domingo, 17 de agosto de 2014

O Futuro Colombiano

Os meus cinco anos morando na Colômbia coincidem com o aniversário de um dos ícones mais famosos do país e falo de um símbolo nefasto que é parte do grande desastre social e humano que o país vem enfrentando há 50 anos. Refiro-me às FARC.

Vou, através desse texto, analisar o que a violência gerou e ainda gera ao país bem como a influência que as negociações pela paz em Havana e as próximas eleições podem causar.

Na época do presidente anterior aqui na Colômbia, e falo de Álvaro Uribe, se criou um clima de antipatia entre dois países irmãos. Entre todas as consequências do nefasto governo de Uribe, talvez a mais marcante fosse a instalação no imaginário do colombiano comum de que a Venezuela representava “O Mal”. Uribe foi nada original. Usou uma tática já muito manjada e trabalhada por muitos déspotas como ele de criar um inimigo para justificar atos de desrespeito às liberdades políticas ou ao direito internacional. O Plano Cohen criou a tal ameaça comunista para justificar o apoio americano financeiro e ideológico aos governos militares na América, bem como a direita ucraniana pró-ocidente usa a ameaça da volta da cortina de ferro da Rússia para justificar seus golpes.

Uribe se aproveitou da estupidez de Chávez (ou talvez de sua inocência) e criou esse monstro que por muito tempo atormentou os colombianos. Chegaram ao absurdo de cogitar agressões militares entre dois países de culturas extremamente parecidas. E o pior: o povo venezuelano e o povo colombiano engoliram.

Uribe era o líder, o ídolo da direitinha Miami brasileira, que via em sua ideologia de ultradireita um exemplo do que deveria estar no poder no Brasil. Uribe seria aquele ídolo caudilho que salvaria o Brasil da mão calejada e com dedos faltando dos “comunistas”, assim como os colombianos de classe média viam Uribe como o baluarte na defesa do seu país contra os comunistas venezuelanos que estavam prestes a invadir o seu território.

Uribe é um personagem tão clichê que, no melhor estilo político republicano texano, usa o típico chapéu folclórico de sua região, tem fala sempre em tom desafiador e, para completar, se disfarçava de Rambo ou alguma das personagens de Charles Bronson ou Chuck Norris. Seu pai foi morto pelas FARC e ele usou seus dois mandatos para uma espécie de vingança pessoal embarcando toda a nação junto com ele em uma guinada afiada rumo à barbárie ao ponto de ter invadido o território de um país vizinho. Uribe fazia uso da ignorância da maioria de sua população e também do intrínseco interesse pela violência do tão cordial povo colombiano.

Quando falo desse gosto pela violência, apenas analiso fatos. A Colômbia está em guerra há 50 anos e, antes disso, penava com o derramamento de sangue por partes de liberais e conservadores e passou pela cruel guerra entre carteis de Cali e Medellín, entre outros. Qualquer sugestão de soluções pacíficas para qualquer dos tantos problemas do país é rechaçada por metade da população que tem ojeriza a qualquer aproximação com a paz. Sangue parece ser necessário para atingir os desejos dessa metade ignorante.

Uribe conquistou a maioria da população através de um discurso de guerra aberta às FARC, não ao narcotráfico, até porque a imprensa internacional demonstrou algumas pornográficas conexões do clã Uribe com grandes carteis colombianos e internacionais. Uribe tinha a classe média e a elite do país em suas mãos. 

A elite colombiana, como todas as elites mundiais, apenas se interessa pelos seus próprios interesses. Essa elite cafona vibrou com poder ir as suas casas no interior do país ou as suas fazendas sem ter que se preocupar (tanto) em ter problemas com milícias. Uribe, tendo na mão a classe dominante e os meios de comunicação extremamente conservadores, regeu o país da forma que a direitinha Miami brasileira sonha; aliás, Uribe foi, por muito tempo, o ídolo da Veja e afins no Brasil. Uribe fez o que essa elite brega brasileira mais sonha: um governo plutocrático, uma cópia latinizada do governo dos Bushes no Estados Unidos: um Estado que nada dá às camadas mais carentes do país porque “pobre tem é que trabalhar, se o Estado ajuda, não trabalham”, sim, usam esse mesmo discursinho da direitinha Miami e usam o exemplo da Venezuela a cada cinco minutos para corroborar suas estupidezes; Uribe também, no melhor estilo americano, aumentou os impostos para trabalhadores que ganham pouco e deu incentivos fiscais a multinacionais. Lembrei-me da frase de Buffet que disse que não poderia nunca entender um Estado em que a sua secretária paga mais impostos que ele.

Há de se dizer que na era Uribe houve crescimento econômico o que quer dizer muito pouco, vide os países que mais crescem ultimamente. Não é a Noruega ou a Austrália, senão economias chamadas de “emergentes”. Esse crescimento é, quase sempre, um crescimento onde os beneficiados por tal fenômeno são uma minoria, como foi por muito tempo na própria Venezuela ou no Brasil da ditadura, onde a elite tinha o poder e a segurança para fazer seus negócios, encher o bolso de dinheiro e disfrutar de uma boa vida em meio à miséria e ao analfabetismo massivo.

Juan Manuel Santos, o atual presidente recém-reeleito, deve sua primeira vitória ao apoio que recebeu de Uribe. Era o seu pupilo e seria quem iria dar o continuísmo necessário à plutocracia colombiana. Pois Santos se rebelou e resolveu fazer algo que jamais havia passado pela cabeça bélica de Uribe: negociar a paz com quem causa a não-paz: as FARC.

Antes de entrar mais a fundo nesse novo momento da política colombiana, vale destacar que atualmente as FARC não são a única forma de governo paralelo existente em território colombiano. Existem, também, as milícias de direita que Uribe sempre abertamente apoiou. Essa vertente nasceu por parte da elite para se defender dos ataques das FARC algo parecido ao que acontece nas imensidões dos latifúndios brasileiros principalmente na região nordestina. A diferença é que na Colômbia, assim como as FARC, usam fardas e possuem armamento e treinamento militar e não atuam somente em suas propriedades, senão que estão espalhados por todo o interior do país onde cobram “vacunas” que é algo que as pessoas devem pagar à guerrilha em troca de tranquilidade, ou seja, ou se paga ou se paga.

É possível um país sul-americano, do tamanho de Minas Gerais, com um governo que apoia um poder paralelo de direita que deve combater um poder paralelo de “esquerda” funcionar? Naturalmente a resposta é negativa e me faz voltar ao título desse texto: são incríveis 50 anos de guerra! Será tão descabida a ideia de Santos de acabar com essa guerra e pelo menos tentar chegar a um acordo de paz? Ou é melhor fazer como o governo sírio e jogar bombas químicas em sua própria população?

Uribe dizia que, caso ganhasse, terminaria de supetão qualquer negociação com os guerrilheiros das FARC. 

Mas, felizmente para os admiradores da democracia pacífica, ele não ganhou. O que irá acontecer? Agora é
a parte mais difícil de prever de meu texto.

Se Uribe tivesse ganhado, a guerra jamais acabaria, ou pelo menos isso não iria ocorrer nos próximos quatro anos. A elite Miami das grandes cidades não se importa pelo simples motivo de que isso já não os atinge. A violência direta gerada pela guerra já não se vê mais nas cidades mais importantes, senão nas cidades médias e pequenas. A elite Miami pensaria: a guerrilha não está mais aqui, posso ir e vir a minha casa de campo com tranquilidade, então por que ir contra esse messias? Mas a grande maioria do país sofre as mazelas de ter uma guerra eterna sugando as energias de seus cidadãos e também há de se dizer que a elite Miami é tão burra que não se dá conta de que a violência urbana que sofre é muito devida ao deslocamento de famílias que fogem do interior do país em busca de segurança nas grandes cidades. São pessoas sem qualquer forma de preparo e muitos acabam caindo no mundo da delinquência estorvando a paz idílica dos miamistas.

Ganhou Santos. O que poderá acontecer no futuro se Santos consegue acabar com a guerrilha? Vale antes destacar que quando se diz que ele acabará com a guerrilha não significa que esses cerca de quatro mil combatentes simplesmente irão para as suas casas como se nada tivesse acontecido, longe disso. A ideia é torná-los parte do sistema, colocá-los na legalidade, ou seja, deixá-los formar um partido político o que tornaria pelo menos possível que estes pudessem um dia administrar um município, um departamento ou o país.

O que isso causaria ao país? Eu tenho uma visão bem negativa da direita colombiana bem como tenho da direita brasileira. Para simplificar, os considero limitados intelectualmente, ou seja, burros. Além disso, são gananciosos, demonstram o mesmo fervor por possuir bens nos xópins de Miami quando estão no poder, ou seja, se dá nada a população que precisa, somente se aumenta os ganhos de quem tem mais e assim se mantem o status-quo histórico. Se a direita Miami não muda, pelo menos um pouco, nem precisa dar muito, mas pelo menos disfarçar, é bem provável que o efeito Venezuela ocorra na Colômbia. A que me refiro? 

Por mais que os meios de comunicação elitistas façam o seu papel com suas novelas de pobres felizes, haverá um momento que a maioria da população se cansará do pouco que recebem e de seu abandono por parte do Estado e vai querer uma mudança. Aconteceu no Brasil, na Argentina, no Peru, no Equador, no Uruguai, no Chile, nos países árabes, entre outros e isso acontece pelo simples motivo de que, apesar das diferenças culturais, todos querem uma vida melhor e um Estado que atendas as suas necessidades.

Pois na Venezuela o resultado foi mais radical e muito devido ao fato de que o país apresentou sempre baixíssimos níveis de qualidade de vida e um altíssimo contraste social o que gerou a escolha de pessoas que impuseram uma mudança drástica e radical. Os futuros ex-guerrilheiros das FARC acredito que terão um pensamento parecido e sim, caros amigos, serão eleitos, mais cedo ou mais tarde, se a elite não cede um pouco, serão eleitos. Por que partidos de extrema esquerda brasileiros não têm chances nas eleições? 

Porque o partido que está no poder DOSA as coisas e ajuda os mais necessitados, bem como faz a elite lucrar cada vez mais. Meio-termo. O pobre esbalda-se com as mixarias do Bolsa-Família, mas os banqueiros lucram como nunca o tinham feito antes e, devido ao inchaço da classe média, todo o sistema vende mais e gera mais dividendos  à classe empresária.

Pois na Colômbia não. Não se dá nada a quem precisa, pelo contrário, se cobra e cobra cada vez mais. Assim sendo, não descartem um partido de ex-combatentes das FARC ganhando o poder nos próximos vinte anos e a Colômbia poderá se transformar em uma nova Venezuela que é outro sistema que está longe de ser o ideal, pois o contrário ocorre: tudo às camadas mais pobres e um ódio contra a classe média e à elite empresária o que resulta em um país rachado de uma forma em que o sistema vem ruindo paulatinamente.

Mais abaixo a elite Miami brasileira vocifera nas redes sociais que “vai ter copa” e realmente teve, algo que nunca desconfiei, num claro exemplo da ainda fortíssima disputa entre ideologias de direita e esquerda. A direita radical considera que deu um tapa de luva nos rostos da esquerda radical brasileira, pois teve copa, ou seja, deixem o sistema trabalhar em paz e não reclamem, o capitalismo não precisa de controle, “laissez faire, laissez passer” que é o grito de guerra de quem acredita que o menos pior dos sistema é perfeito e não deve ser sequer observado com olhos desconfiados.

Ganhou Santos, a elite o odeia, teve copa e as negociações seguem em Havana. Acabará em pizza? Acabará em arepa? Não sei, mas como é bom ver a história se desdobrando mais rápida e jovial do que nunca.

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