Inspirado em fato real.
Fulano estava exultante pois recém recebera seu primeiro salário. Sábio, apesar da pouca idade, já não confiava na voracidade dos bancos e recebeu seu salário em dinheiro. O pôs na mochila e ia, com o cair de mais uma noite amena de São Paulo, em direção à parada de ônibus que o levaria para a universidade.
Em uma demonstração de preguiça jovial, resolveu ir por um atalho. Ao invés de seguir pela movimentada e iluminada avenida, o estudante paulistano volteou-se e seguiu caminho por uma pequena e escura via.
Antes mesmo de seguir por esse trajeto, o auspício do que iria acontecer. O distraído estudante observou a presença resoluta de um homem perto de um poste de luz.
A preguiça jovial pós-moderna vence o receio e ele seguiu seu rumo.
Cerca de 30 segundos se passam e ele escuta uma voz fatigada que lhe diz:
- Pára e dá a carteira.
A voz não era ameaçadora e tampouco nervosa. A noite era amena, aquela pequena via era uma ilha de tranqüilidade e bucolismo no coração da maior e mais caótica das metrópoles sul-americanas.
Fulano pára. Sente o peso de sua mochila nas costas somado à presença de seu violão que agarra-se às suas costas. Fita a arma à mão do homem.
Fulano sorri por dentro e começa a mensurar o quão estúpido foi. O sentimento é de aceitar a justa punição pelo seu pecado da preguiça.
Mesmo assim, encorajado pelo tom de voz amistoso e pela naturalidade da abordagem, ele faz sua última tentativa de tentar salvar aquele que foi e passaria a não ser mais o seu fugaz primeiro pagamento.
- Não tenho quase nada na carteira, menos de 50 pilas.
Mantendo a cordialidade na relação de assaltante-assaltado, o primeiro replica: mas não tem mais nada não?
- Não mesmo, cara, sou apenas um estudante. Foi mal.
Não demonstrando decepção pelo aperente fracasso, o assaltante guarda o dinheiro no bolso não sem antes devolver a carteira a Fulano e muda de assunto: tu toca violão? Que tipo de música?
A pós-modernidade realmente não poupa indivíduo algum. É o único arremedo de justiça social. Nota-se uma carência afetiva e pobreza de relacionamentos em qualquer um. Já que fracassara em sua tentativa "profissional", o homem resolveu não perder a esperança de trocar poucas palavras.
- Toco sim. Qualquer coisa.
O assaltante segue:
- Eu também toco: cavaco, violão...toda a sexta eu toco num bar lá na Zona Leste, pagode e música popular, não quer ir lá sexta que vem?
Fulano estava um pouco confuso pelo grau de surrealidade da situação, mas não estancou a conversa, demonstrando aparente interesse no convite.
- Vamos sim, me dá o endereço certinho.
- Não queres sentar aí e tomar uma cerveja? Daí combinamos bem e eu desenho um mapinha pra ti. Eu pago.
- Estou meio atrasado para a aula...
- Rapidinho. Uma cerveja e deu.
- Beleza.
Os dois dirigem-se como velhos amigos ao bar mais próximo. O assaltante educadamente oferece-se para carregar um dos pertences de Fulano. Fulano lhe dá seu violão e segue com sua mochila nas costas.
No bar os dois conversam sobre música. Fulano, embasbacado, mas sem temor, ouve curioso o seu novo amigo falar. Sente pena. Nota a vergonha no rosto dele que tenta fazer com que Fulano esqueça-se do que havia passado.
- Ó, o mapa tá aí, é bem fácil de encontrar. Vou pedir a conta, espera.
O assaltante tira as duas notas de 20 reais do bolso, que minutos antes pertenciam a Fulano e pára diante do valor da conta de R$4,00. Pensa e indaga Fulano:
- Tu me troca uma de 20 por 4 de 5, ou de repente duas de 10 também pode ser.
- Cara...tu rou...tu estás com meu dinheiro...fiquei sem nada...
- É verdade. Mas tu não tem mais nada aí mesmo, te pago lá sexta. É que não queria trocar os 20.
Fulano lembra-se de seu cartão de débito e efetua o pagamento junto ao balcão enquanto seu amigo lhe espera.
- Obrigado. Te pago lá mesmo, sem falta.
- Bom, vou indo...vou chegar bem tarde à aula...
- Bom, nos falamos lá sexta então, se quiser pode até ficar para a janta. Minha mãe cozinha muito bem.
- Vamos ver...não perguntei teu nome...
- Beltrano.
- O meu é Fulano...ó, tu poderias me emprestar uma nota de 20 para eu pegar o ônibus...é que fiquei sem nada e no ônibus não tem como pagar com cartão
Titubeante, Fulano completa:
- Te levo o troco lá sexta...
- Claro, era teu mesmo. Pega aí...ó, tu não me emprestaria o teu violão para eu ir treinando nele. Daí tocaria com ele na sexta e te devolvo depois do xou...
- ...tá bom, pega aí.
- Tchau, Fulano!
- Tchau, Beltrano.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
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2 comentários:
Bah, isso foi real mesmo? Que cena. E o show, como foi?
hehehe .. engraçado e trágico!
Abraço
Beto
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