No passado
dia 15 de maio eu fiz 34 anos. Nao é um número redondo, não fiz
30, nem 40, nem 50 e muito menos a idade é um tema que seja para mim
importante. Ou não era? Considerando que tenho amigos de menos de 30
anos e uns com mais de 60, isso quer dizer que a idade dos demais não
me é algo relevante; no entanto, a minha idade passou a ser algo que
pelo menos me faz pensar.
Lembro de
minha vó dizendo que o mês ou o ano haviam passado muito rápido
este mês ou este ano. Minha reação era sempre de rebater usando meu
aguçado instinto lógico dizendo que todos os meses ou anos
demoravam o mesmo tempo para passar, claro, considerando as pequenas
diferenças de alguns meses. Lembro também que muitas das coisas que
os velhos diziam eram, para mim, coisas de velho, ou seja, não
faziam parte de minha realidade. Nao sou velho. Mas sou o suficiente
para poder notar diferenças e poder olhar na cara de um adolescente
e lhe dizer: “espera, tu vais ver que as coisas não são bem assim
quando fores mais velho”. Já há a diferença, já existe o “gap”.
O tempo
sim passa mais rápido apesar dos dias ainda terem 24 horas, as
semanas sete dias, os meses entre 28 e 31 dias e os anos 365. O que
muda é a percepção do tempo. Lembro que, quando uma Copa do Mundo
findava eu pensava: “nunca mais”. A distância de quatro anos era
um período de tempo tao absurdamente enorme que parecia que eu já
estaria em uma situação completamente diferente quando esse dia
chegasse, parecia que a minha realidade seria outra; um filme era
eterno, dificilmente conseguia vê-los de uma vez só. Duas horas
eram um tempo sem fim. O próximo fim de semana demorava séculos
para chegar e as aulas milênios para acabarem. Os finais de férias
pareciam uma profecia acertada do próximo ano letivo de 1001 dias.
Hoje tudo
passa rápido e acho que todos os adultos veem dessa forma e os
motivos são os mais variados para termos essa ideia. Será que a
vida de compromissos, de mais deveres do que prazeres é o motivo?
Será que a simples e fisiológica forma de pensar de um adulto é
assim bem diferente? Ou será que a questão é matemática e, a
medida que se vive mais, os períodos correntes se tornam lacuna de
tempo que representam um porcentagem menor de nosso tempo vivido que
antes? Nao sei.
Noto
também que esse tempo passou quando cheiros do passado desfilam por
minha cabeça. Algumas vezes é fácil de saber que cheiro era esse,
outras simplesmente causam um doce sabor amargo de épocas passadas.
Às vezes não são cheiros, são frases, imagens, pessoas, momentos,
muitas coisas ainda perambulam nas partes mais misteriosas de nosso
cérebro que se dedica mais às funções a ele dadas nesse momento,
mas que ainda encontra lugar para guardar tudo que estava nas páginas
já viradas. Nao são coisas ditas importantes que volta e meia
perambulam em minha cabeça. Poderia ser o sonho que comia sempre em
Manchester que se conecta com o que meu vô me trazia da padaria de
Ipanema. Pode ser o cheiro do pao recém feito em um mercado que já
não existe mais, ou aquele dia que acordei tarde e tive que caminhar
léguas pra comer um xis com o Ângelo numa espelunca. Pode ser a
bola que deu na trave depois de dois chapéus seguidos sem deixar
cair, ou um lançamento de 50 metros que uma vez dei de letra na
cancha da comunidade judaica. Ou, claro, personagens que morreram e
que talvez não fui capaz de compreender estas mortes quando
ocorreram.
Esses dias
vi um programa sobre a Copa de 90, a minha primeira. Toto Schillaci,
Baggio, Diego, Caniggia, Checoslováquia, a ruindade do Dunga, são
lembranças que parecem vir de outra idade. A primeira memória de
uma copa que eu tenho é justamente a jogada do Maradona e o gol do
Caniggia. O Maradona hoje tem 55 anos. Ainda falando de futebol, já
sou mais velho que a maioria deles e já vi jogadores começarem e
acabarem suas carreiras. Aliás, que saudades dos jogadores dessa
época, não pelo talento que segue existindo, mas por suas
personalidades mais terrenais, eram mais parecidos ao cidadao comum,
não eram celebridades. Penso nisso quando os vejo chegando a um
estádio com fones imensos, olhar fixo pro horizonte e uma arrogância
enorme. Antes não era assim. Pensei nisso na semana passada ao ver o
Neymar tirando selfies com o Justin Bieber no estádio. Esse papel
era, antes, dos astros do cinema, não dos jogadores que eram mais
esportistas, não patéticas e esquizofrênicas celebridades.
Em alguns
dias mais monótonos, quando as obrigações do dia a dia dao uma
chance, me vejo analisando como estamos, de onde viemos, se agora é
melhor ou pior. Para o indivíduo sempre será pior, mas como
sociedade? Temos mais direitos, menos preconceitos, mais inclusão,
isso é inegável, mas deixando o pensamento lógico de lado e dando
espaço a um lirismo humano, é melhor? Para mim estamos piores. Será
só para mim? Será que temos essa visão porque não conseguimos
separar o indivíduo do todo? Pode ser, mas acho tudo pior. Considero
a tecnologia uma maravilha, mas ao mesmo tempo que trouxe mais
opções, ceifou algumas coisas mais importantes como a imaginação
infantil. Penso que o mundo aumentou a carga de trabalho do cidadão e
por isso a arte hoje é vista como algo que serve para distrair, nada
mais. Somos uma massa de bobos querendo ser entretidos, queremos
simplesmente pensar em outra coisa. Hoje há espaço para tudo e
todos, mas será que isso é bom sempre? Será que os atuais
enfadonhos artistas e pessoas realmente deveriam ter o seu espaço?
Comparemos a música negra. Os negros foram os alicerces do rock.
Tivemos Elvis como o branco que levou a essência da música negra
aos brancos, ao mundo. Isso “descriminalizou” monstros do blues e
depois Chuck Berry e mais além Michael Jackson. Que tipo de música
POPULAR os negros fazem hoje? Hip Hop. Ou seja, nada. E os brancos
não escapam. Esses dias vi o novo clipe do Enrique Iglesias com
Pitbull. Fiquei pasmo, pois a ruindade “pop” ainda consegue me
pasmar. É deprimente. E para os que se creem “sofisticados”,
temos chatices disfarçadas de descolados como Coldplay.
Além das
óbvias mudanças da sociedade também existe a grande revolução do
indivíduo. Ninguém se mantém a mesma pessoa. Eu abandonei todos os
“ismos” como já dizia Fito Páez. Nenhum ismo é independente de
pessoas e eu não acredito na maioria das pessoas. Sempre fui ateu
convicto, mas hoje questiono a existência de algo que poderia chamar
de Deus, mas que não tem qualquer semelhança com a bizarrice do
Deus que está aí de olho em todo mundo e cuidando de todo mundo que
as grandes religiões vendem no melhor estilo 1984 de Orwell. Sou mais
liberal para comportamentos, mas mais conservador para outras coisas.
A morte hoje é algo mais agudo para mim, sou também mais pessimista
(ou realista?). Morre David Bowie e tenho certeza de que ele é um
dos primeiros dos últimos a morrer. Analisando o que está por vir,
e parodiando “High Hopes” do Pink Floyd, não acho que a grama
será mais verde e a vida será mais brilhante. Vejo uma massificação
do pensamento vazio e da estupidez ao mesmo tempo que constantemente
me questiono se isso é tudo o que eu poderia fazer nessa minha fugaz
passagem por aqui.
Canso
quando jogo futebol 90 minutos sob um solaço do meio-dia; isso é
normal, até os profissionais cansam, mas ninguém me tira da cabeça
que, com dez anos menos, cansaria menos. Estou errado em pensar
assim, mas isso me aflige. Minha mulher, que conheci com 25 anos,
parece cada dia mais bonita, e isso é uma espécie de porta
entreaberta que deixa entrar uma luz de esperança. Fui ao xou dos
Rolling Stones, uma das coisas que deveria fazer antes de morrer.
Tinha pessoas tirando fotos de si mesmas durante todo o xou. Isso me
irritou. Nao deveria. Por que as pessoas hoje tiram fotos de si
mesmas se cada vez a população, na maioria dos lugares, somente
aumenta? Antes não se fazia isso porque as pessoas não
desperdiçariam uma foto de um filme com uma foto ruim. No entanto
eles poderiam tranquilamente fazer selfies com as câmeras de filme.
Por que não o faziam? Porque essas fotos são ruins. Por que hoje o
fazem? Porque essas fotos passaram a ser vistas como boas. Pioramos.
As grandes
corporações uniformizam tudo. Sempre fui fascinado pelas diferentes
culturas e sociedades, era um Claude Levi-Strauss precoce. Hoje todos
os lugares estao ficando iguais. A cinza, roqueira e futeboleira
Manchester, outrora feia e rabugenta, mas com atitude, hoje é
diferente, é cool, paz e amor. Em qualquer parte de minha amada
Londres são os mesmos negócios, as mesmas marcas. União Europeia,
união disso, união daquilo, a ideia é sermos todos iguais, todos
bobinhos, consumistas e parecidos, uns “trouxas” como diria meu
pai. Pessoas bem-intencionadas defendem isso, dizem que o mundo muda,
que deve ser assim...nao deve ser assim. O mundo é interessante por
suas diferenças, não quero um mundo em que Cracóvia, Londres e
Islamabad sejam iguais, o mundo vai, a passos longos, perdendo seu
encanto, seu charme e a vida, consequentemente, vai ficando mais
chata.
A solução
é, como diz um amigo, se fechar naqueles que valorizamos e tentar
driblar as modernices que nos causam desconforto. Em alguns dias
estou junto àqueles que sempre estiveram e que pouco mudaram para
recordar histórias (e cheiros) de um passado muito distante que cada
vez é mais árduo de lembrar. Antes, sob o calor senegalês de Porto
Alegre, não titubeava em tirar a camisa e tomar um banho de chuva de
verão; hoje penso que vou molhar a roupa, que vou molhar a casa ao
entrar e não o faço. O tempo vai nos tornando pessoas mais
complicadas e tristes.
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