segunda-feira, 4 de abril de 2011

Legalização

O tema das drogas jamais saiu de moda aqui na Colômbia. Evidentemente que as coisas melhoraram, mas esse passado sombrio ainda está presente. Em termos de mídia, quase todas as novelas e séries colombianas têm no narcotráfico seu principal tema. Soma-se a essa realidade a “transferência” do problema ao México. Os colombianos dizem que o México de hoje, com suas chacinas a atrocidades diárias, é a Colômbia de ontem, das décadas de 80 e 90, dos cartéis de Medelín e de Cali, dos “capos” Pablo Escobar e companhia.

O tema é constante e nunca sai de cena. Nos últimos dias o tema do aumento hediondo da violência causada pelas drogas no México me chamou muito a atenção e venho madurando uma mudança radical de opinião que foi definida após uma entrevista de Mario Vargas Llosa e após assistir uma reportagem sobre crianças mexicanas radicadas recentemente no Texas que, em trabalhos escolares onde deveriam desenhar suas famílias e amigos, o fizeram com desenhos que apenas configuravam cenas de violência: cadáveres, tiros, armas, corpos mutilados e, o que mais me comoveu, todas as personagens dos trabalhos tinham caras tristes e choravam.

Não posso ser considerado uma metamorfose ambulante, mas sim mudo rotineiramente de opinião desde que novos fatos surjam ou novos argumentos me impressionem. Posso dizer que, a partir de 2011, sou a favor da legalização das drogas.

O principal fator que me fez mudar tão radicalmente de opinião foi que desisti. É humanamente impossível controlar o tráfico de drogas. Há um programa no canal National Geographic que mostra o dia a dia dos patrulheiros das mais variadas fronteiras americanas. Na costa oeste americana, o fluxo de veículos que ingressam provenientes do México é de mais de 80 mil diariamente. Cada revista dura quase uma hora e os lugares onde a droga é escondida são os mais variados e inesperados. É possível parar 80 mil carros por dia? Não preciso responder.

Outro fato alarmante: a cada mega apreensão de drogas realizada, nada acontece com o preço da droga no mercado, ou seja, mesmo as grandes operações antidrogas com sucesso, são irrisórias se considerarmos a grandiosidade desse mercado ilícito.

As drogas ilícitas fazem tanto mal quanto a bebida alcoólica que é lícita. Por quê, então, a bebida alcoólica é lícita ou a droga é ilícita? Não saberia responder nada diferente a que bebida alcoólica paga imposto. Mesmo assim, se analisarmos mais profundamente, é um tremendo de um mau negócio para qualquer estado. Se gasta mais com os problemas causados pelo consumo de bebidas alcoólicas do que se arrecada com os tributos pagos por estas empresas. Violência, vandalismo, acidentes de trânsito, degradação da saúde, lotação de hospitais, tratamento médico, centros de reabilitação, enfim, é mau negócio se visto com olhos mais atentos. Em países mais desenvolvidos os governos já se deram conta dessa contradição há muito tempo e cobram impostos altíssimos em cima de bebidas alcoólicas e tabaco.

Nunca podemos esquecer-nos da Lei Seca no Estados Unidos do início do século passado. De um dia para o outro o álcool foi colocado na clandestinidade. A proibição gerou os grandes criminosos dessa época, alguns até míticos como Al Capone e resultou na desistência por parte do Estado que assumiu rapidamente a impossibilidade do controle dessa nova tendência criminosa. Então por que o Estado atual demora tanto para assumir o seu fracasso? O mundo tem que aceitar que fracassou e procurar alguma alternativa e eu não vejo outra saída do que a legalização. Muitos podem alegar que, com o avanço tecnológico, seria possível se fazer mais do que vem sendo feito; mas há de se considerar que o avanço tecnológico joga para os dois lados. Duvido que Al Capone transportasse bebidas dentro de submarinos ou nos estômagos de hipopótamos ou que fosse capaz de mudar o estado da
matéria para driblar a polícia.

O benefício imediato para o Estado seria a cobrança de impostos sobre um produto de muito sucesso mundo afora. Dá lucro ao Estado? Não, porque os gastos indiretos são muito mais onerosos; no entanto, pelo menos ajuda a pagar a conta.

Diria que os impostos obtidos através das drogas hoje ilícitas deveriam ser 100% destinados à saúde, uma espécie de CPMF tendo em vista que é o setor da saúde o que mais é onerado pelo mal das drogas.

Ainda falando sobre saúde, como as drogas passariam a ser legais, um controle de qualidade idêntico ao usado para qualquer outro produto seria ferrenho. Todos sabem
que, por mais incrível que possa soar, há drogas de “baixa” e de “alta” qualidade.

Alguns narcotraficantes utilizam caco de vidro, bicarbonato e outras porcarias para “fazer render” mais a droga e isso é ainda mais nocivo aos seus usuários. Com um forte controle sanitário e de qualidade, esse problema poderia ser fortemente diminuído. Vale a pena destacar alguns programas realizados em países desenvolvidos que oferecem gratuitamente drogas injetáveis aos seus usuários. Muitos bradam sobre o quão absurdo é a população pagar, através de seus impostos, drogas para viciados.

O argumento desses estados é de que se deixa de desperdiçar dinheiro e vagas de hospitais com pessoas infectadas por doenças ou com danos causados pelo abuso de drogas que acabam sendo extremadamente onerosos à máquina pública, e esses problemas são causados por overdoses ou consumo de drogas de baixa qualidade algo que é evitado quando o estado assume o papel de controlador e regulador dessa prática.

Outro projeto de lei meu considerando que essa ideia fosse levada adiante seria o uso de toda a verba trilionária destinada ao combate às drogas em propaganda massiva contra o abuso de entorpecentes. Não podemos deixar de lado o sucesso da campanha americana antitabagismo que reduziu nas últimas décadas o consumo de cigarro no país em números fantásticos. Hoje um fumante no Estados Unidos é visto praticamente como um demente ou criminoso, longe de todo aquele patético glamur dos anos 50.

Mais benefícios: como as produções teriam que ser legais, seriam controladas e isso evitaria a degradação massiva de bosques e florestas principalmente nos três países maiores produtores que são Colômbia, Bolívia e Peru que possuem uma riqueza natural incalculável e que a vê sangrar a cada fumigação realizada.

No entanto o maior ganho da Humanidade seria o fim da violência, o fim dessa guerra que tira mais vidas do que qualquer tragédia natural ou qualquer epidemia. Muitos podem argumentar dizendo que sempre haveria o tráfico assim como há “tráfico” de roupas falsificadas. A grande diferença é que o combate às drogas é muito mais ferrenho e resulta em gigantes apreensões. Os traficantes resistentes à nova realidade não poderiam competir com os produtores e comerciantes de drogas que não seriam importunados pela polícia e que jamais sofreriam apreensões de seus produtos, jamais teriam que subornar o poder público e etc.

Além de todos esses benefícios diretos, aparecem os “benefícios” culturais. Sendo a droga legalizada, acabaria a glamorização da figura patética do traficante que deixaria de ser esse personagem mítico inspirador de inúmeros filmes e personagens inesquecíveis e seria então mais um yuppie homem de negócios de terno e gravata esturricados desesperado pelo humor das variações cambiais.
Livraríamos-nos dos bregas traficantes latinos, nos livraríamos dos rapppers metidos a bandidos e vivendo em Taj Mahals hollywoodianos e eu, que vivo aqui, me livraria do reggaeton e de ver mulato vestido de Dolce & Gabbana e Emporio Armani dos pés à cabeça e com mais brilho no corpo do que qualquer constelação imaginável.

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