domingo, 12 de junho de 2016

O Tempo E A Chuva

No passado dia 15 de maio eu fiz 34 anos. Nao é um número redondo, não fiz 30, nem 40, nem 50 e muito menos a idade é um tema que seja para mim importante. Ou não era? Considerando que tenho amigos de menos de 30 anos e uns com mais de 60, isso quer dizer que a idade dos demais não me é algo relevante; no entanto, a minha idade passou a ser algo que pelo menos me faz pensar.

Lembro de minha vó dizendo que o mês ou o ano haviam passado muito rápido este mês ou este ano. Minha reação era sempre de rebater usando meu aguçado instinto lógico dizendo que todos os meses ou anos demoravam o mesmo tempo para passar, claro, considerando as pequenas diferenças de alguns meses. Lembro também que muitas das coisas que os velhos diziam eram, para mim, coisas de velho, ou seja, não faziam parte de minha realidade. Nao sou velho. Mas sou o suficiente para poder notar diferenças e poder olhar na cara de um adolescente e lhe dizer: “espera, tu vais ver que as coisas não são bem assim quando fores mais velho”. Já há a diferença, já existe o “gap”.

O tempo sim passa mais rápido apesar dos dias ainda terem 24 horas, as semanas sete dias, os meses entre 28 e 31 dias e os anos 365. O que muda é a percepção do tempo. Lembro que, quando uma Copa do Mundo findava eu pensava: “nunca mais”. A distância de quatro anos era um período de tempo tao absurdamente enorme que parecia que eu já estaria em uma situação completamente diferente quando esse dia chegasse, parecia que a minha realidade seria outra; um filme era eterno, dificilmente conseguia vê-los de uma vez só. Duas horas eram um tempo sem fim. O próximo fim de semana demorava séculos para chegar e as aulas milênios para acabarem. Os finais de férias pareciam uma profecia acertada do próximo ano letivo de 1001 dias.

Hoje tudo passa rápido e acho que todos os adultos veem dessa forma e os motivos são os mais variados para termos essa ideia. Será que a vida de compromissos, de mais deveres do que prazeres é o motivo? Será que a simples e fisiológica forma de pensar de um adulto é assim bem diferente? Ou será que a questão é matemática e, a medida que se vive mais, os períodos correntes se tornam lacuna de tempo que representam um porcentagem menor de nosso tempo vivido que antes? Nao sei.

Noto também que esse tempo passou quando cheiros do passado desfilam por minha cabeça. Algumas vezes é fácil de saber que cheiro era esse, outras simplesmente causam um doce sabor amargo de épocas passadas. Às vezes não são cheiros, são frases, imagens, pessoas, momentos, muitas coisas ainda perambulam nas partes mais misteriosas de nosso cérebro que se dedica mais às funções a ele dadas nesse momento, mas que ainda encontra lugar para guardar tudo que estava nas páginas já viradas. Nao são coisas ditas importantes que volta e meia perambulam em minha cabeça. Poderia ser o sonho que comia sempre em Manchester que se conecta com o que meu vô me trazia da padaria de Ipanema. Pode ser o cheiro do pao recém feito em um mercado que já não existe mais, ou aquele dia que acordei tarde e tive que caminhar léguas pra comer um xis com o Ângelo numa espelunca. Pode ser a bola que deu na trave depois de dois chapéus seguidos sem deixar cair, ou um lançamento de 50 metros que uma vez dei de letra na cancha da comunidade judaica. Ou, claro, personagens que morreram e que talvez não fui capaz de compreender estas mortes quando ocorreram.

Esses dias vi um programa sobre a Copa de 90, a minha primeira. Toto Schillaci, Baggio, Diego, Caniggia, Checoslováquia, a ruindade do Dunga, são lembranças que parecem vir de outra idade. A primeira memória de uma copa que eu tenho é justamente a jogada do Maradona e o gol do Caniggia. O Maradona hoje tem 55 anos. Ainda falando de futebol, já sou mais velho que a maioria deles e já vi jogadores começarem e acabarem suas carreiras. Aliás, que saudades dos jogadores dessa época, não pelo talento que segue existindo, mas por suas personalidades mais terrenais, eram mais parecidos ao cidadao comum, não eram celebridades. Penso nisso quando os vejo chegando a um estádio com fones imensos, olhar fixo pro horizonte e uma arrogância enorme. Antes não era assim. Pensei nisso na semana passada ao ver o Neymar tirando selfies com o Justin Bieber no estádio. Esse papel era, antes, dos astros do cinema, não dos jogadores que eram mais esportistas, não patéticas e esquizofrênicas celebridades.

Em alguns dias mais monótonos, quando as obrigações do dia a dia dao uma chance, me vejo analisando como estamos, de onde viemos, se agora é melhor ou pior. Para o indivíduo sempre será pior, mas como sociedade? Temos mais direitos, menos preconceitos, mais inclusão, isso é inegável, mas deixando o pensamento lógico de lado e dando espaço a um lirismo humano, é melhor? Para mim estamos piores. Será só para mim? Será que temos essa visão porque não conseguimos separar o indivíduo do todo? Pode ser, mas acho tudo pior. Considero a tecnologia uma maravilha, mas ao mesmo tempo que trouxe mais opções, ceifou algumas coisas mais importantes como a imaginação infantil. Penso que o mundo aumentou a carga de trabalho do cidadão e por isso a arte hoje é vista como algo que serve para distrair, nada mais. Somos uma massa de bobos querendo ser entretidos, queremos simplesmente pensar em outra coisa. Hoje há espaço para tudo e todos, mas será que isso é bom sempre? Será que os atuais enfadonhos artistas e pessoas realmente deveriam ter o seu espaço? Comparemos a música negra. Os negros foram os alicerces do rock. Tivemos Elvis como o branco que levou a essência da música negra aos brancos, ao mundo. Isso “descriminalizou” monstros do blues e depois Chuck Berry e mais além Michael Jackson. Que tipo de música POPULAR os negros fazem hoje? Hip Hop. Ou seja, nada. E os brancos não escapam. Esses dias vi o novo clipe do Enrique Iglesias com Pitbull. Fiquei pasmo, pois a ruindade “pop” ainda consegue me pasmar. É deprimente. E para os que se creem “sofisticados”, temos chatices disfarçadas de descolados como Coldplay.

Além das óbvias mudanças da sociedade também existe a grande revolução do indivíduo. Ninguém se mantém a mesma pessoa. Eu abandonei todos os “ismos” como já dizia Fito Páez. Nenhum ismo é independente de pessoas e eu não acredito na maioria das pessoas. Sempre fui ateu convicto, mas hoje questiono a existência de algo que poderia chamar de Deus, mas que não tem qualquer semelhança com a bizarrice do Deus que está aí de olho em todo mundo e cuidando de todo mundo que as grandes religiões vendem no melhor estilo 1984 de Orwell. Sou mais liberal para comportamentos, mas mais conservador para outras coisas. A morte hoje é algo mais agudo para mim, sou também mais pessimista (ou realista?). Morre David Bowie e tenho certeza de que ele é um dos primeiros dos últimos a morrer. Analisando o que está por vir, e parodiando “High Hopes” do Pink Floyd, não acho que a grama será mais verde e a vida será mais brilhante. Vejo uma massificação do pensamento vazio e da estupidez ao mesmo tempo que constantemente me questiono se isso é tudo o que eu poderia fazer nessa minha fugaz passagem por aqui.

Canso quando jogo futebol 90 minutos sob um solaço do meio-dia; isso é normal, até os profissionais cansam, mas ninguém me tira da cabeça que, com dez anos menos, cansaria menos. Estou errado em pensar assim, mas isso me aflige. Minha mulher, que conheci com 25 anos, parece cada dia mais bonita, e isso é uma espécie de porta entreaberta que deixa entrar uma luz de esperança. Fui ao xou dos Rolling Stones, uma das coisas que deveria fazer antes de morrer. Tinha pessoas tirando fotos de si mesmas durante todo o xou. Isso me irritou. Nao deveria. Por que as pessoas hoje tiram fotos de si mesmas se cada vez a população, na maioria dos lugares, somente aumenta? Antes não se fazia isso porque as pessoas não desperdiçariam uma foto de um filme com uma foto ruim. No entanto eles poderiam tranquilamente fazer selfies com as câmeras de filme. Por que não o faziam? Porque essas fotos são ruins. Por que hoje o fazem? Porque essas fotos passaram a ser vistas como boas. Pioramos.

As grandes corporações uniformizam tudo. Sempre fui fascinado pelas diferentes culturas e sociedades, era um Claude Levi-Strauss precoce. Hoje todos os lugares estao ficando iguais. A cinza, roqueira e futeboleira Manchester, outrora feia e rabugenta, mas com atitude, hoje é diferente, é cool, paz e amor. Em qualquer parte de minha amada Londres são os mesmos negócios, as mesmas marcas. União Europeia, união disso, união daquilo, a ideia é sermos todos iguais, todos bobinhos, consumistas e parecidos, uns “trouxas” como diria meu pai. Pessoas bem-intencionadas defendem isso, dizem que o mundo muda, que deve ser assim...nao deve ser assim. O mundo é interessante por suas diferenças, não quero um mundo em que Cracóvia, Londres e Islamabad sejam iguais, o mundo vai, a passos longos, perdendo seu encanto, seu charme e a vida, consequentemente, vai ficando mais chata.


A solução é, como diz um amigo, se fechar naqueles que valorizamos e tentar driblar as modernices que nos causam desconforto. Em alguns dias estou junto àqueles que sempre estiveram e que pouco mudaram para recordar histórias (e cheiros) de um passado muito distante que cada vez é mais árduo de lembrar. Antes, sob o calor senegalês de Porto Alegre, não titubeava em tirar a camisa e tomar um banho de chuva de verão; hoje penso que vou molhar a roupa, que vou molhar a casa ao entrar e não o faço. O tempo vai nos tornando pessoas mais complicadas e tristes.

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