sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O Ocaso dos Mitos

O que os Rolling Stones, Fidel Castro e os Guns N´ Roses têm em comum? Num primeiro momento seria fácil dizer que os Stones e os Guns N´ Roses sao bandas, que os Stones foram a primeira grande banda a tocar em território cubano então ainda com a figura do comandante presente na ilha, mas nao, nao sao esses os motivos que colocam a estas figuras "pop" juntas no mesmo texto. Todos os três geraram e geram em mim nostalgia de algo nao vivido ou de algo que se acaba e nao voltará a ser vivido. Escrevo sobre símbolos que podem de certa forma representar ou melhor, trazer outra vez à tona a teoria do fim da história. Ou, se nao o fim da história, o fim da minha história. Nao viverei outros Stones ou outro Fidel.

Por que os Rolling Stones seguem lotando estádios por onde passam? O que faz com que as pessoas de diferentes países e culturas do mundo afora vão ver esses setentões há mais de 50 anos incomodando? A mesma pegunta, se adaptarmos alguns números, vale para Axl Rose, Slash e companhia. Por que ainda queremos vê-los contrariando a ideia da fugacidade de nossos tempos, tempos estes de celebridades e momentos históricos de 15 minutos de duração? Por que essa atração a esses roqueiros nao perece?

Em primeiro lugar está o que eu chamo do corredor da morte da arte. A música, as artes plásticas, o cinema e a literatura estão galopando em direção a um muro de pedras impenetráveis. Acabou. Existem ainda produtos artísticos de qualidade? Sim, mas cada vez representam uma porcentagem menor em meio à doença da mediocridade de massa que apenas mostra e dá espaço para o que é "bom"; e "bom" é o que aparece - o que aparece é "bom".

Se focarmos na música, desde o Oasis, nenhuma banda pode sequer almejar a ser considerada como uma grande banda historicamente falando. É evidente que algumas boas bandas existem, mas elas nao amarram as chuteiras dos dinossauros. As pessoas vão ver os Rolling Stones porque sabem admirar qualidade. O advento da Internet e a consequente queda nas vendas de álbuns fez com que artistas musicais passassem a lucrar apenas com suas apresentações e isso os tornou preguiçosos na hora de criar. Para que gastar tempo compondo obras-primas se nao se ganha dinheiro por isso? Escreve-se uma música pegajosa e aceitável e esta servirá de isca para levar legiões de consumidores a seus concertos.

Talvez os primeiros fas dos Stones já estejam um pouco velhos para ainda remar contra a maré, mas os seguidores dos Guns N´ Roses ainda têm força e mantêm essa utopia de ver algo de qualidade. Os Guns N´ Roses nao sao os Stones; no entanto, sao representantes da última era fértil da música. Fui vê-los por saber que estamos já nos acréscimos e por ter essa incômoda certeza dentro de mim que jamais aparecerá nada nesse deserto de estupidez em que vivemos.

O segundo motivo que leva as pessoas a irem ver esses jurássicos velhos correndo por palcos nos quatro cantos do mundo é a nostalgia. Todas as empresas que apostam na exploração do passado de gerações têm sucesso em suas jogadas. Todos os empreendimentos que exploram as saudades da geração dos baby boomers americanos sao exitosos. O ser humano sempre sentirá saudades do passado, de seus passados. Eu, analisando friamente, sempre acho o passado, o meu passado, melhor que o presente. A maioria das pessoas nao analisa friamente, simplesmente almeja o passado, clama por viver coisas que já nao podem ser vividas por limitações impostas pelo ciclo natural da vida. Ver os Stones é voltar no tempo; ver o Guns, para um coroa da minha idade, é pensar na adolescência e na juventude onde a vida era melhor e as expectativas para o futuro que parecia jamais chegar eram uma ficção de uma realidade em que vivemos porque sim, um dia chega, e constatamos o quão decepcionante é.

Axl Rose nao precisaria correr no palco; muito menos precisaria usar seus trapos xadrezes ou sua bandana. Por que ele usa? Porque ele sabe que esses símbolos sao mais valiosos inclusive que sua voz que já nao é a mesma. E o Fidel, onde entra nisso tudo?

Fidel foi um ditador e sou contra todos os sistemas ditatoriais, apesar de que muitos tiveram seus pontos positivos dependendo da forma em que os estudamos. Getúlio foi um grande presidente? Os trabalhadores brasileiros devem sua condição de "homens livres" graças a ele, mas nao posso tolerá-lo, pois este foi um ditador em um de seus dois períodos. A nossa hipocrisia é tanta que vejo a esquerda fanática chorando por Fidel, mas condenando os manifestantes verde-amarelos por exigirem a volta da ditadura; pelo outro lado a direita fanática detesta Fidel por ser um ditador, mas, como acabei de mencionar, vangloria o período ditatorial brazuca. Fidel é um Rolling Stones, é um Axl Rose. Fidel manteve, por décadas, essa chama de uma alternativa para o nosso mundo. Fidel era aquela pedra no sapato da teoria do fim da história reinante desde a queda do muro de Berlim. Cuba, uma ilha de nada, sem importância alguma, representava o vilão da única potência de nosso mundo desde o colapso da União Soviética e ao mesmo tempo era aquela resposta para a pergunta sobre a possibilidade de um "outro" mundo.

Fidel conseguiu esse protagonismo ceifando a liberdade de pessoas que pensavam diferente dele, bem como ele era nos tempos de outro ditador na mesma ilha, Fulgencio Batista. Aliás, vale a pena salientar a contradição. Dezenas de presidentes americanos condenaram a ditadura cubana, mas apoiaram todas as outras ditaduras sul-americanas incluindo a de Fulgencio e, somente para completar, ao mesmo tempo em que impuseram um embargo à Cuba devido aos seus crimes contra os direitos humanos, sao os melhores amigos de estados sanguinários como a Arábia Saudita. A contradição de conceitos nao é exclusividade brasileira.

Cuba funcionou? Do ponto de vista de um habitante de um país ocidental pós-fim da história, nao, Cuba nao funcionou. O comunismo funciona? Nao, jamais funcionou nem jamais funcionará, vai contra a natureza humana e nunca pôde conciliar liberdade com igualdade. Se nao fôssemos seres já "capitalizados", poderíamos dizer que Cuba funcionou? Aí sim. Todo mundo tem o mínimo, preserva-se a natureza do lugar e vive-se em paz, com pouca violência entre seus cidadãos. Agora, se pensarmos em um "outro mundo" que seja realmente possível, Cuba nao funcionou. A ideia de uma sociedade em que todos sao iguais e felizes, satisfeitos, nao é possível, jamais acontecerá e devemos ser realistas para nao cair em contos do vigário. Nao é possível, ponto final. Pode existir em países diminutos e com unidade racial, como os escandinavos, mas na periferia global nao. Admitir isso pode nos ajudar a pensar em uma sociedade possível mais justa e melhor para a maioria. Eu durante quase toda a minha vida iludi-me com a ideia de uma sociedade justa para todos que seria conseguida nao através do comunismo, mas que poderia existir; agora já nao penso mais nisso. Penso apenas em que poderíamos ser menos ruins. Nao foi a morte do Fidel que me fez mudar, mas poderia usar a figura do comandante como um ícone do fim do sonho de muitos e aqui estamos falando de ícones.

É possível evitar a morte da arte? Algum dia sairemos das trevas e teremos outro Renascimento? A sociedade é cíclica; civilizações e impérios se esfarelam ao longo da história, isso deverá acontecer algum dia, mas nao acho que estarei por essas bandas. Existirá algum novo sonho? Teremos algum Fidel hipermoderno que nos venda uma ideia executável de uma sociedade mais decente? A resposta é a mesma da anterior.

A solução então é escutar Justin Bieber e colocar a camisa do Neymar e ir pedir Feliciano para presidente? Eu usufruo da eternidade da arte, escuto minhas estrofes do passado e leio meus clássicos e, claro, repito filmes já vistos, ao mesmo tempo em que tenho boas expectativas com o Brexit e com Trump. Nao sao perfeitos, mas sao ideias menos ruins que outras.

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