domingo, 18 de janeiro de 2015

Andando em círculos

A Bélgica, um dos países de mais alto padrão de vida do planeta possui cerca de 300 soldados de seu exército patrulhando as ruas de suas principais cidades, metade destes em Bruxelas e Antuérpia.
Guerra civil entre flamengos contra o resto? Não, nada disso. A medida de emergência é para conter possíveis futuros atentados terroristas que poderiam ocorrer nesse pequeno país de pouco mais de onze milhões de habitantes. Evidentemente que a medida foi tomada em consequência aos atentados ocorridos em território francês que deixaram 17 civis inocentes mortos.

O mundo ocidental se reuniu em Paris e, através de uma marcha pública com milhões de pessoas, clamou pelo fim da intolerância racial e religiosa. Líderes de países como Estados Unidos e Grã-Bretanha não manifestavam somente a sua fúria e indignação contra os atentados covardes e extremistas, mas ao mesmo tempo também pedia que a população ocidental, injuriada com mais esse deplorável fato, não se pusesse contra pessoas ou religiões desses supostos terroristas. Era um movimento pela liberdade e pela tolerância e contra uma possível islamofobia que já começou a ocorrer em vários países como Suécia, Alemanha, Suíça, Franca, Bélgica, entre outros.

O movimento “je suis Charlie” é interessante. Considero qualquer manifestação humanitária pela paz algo saudável, sempre, em qualquer contexto. Não é novidade para alguém que guerra somente traz destruição e caos, por isso apoio o movimento. Alguns mais ligados reclamam que em países como a Nigéria, por exemplo, os tais jihadistas fazem e acontecem com mais frequência e com mais brutalidade, chegando ao ponto de escravizar crianças, mulheres e homens em pleno século XXI. Igual, volto ao argumento de antes. O ocidente talvez esqueceu ou ignorou o que ocorre em países caóticos de outros continentes? Talvez, mas igual eles têm todo o direito de reunir mais de um milhão de pessoas para chorar a morte de 17 compatriotas.São 17 vidas que não deveriam ter sido perdidas, especialmente desta forma. Aqui contra-argumento: por que então os líderes dos países da União Africana não fizeram o mesmo? Não sei, talvez estejam acostumados com as barbáries diárias ou simplesmente são menos hipócritas e caras-de-pau que os líderes do mundo livre ocidental.

Por que os estou ofendendo logo após defender qualquer mobilização em pró da paz? Porque eles são os principais responsáveis pela existência das guerras, da miséria e do próprio terrorismo que hoje ameaça o tal “mundo livre”. Basta voltar um pouco no tempo e abrir um pouco os olhos e vamos ver que todas as guerras atrozes ocorridas nos últimos séculos nos países árabes tiveram a forte participação ocidental. E se saímos do Oriente-Médio podemos ir ao Vietnã, um país localizado há anos-luz de distância do Estados Unidos e da extinta União Soviética e que foi transformado em palco de desfiles bélicos das duas maiores potências deste então. Despejaram-se nesse pobre país mais bombas que o fizeram nas duas grandes guerras mundiais juntas. Por quê? A guerra nessa remota região do planeta não se limitou somente ao Vietnã já citado.
Também atingiu o Camboja que foi palco de uma sanguinária guerra que tirou a vida de ¼ de sua população. De onde vieram estas armas? Foram produzidas no retrógrado e miserável Camboja?

Quando me refiro aos líderes ocidentais que estavam presentes na marcha de Paris, não fecho o foco nessas pessoas; refiro-me às suas posições: presidente americano, presidente francês, primeiro-ministro britânico, entre outros. As pessoas que ocuparam estes cargos no último século, jamais conseguiram impor uma ideia verdadeiramente pacifista. O ridículo movimento hippie foi o que mais objetivos conseguiu o que comprova a falta de interesse dos poderes ocidentais para com a paz mundial. Nunca houve paz e, sendo realista, nunca haverá. Explico isso com um pouco de genética, mas também com fatos vergonhosos, mas reais. O animal ser humano, como a grande maioria dos outros, tem, em sua genética, o gene da batalha, da disputa, da guerra. Referia-me anteriormente ao último século, mas podemos voltar mais no tempo. Pobrezinhos dos índios americanos que viviam em uma tremenda paz nesse rico continente até a chegada dos assassinos europeus. Mentira. Os índios americanos, desde os do norte até os do sul do continente, sempre viveram em constante guerra entre tribos. Por quê? Por território, por poder. Incas, guaranis, astecas, maias, todos se matavam brutalmente com requintes de crueldade por ter mais poder. Ou seja, está na genética humana e da maioria dos animais a violência e isso me faz pensar que nunca estaremos em total paz.

Soma-se a isso o mais importante que é o modelo econômico que leva as rédeas do planeta e falo como defensor da ideia de que o capitalismo é o menos pior dos sistemas. Poucos possuem muito e têm todo o poder e cada vez querem mais para si mesmos e fazem da democracia e de seus políticos simples fantoches de seus interesses escusos. Esta gente não se importa se guerra gera mortes, destruição, atraso, doenças, órfãos (ou terrorismo), o que importa é que a indústria bélica é das mais lucrativas do planeta e sempre teve laços fortes com o poder. Esta indústria bélica dá grandes contribuições para campanhas eleitorais e, obviamente, quer algo de volta, bem como acontece com as empreiteiras no Brasil o que torna o financiamento público de campanhas algo que deveria ser obrigatório em qualquer país do mundo, mas bem, este é outro tema. Este mesmo grupo aquinhoado não se importa com a recente revelação de que 2014 foi o ano mais quente já registrado na Terra. O Chifre da África agoniza com a falta de água, até mesmo São Paulo sofre, para não ir muito longe e eles não se importam. Dick Cheney, por exemplo, foi vice-presidente de Bush e era um dos vice-presidentes da Halliburton, uma das maiores refinarias do mundo. Alguém acha que daí vai sair algo concreto contra o desastre que são as políticas ecológicas do planeta? Sem chances. O capital, ou o acúmulo deste, é mais importante e sempre será.

E vamos às guerras. Saddam Hussein supostamente tinha armas atômicas de destruição de massa e somente quem pode ter estas armas e usá-las de vez em quando são as potências ocidentais. O que fazer? Invadir o Iraque! As armas nunca foram encontradas e tivemos como resultado um país sem rumo e os ingredientes de sempre: violência, terrorismo, órfãos, armas químicas sendo usadas, caos humanitário, refugiados, apátridas e por aí segue. Tony Blair e Bush foram as mentes pensantes da tal operação. Onde estão eles hoje, mesmo tendo sido confirmado que o motivo do ataque não existia? Bush deve estar em um dos seus ranchos do Texas dando dicas para seu irmão que será um dos futuros candidatos à presidência; Blair vai mais além: é, hoje, um tal de “enviado” da ONU, da União Europeia e do Estados Unidos, ou seja, todo o time “je suis Charlie”, para o Oriente Médio! Por que, outra pergunta, ambos não foram sequer convocados a prestar nem que seja um depoimento de “nada a declarar” no Tribunal Penal Internacional de Haia?

Outra pérola da galera “je suis Charlie” de colarinho branco é o pobre e defenestrado Afeganistão. Para quem já leu o livro famoso “The Kite Runner” devem ter notado que o país em questão era um país decente para se viver. Aí chegaram os soviéticos. Em plena Guerra Fria o que fez o Estados Unidos? Armou uma resistência interna, assim como estão fazendo na Síria agora, para lutar contra os invasores estrangeiros. Os soviéticos se foram e os rebeldes armados que lutaram junto a John Rambo em um dos filmes da trilogia, tomaram o poder, estabeleceram um sistema semelhante ao que o EI quer estabelecer em seus “califados” e o país sucumbiu à violência extremista usando armas ocidentais com a inscrição “made in USA” e não “je suis Charlie”. E hoje, ah, como o mundo dá voltas, o mundo ocidental peleia contra os loucos da Al-Qaeda, as próprias e já conhecidas caras dos talibãs que eles armaram até os dentes outrora.

Mas o ocidente precisa intervir para não deixar que ditadores sanguinários, mesmo que estes tenham sido armados pelo próprio ocidente, destruam países como o fez Gaddafi, também apoiado pelo ocidente, Saddam e agora Assad. Ora, o argumento pode ser válido, mas por que então nunca sequer se cogitou em intervir na Arábia Saudita, por exemplo, onde mulheres são condenadas à prisão por querer dirigir um carro ou onde se cortam mãos de opositores do governo em praça pública, sem contar outras peculiaridades que podem levar à pena capital nesse tão obscuro principado? Simples, porque a família real saudita é uma das maiores credoras do governo americano assim como o era a família (saudita) de Osama Bin Laden. Mundo pequeno. E o Catar, o Bahrein...todos têm contratos com a já citada Halliburton entre outras multinacionais do mundo “je suis Charlie”. Mundo pequeníssimo.

E agora, sob o argumento de que não podemos deixar que um outro povo com outra cultura pudesse invadir nosso território livre para impor sua outra cultura, devemos agir, antes, claro, apagar dos livros de história as grandes Cruzadas, que era exatamente a mesma coisa: matar em nome de Deus para tornar cristão territórios não-cristãos. Mas enfim, já passou muito tempo, não pode mais acontecer e os responsáveis já estão mortos, o fato é que devemos agora procurar outro país que esteja injuriado com os assentamentos judaicos, que tenha um ditador demente e facínora (e burro) e atacar este país que será o bode-expiatório. A indústria bélica agradece, vamos novamente gerar órfãos, refugiados, apátridas, famintos e, claro, vamos armar algum grupo de dementes ignorantes com armas químicas que serão os nossos futuros terroristas que darão início a mais um “je suis Charlie” em algum outro idioma ocidental, se invadirá algum outro país, se surtirá armas químicas para algum outro grupo de dementes, o mundo seguirá subindo meio grau por ano e assim vamos...

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