uma conclusão, mas alertei que essa poderia concluir nada ou muito pouco. Qual cidade é melhor? Difícil de dizer. Eu não gosto de nenhuma das duas, e não sei se posso considerar alguma delas superior. Uma ganha em determinados quesitos, mas perde em outros. Medelín é mais bonita em sua área fora das montanhas, mas Porto Alegre é mais rock and roll, é mais rica culturalmente, mais diversa, multicultural, ainda repleta de personagens; em Medelín não há tantas figuras extremamente babacas, mas todos são simplórios, comuns, sem senso de humor e obsessivos com a aparência. O quê é melhor: um time com 7 jogadores terríveis e 4 craques ou um time com 11 jogadores medianos?

Em Medelín não há espaço para a diferença, em Porto Alegre somos obrigados a viver juntos com a diferença o que é extremamente desagradável. Em Medelín o trânsito é caótico e os motoristas se comportam como verdadeiros bárbaros enquanto que na capital gaúcha pode-se dizer que o trânsito é civilizado. Em Medelín rostos e corpos femininos são destruídos por hediondas e numerosas cirurgias plásticas; em Porto Alegre há nossas “belezas naturais” que, no entanto, são mal humoradas. Em Medelín, apesar de haver obviamente as mulheres da pá virada, há grande quantidade de boas mulheres enquanto que em Porto Alegre venera-se a promiscuidade. Em Medelín ninguém fuma enquanto que em Porto Alegre muita gente ainda fuma, especialmente as mulheres e até algumas de nossas belezas naturais fumam e perdem a sua aura de imediato.

A solução então seria morar em Paris ou Londres, com os preços de Quito e com as mulheres suecas, comida brasileira, amabilidade de Medelín, ironia, clima e rock and roll britânicos, filosofia francesa, caráter alemão, fibra polaca, chocolates belgas e suíços, honestidade escandinava, demência e futebol argentinos, tranquilidade uruguaia meus irmãos e amigos ao lado e com minha pequena grande mulher me vendo envelhecer.

PS: para quem leu o texto “Quito”, descobri o número de colombianos que vivem no Equador: 500 mil. Explicado porque eu vi tantos cafeteiros por lá.

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