Muitas pessoas dizem que é injusto e não recomendável a comparação entre atletas. Muitos brasileiros vão mais além e dizem que Pelé, mesmo considerando que a maioria não o viu jogar, é "incomparável", fez mais de mil gols e que JAMAIS nascerá outro talento assim. Em primeiro lugar considero que todas as pessoas e coisas podem sem "comparáveis"; segundo, os mais de mil gols do Pelé sao questionáveis, a FIFA reconhece uns 500, pois somente conta os "oficiais" e Pelé fez a maioria de seus gols em amistosos caça-niqueis pelo mundo, sem contar que jamais jogou na Europa. Por fim, quem poderia, lá pelo anos setenta, dizer que JAMAIS haveria outro? Qual fenômeno deveria pairar sobre a Terra para impedir a perpetuação e o aperfeiçoamento do talento em qualquer área?
Eu não vi o Pelé jogar, mas já vi mais de setenta jogos completos do dito cujo. Vi pouco do Maradona "ao vivo", mas outros vários vídeos de jogos completos e posso comparar.
Morando na Colômbia tenho acesso a vários canais esportivos argentinos e quase que diariamente vejo comentaristas dementes desse país degladiando-se em discussões sobre quem é melhor, Diego ou Messi? Há outros mais "paz e amor" que, assim como os brasileiros no tema Pelé x Diego, dizem que nao se pode comparar. O que Neymar faz aí no título de meu texto?
Antes de que meus dois leitores comecem a questionar o porquê da presença de Ali no título, os aviso que o texto nao é uma fútil comparação de talentos da bola. É, sim, uma comparação de personagens do esporte.
Ali e Pelé "eram" negros. Ali já morreu e o segundo conseguiu a fama já aos 17 anos. O terceiro, Neymar, diz que nao é negro. Ali tinha uma fama mundial, muitos afirmam que é o atleta mais famoso de todos os tempos. Pelé chegou perto de Ali em termos de fama, conseguiu a façanha de ser o primeiro a gerar interesse entre os americanos por futebol. Neymar é uma personalidade longe dos primeiros citados, mas, em tempos de tecnologia da informação muito superiores, tem, talvez, o mesmo poder "midiático" que Ali e Pelé. No entanto, diferentemente de Ali e Pelé, Neymar, segundo ele, não é negro e, por isso, jamais sofreu racismo.
Ali vestiu a camiseta. Usou sua fama para combater um escancarado racismo que existia no seu país. Voltou com a medalha de ouro de Roma e teve seu pedido de um cachorro-quente negado por um vendedor que justificou sua negativa ao dizer que eles não estavam autorizados a servir negros. Ali jamais aceitou. Há boatos de que jogou sua medalha em um rio e se converteu ao islamismo, pois, na cultura católica, o negro era visto como o lado negativo da moeda, o "lado negro". Ali foi peça fundamental no estratagema dos grupos que lutaram pelos direitos e pela igualdade dos negros americanos. Sentou-se à mesma mesa dos líderes dos panteras negras e de nomes como Malcolm X e Marthin Luther King. Ali combateu o poder, como todos sabem, não quis ir ao Vietnã matar pessoas que nada fizeram contra ele. Ali foi mais que um atleta, foi um ativista, foi um ator social.
Por que Pelé jamais lutou pelos direitos dos negros mesmo tendo a faca e o queijo nas mãos? Vale lembrar que quando Pelé chegou ao Estados Unidos ainda havia fortes vestígios do apartheid americano. Voltando ao Brasil, será que Pelé considerava que não existia racismo no Brasil? Será que o fato de que não se proibiam negros de se sentar nos mesmos lugares dos brancos e tomar água do mesmo bebedor fez com que o "ingênuo" Pelé sentisse que isso não existia no seu próprio país? Seria Pelé ingênuo? Se o fosse, será que Pelé não poderia ter usado sua relevância para explicitar as desigualdades sociais de seu próprio país, ou melhor, acusar os governos autoritários da época de serem desumanos? Ali, ao se negar a ir à guerra, não cometeu um ato de defesa de sua raça, apesar de que a maioria dos combatentes eram pobres o que faz pensar que havia muitos negros. Ali tentou abrir os olhos dos americanos, brancos e negros, para a bárbara invasão americana a um país distante. Pelé, deixando sua cor de lado, não poderia ter feito algo por alguém?
É obrigatório de personalidades públicas que sejam atores sociais e denunciem disparates políticos, econômicos e sociais? Claro que não, mas admiro e COMPARO. Será que o Neymar, ao invés de fazer vídeos louvando Aécio Neves e publicando esdrúxulas fotos com o insuportável Justin Bieber não poderia ir a lugares que sim precisariam de mais visibilidade, talvez lugares que ele frequentava quando "era" negro? Repito, ele não tem obrigação de fazê-lo, mas admiro e diferencio os que fazem.
Messi e Diego sao brancos. Na Argentina quase não há negros. Não obstante, Messi e Diego são muito diferentes. Uma suposta gravação acidental flagrou Diego dizendo que Messi era uma grande pessoa, mas não era um líder. Como definimos a palavra "líder"? É muito subjetiva. Para Diego ser um líder é ser Maradona, aquele que lutava contra o poder, aquele que a cada três palavras, quatro eram denunciando o que ele via como sendo injustiças sociais, aquele que xingava o hino do país-sede, aquele que acusava um país poderoso de ter roubado território de seu povo mais do que de seu país, esse é o líder na visão "maradoniana". Messi não é Maradona, jamais será e nem quer ser. Messi não é líder? Depende, outra vez, da definição de "líder". Diria que é um líder futebolístico como Iniesta o é no Barcelona sem jamais aumentar seu tom de voz. Não são maradonas. Maradona representa o argentino pobre, sem direitos, sem visibilidade; Messi é o argentino de classe média criado na Espanha longe de qualquer vestígio de problema social. Por que a Argentina é o único lugar do mundo onde ainda se questiona, e muito, chegando ao ponto de comentaristas dizerem que ele deveria ser reserva da seleção ou não ser convocado? Porque a maioria dos argentinos se identifica mais com Diego, Maradona é humano, é igual a maioria enquanto que Messi pode ser aquilo que a maioria dos argentinos gostariam de ser. Messi representa a sociedade que a maioria dos argentinos gostaria de ter em seu país: educado, profissional, estável, sereno, entre outro adjetivos.
O esporte é uma das coisas mas supervalorizadas dentro de nossa sociedade. Sua importância é ínfima para o bem comum. No entanto, personagens, atores sociais, estes sim, não importa onde conquistaram sua reputação, podem ser importantes e fazer bom uso de seu poder. Sendo assim, Maradona e Ali foram grandes, dentro e fora dos campos/ringues enquanto anos serão apenas seres superdotados em algo pouco importante.
quarta-feira, 22 de junho de 2016
domingo, 12 de junho de 2016
O Tempo E A Chuva
No passado
dia 15 de maio eu fiz 34 anos. Nao é um número redondo, não fiz
30, nem 40, nem 50 e muito menos a idade é um tema que seja para mim
importante. Ou não era? Considerando que tenho amigos de menos de 30
anos e uns com mais de 60, isso quer dizer que a idade dos demais não
me é algo relevante; no entanto, a minha idade passou a ser algo que
pelo menos me faz pensar.
Lembro de
minha vó dizendo que o mês ou o ano haviam passado muito rápido
este mês ou este ano. Minha reação era sempre de rebater usando meu
aguçado instinto lógico dizendo que todos os meses ou anos
demoravam o mesmo tempo para passar, claro, considerando as pequenas
diferenças de alguns meses. Lembro também que muitas das coisas que
os velhos diziam eram, para mim, coisas de velho, ou seja, não
faziam parte de minha realidade. Nao sou velho. Mas sou o suficiente
para poder notar diferenças e poder olhar na cara de um adolescente
e lhe dizer: “espera, tu vais ver que as coisas não são bem assim
quando fores mais velho”. Já há a diferença, já existe o “gap”.
O tempo
sim passa mais rápido apesar dos dias ainda terem 24 horas, as
semanas sete dias, os meses entre 28 e 31 dias e os anos 365. O que
muda é a percepção do tempo. Lembro que, quando uma Copa do Mundo
findava eu pensava: “nunca mais”. A distância de quatro anos era
um período de tempo tao absurdamente enorme que parecia que eu já
estaria em uma situação completamente diferente quando esse dia
chegasse, parecia que a minha realidade seria outra; um filme era
eterno, dificilmente conseguia vê-los de uma vez só. Duas horas
eram um tempo sem fim. O próximo fim de semana demorava séculos
para chegar e as aulas milênios para acabarem. Os finais de férias
pareciam uma profecia acertada do próximo ano letivo de 1001 dias.
Hoje tudo
passa rápido e acho que todos os adultos veem dessa forma e os
motivos são os mais variados para termos essa ideia. Será que a
vida de compromissos, de mais deveres do que prazeres é o motivo?
Será que a simples e fisiológica forma de pensar de um adulto é
assim bem diferente? Ou será que a questão é matemática e, a
medida que se vive mais, os períodos correntes se tornam lacuna de
tempo que representam um porcentagem menor de nosso tempo vivido que
antes? Nao sei.
Noto
também que esse tempo passou quando cheiros do passado desfilam por
minha cabeça. Algumas vezes é fácil de saber que cheiro era esse,
outras simplesmente causam um doce sabor amargo de épocas passadas.
Às vezes não são cheiros, são frases, imagens, pessoas, momentos,
muitas coisas ainda perambulam nas partes mais misteriosas de nosso
cérebro que se dedica mais às funções a ele dadas nesse momento,
mas que ainda encontra lugar para guardar tudo que estava nas páginas
já viradas. Nao são coisas ditas importantes que volta e meia
perambulam em minha cabeça. Poderia ser o sonho que comia sempre em
Manchester que se conecta com o que meu vô me trazia da padaria de
Ipanema. Pode ser o cheiro do pao recém feito em um mercado que já
não existe mais, ou aquele dia que acordei tarde e tive que caminhar
léguas pra comer um xis com o Ângelo numa espelunca. Pode ser a
bola que deu na trave depois de dois chapéus seguidos sem deixar
cair, ou um lançamento de 50 metros que uma vez dei de letra na
cancha da comunidade judaica. Ou, claro, personagens que morreram e
que talvez não fui capaz de compreender estas mortes quando
ocorreram.
Esses dias
vi um programa sobre a Copa de 90, a minha primeira. Toto Schillaci,
Baggio, Diego, Caniggia, Checoslováquia, a ruindade do Dunga, são
lembranças que parecem vir de outra idade. A primeira memória de
uma copa que eu tenho é justamente a jogada do Maradona e o gol do
Caniggia. O Maradona hoje tem 55 anos. Ainda falando de futebol, já
sou mais velho que a maioria deles e já vi jogadores começarem e
acabarem suas carreiras. Aliás, que saudades dos jogadores dessa
época, não pelo talento que segue existindo, mas por suas
personalidades mais terrenais, eram mais parecidos ao cidadao comum,
não eram celebridades. Penso nisso quando os vejo chegando a um
estádio com fones imensos, olhar fixo pro horizonte e uma arrogância
enorme. Antes não era assim. Pensei nisso na semana passada ao ver o
Neymar tirando selfies com o Justin Bieber no estádio. Esse papel
era, antes, dos astros do cinema, não dos jogadores que eram mais
esportistas, não patéticas e esquizofrênicas celebridades.
Em alguns
dias mais monótonos, quando as obrigações do dia a dia dao uma
chance, me vejo analisando como estamos, de onde viemos, se agora é
melhor ou pior. Para o indivíduo sempre será pior, mas como
sociedade? Temos mais direitos, menos preconceitos, mais inclusão,
isso é inegável, mas deixando o pensamento lógico de lado e dando
espaço a um lirismo humano, é melhor? Para mim estamos piores. Será
só para mim? Será que temos essa visão porque não conseguimos
separar o indivíduo do todo? Pode ser, mas acho tudo pior. Considero
a tecnologia uma maravilha, mas ao mesmo tempo que trouxe mais
opções, ceifou algumas coisas mais importantes como a imaginação
infantil. Penso que o mundo aumentou a carga de trabalho do cidadão e
por isso a arte hoje é vista como algo que serve para distrair, nada
mais. Somos uma massa de bobos querendo ser entretidos, queremos
simplesmente pensar em outra coisa. Hoje há espaço para tudo e
todos, mas será que isso é bom sempre? Será que os atuais
enfadonhos artistas e pessoas realmente deveriam ter o seu espaço?
Comparemos a música negra. Os negros foram os alicerces do rock.
Tivemos Elvis como o branco que levou a essência da música negra
aos brancos, ao mundo. Isso “descriminalizou” monstros do blues e
depois Chuck Berry e mais além Michael Jackson. Que tipo de música
POPULAR os negros fazem hoje? Hip Hop. Ou seja, nada. E os brancos
não escapam. Esses dias vi o novo clipe do Enrique Iglesias com
Pitbull. Fiquei pasmo, pois a ruindade “pop” ainda consegue me
pasmar. É deprimente. E para os que se creem “sofisticados”,
temos chatices disfarçadas de descolados como Coldplay.
Além das
óbvias mudanças da sociedade também existe a grande revolução do
indivíduo. Ninguém se mantém a mesma pessoa. Eu abandonei todos os
“ismos” como já dizia Fito Páez. Nenhum ismo é independente de
pessoas e eu não acredito na maioria das pessoas. Sempre fui ateu
convicto, mas hoje questiono a existência de algo que poderia chamar
de Deus, mas que não tem qualquer semelhança com a bizarrice do
Deus que está aí de olho em todo mundo e cuidando de todo mundo que
as grandes religiões vendem no melhor estilo 1984 de Orwell. Sou mais
liberal para comportamentos, mas mais conservador para outras coisas.
A morte hoje é algo mais agudo para mim, sou também mais pessimista
(ou realista?). Morre David Bowie e tenho certeza de que ele é um
dos primeiros dos últimos a morrer. Analisando o que está por vir,
e parodiando “High Hopes” do Pink Floyd, não acho que a grama
será mais verde e a vida será mais brilhante. Vejo uma massificação
do pensamento vazio e da estupidez ao mesmo tempo que constantemente
me questiono se isso é tudo o que eu poderia fazer nessa minha fugaz
passagem por aqui.
Canso
quando jogo futebol 90 minutos sob um solaço do meio-dia; isso é
normal, até os profissionais cansam, mas ninguém me tira da cabeça
que, com dez anos menos, cansaria menos. Estou errado em pensar
assim, mas isso me aflige. Minha mulher, que conheci com 25 anos,
parece cada dia mais bonita, e isso é uma espécie de porta
entreaberta que deixa entrar uma luz de esperança. Fui ao xou dos
Rolling Stones, uma das coisas que deveria fazer antes de morrer.
Tinha pessoas tirando fotos de si mesmas durante todo o xou. Isso me
irritou. Nao deveria. Por que as pessoas hoje tiram fotos de si
mesmas se cada vez a população, na maioria dos lugares, somente
aumenta? Antes não se fazia isso porque as pessoas não
desperdiçariam uma foto de um filme com uma foto ruim. No entanto
eles poderiam tranquilamente fazer selfies com as câmeras de filme.
Por que não o faziam? Porque essas fotos são ruins. Por que hoje o
fazem? Porque essas fotos passaram a ser vistas como boas. Pioramos.
As grandes
corporações uniformizam tudo. Sempre fui fascinado pelas diferentes
culturas e sociedades, era um Claude Levi-Strauss precoce. Hoje todos
os lugares estao ficando iguais. A cinza, roqueira e futeboleira
Manchester, outrora feia e rabugenta, mas com atitude, hoje é
diferente, é cool, paz e amor. Em qualquer parte de minha amada
Londres são os mesmos negócios, as mesmas marcas. União Europeia,
união disso, união daquilo, a ideia é sermos todos iguais, todos
bobinhos, consumistas e parecidos, uns “trouxas” como diria meu
pai. Pessoas bem-intencionadas defendem isso, dizem que o mundo muda,
que deve ser assim...nao deve ser assim. O mundo é interessante por
suas diferenças, não quero um mundo em que Cracóvia, Londres e
Islamabad sejam iguais, o mundo vai, a passos longos, perdendo seu
encanto, seu charme e a vida, consequentemente, vai ficando mais
chata.
A solução
é, como diz um amigo, se fechar naqueles que valorizamos e tentar
driblar as modernices que nos causam desconforto. Em alguns dias
estou junto àqueles que sempre estiveram e que pouco mudaram para
recordar histórias (e cheiros) de um passado muito distante que cada
vez é mais árduo de lembrar. Antes, sob o calor senegalês de Porto
Alegre, não titubeava em tirar a camisa e tomar um banho de chuva de
verão; hoje penso que vou molhar a roupa, que vou molhar a casa ao
entrar e não o faço. O tempo vai nos tornando pessoas mais
complicadas e tristes.
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